Histórias

A frota fantasma de Mallows Bay

Em 2 de abril de 1917, dia que os Estados Unidos entrou na Primeira Guerra Mundial contra a Alemanha, começa a história de centenas de navios que foram construídos e depois descartados e deixados para apodrecerem e posteriormente naufragarem na baía Mallows, no rio Potomac, em Maryland, nos Estados Unidos e até hoje os restos de alguns deles podem ser vistos em águas mais rasas da baía. A Europa já estava em guerra há mais de dois anos e meio, e os novos aliados se recuperando dos ataques devastadores dos submarinos alemães que infestavam o Atlântico e se não fossem enviados suprimentos necessários, a guerra poderia ser perdido para os alemães. Um engenheiro chamado Frederic Eustis propôs construir centenas de navios a vapor de madeira, usando um método de concepção e construção que garantia que eles poderiam ser construídos rapidamente.

Frota Fantasma de Mallory Bay

ghost-fleet-of-mallows-bay-06Os americanos tinham muitos navios de guerra, mas poucos navios de cargas e de transportes e isso levou o presidente americano Woodrow Wilson aprovar o maior programa de construção naval da história dos Estados Unidos: uma ordem para a construção de 1.000 navios a vapor com capacidade de transportar 3.500 toneladas de carga e comprimentos que variavam 75 a 90 metros cada e que deveriam ser construídos em tempo recorde de 18 meses.

Para monitorar o projeto e fazer cumprir os contratos, foi criada a “Emergency Fleet Corporation” (EFC), órgão governamental que deveria supervisionar os 87 estaleiros que participariam do programa, e George W. Goethals, construtor do Canal do Panamá, foi nomeado gerente geral. Devido a burocracia, a aprovação dos primeiros 433 navios só foi feita em julho de 2017. Em 1 de dezembro de 1917, o primeiro desses navios foi lançado no Oceano Pacífico, no entanto, em outono de 1918, constatou que um ano e meio depois do início do programa, apenas 134 navios dos 1.000 encomendados, estavam prontos e outros 263 deles estavam apenas na metade da construção e muitos desses acabaram nem sendo finalizados e centenas deles nem haviam sido iniciados.

Obsoletos

A Alemanha se renderia em 11 de novembro de 1918 e nenhum dos navios construídos especificamente para transportar carga e soldados para a Europa tinha atravessado o Oceano Atlântico até então. E na época, o programa aprovou o financiamento e pagou 731 navios a vapor de madeira a serem construídos. Dos mais de 130 navios que tinham sido concluídos, apenas 98 foram oficialmente entregues. E desses, apenas 76 tinham sido usados ​​para transportar cargas como planejado.

Frota Fantasma de Mallory Bay

Apesar do iminente fim da guerra, os estaleiros continuaram construindo os navios e em setembro de 1919, tinham sido entregues 264 navios a vapor ao governo. A essa altura, os Estados Unidos não tinham mais nenhum uso para eles, e foram deixados abandonados, enquanto se decidia o que fazer com eles. Tentaram até dar 200 desses navios ao Uruguai, mas eles não aceitaram. Para complicar a situação, os estaleiros foram acusados de construírem navios de má qualidade, com muitas partes importantes do navio deixadas de fora, para acelerar o processo de construção. Os navios também eram mal calafetados e consequentemente havia muitos vazamentos e de serem muito pequenos para serem eficientes como cargueiros de longa distância. Além disso, a invenção do motor a diesel, tornaram os navios com queima de carvão obsoletos. Após a Primeira Guerra Mundial, a demanda de aço diminuiu consideravelmente, baixando os preços, e a indústria naval passou a usar o aço na construção, em todas as embarcações, decretando o fim da construção de navios a vapor de madeira.

Frota Fantasma de Mallory Bay

Venda abaixo do preço

No final de dezembro de 1920, o Congresso Americano decidiu tomar uma atitude e 290 navios que não estavam sendo utilizados foram temporariamente ancorados no rio James, no estado de Virginia a um custo de quase 50.000 dólares por mês, custando aos contribuintes americanos entre 700.000 a 1 milhão de dólares por navio, sem falar que no total foram gastos mais de 1 bilhão de dólares na construção desses navios. Na esperança de recuperar algum dinheiro, o Congresso colocou todos os navios do programa a venda com um preço muito abaixo do que havia pagado por eles e dois anos mais tarde, em setembro de 1922, a empresa Western Marine & Salvage Company(WMSC) adquiriu 233 dos navios da frota por 750.000 dólares.

Frota Fantasma de Mallory Bay

O plano era rebocar os navios um por um para uma área de atracação autorizada perto de Widewater, Maryland, na Virginia, desmontar as peças mais valiosas e queimar os navios, para revelar metais que poderiam ser vendidos como sucata, em seguida, afundar os cascos no pântano do lugar. Enquanto estavam sendo desmontados, sete navios pegaram fogo acidentalmente, posteriormente mais dois navios afundaram complicando a navegação no rio.

Quando o governo anunciou que mais 218 embarcações foram programadas para serem destruídas em Widewater, barqueiros locais e ecologistas fizeram tanto protestos que conseguiram parar os trabalhos de desmontes e então, em abril de 1924, a empresa responsável, adquiriu 566 acres de terras agrícolas na costa de Mallows Bay em frente a Widewater, num canal que segue paralelo ao rio Potomac para continuar suas operações, e foram construídos cais, escritórios, depósitos e dormitórios em tempo recorde para acelerar os trabalhos de desmontes, em Sandy Point, lado norte da baía. Isso não impediu os protestos, assim a WMSC foi obrigada a agir rapidamente para livrar o lugar de algumas embarcações e em 7 de novembro de 1925, trabalhadores da empresa incendiaram 31 navios embebidos de óleo na baía. Na época o jornal The Washington Post relatou: “uma horda de ratos guinchando mergulhavam na baía, a medida que os navios iam sendo incendiados“.

Frota Fantasma de Mallory Bay

A empresa continuaria as operações de salvatagem pelos próximos anos, mas nunca conseguiu recuperar seus investimentos. Em outubro de 1929, a WMSC trouxe mais 170 navios para a baía. Mas a economia do país estava passando por momentos difíceis que ficaram conhecidos como a “Grande Depressão” e a empresa Western Marine & Salvage Company foi a falência em 1931 e acabou abandonando os navios em Mallows Bay e pelos próximos dez anos, a frota foi deixada para apodrecer. Uma verdadeira indústria de desmonte ilegal se apossou do lugar, com dezenas de pessoas  fazendo seu próprio sistema de salvatagem nos destroços. Na época podia se ver até 200 homens trabalhando numa só embarcação. Pelo menos 20 bordéis e bares flutuantes ancoraram na região e 26 alambiques clandestinos tinham sido erguidos nas proximidades.

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Na aproximação iminente da Segunda Guerra Mundial, a ameaça de guerra viu o preço da sucata de metal disparar. O governo dos EUA destinou 200.000 dólares para Bethlehem Steel, uma empresa de salvatagem, no início da década de 1940 afim de recuperar mais de 20.000 toneladas de ferro que se pensava ainda estar em 110 cascos em Mallows Bay. O projeto era grandioso e precisou ser contratado uma empresa de terraplanagem para abrir um grande buraco, numa área isolada da baía e foram instalados enormes portões flutuantes. Os navios eram rebocados para esse lugar, os portões fechados e enchidos de terra e a água bombeada para fora, deixando expostos os cascos e que depois eram queimados completamente, deixando apenas as ferragens. O programa revelou-se caro demais e o custo final do resgate era muito maior que o valor dos materiais recuperados. Em 1943, a Bethlehem Steel finalizou os trabalhos, conseguindo 360 ​​mil dólares em sucata, mas foram deixados mais de 100 cascos de navios na baía.

Frota Fantasma de Mallory Bay

Limpar a área

Nos anos sessenta, houve um grande esforço para limpar a área, tendo finalmente o Congresso acatado os apelos dos barqueiros locais e aprovando uma verba de até 350.000 dólares para que o Corpo de Engenheiros do Exército limpassem a área de Mallows Bay. Mas depois se descobriu que os barqueiros tinham uma parceria com uma empresa privada de energia elétrica, que estava interessada nas terras ao redor Mallows Bay, pondo fim a ajuda financeira do Congresso americano. Em março de 1993, o governo de Maryland aprovou um estudo sobre a frota em Mallows Bay, para que avaliassem os custos da retiradas dos destroços e os efeitos sobre o meio ambiente, bem como, um inventário dos navios como fins históricos e arqueológicos. Ao longo de dois anos, os pesquisadores identificaram 88 navios de madeira, que sobraram do programa “Emergency Fleet Corporation”.

Frota Fantasma de Mallory Bay

Os pesquisadores também descobriram que a baía foi utilizada pela empresa Western Marine & Salvage Company como descarte de outros navios que não faziam parte do EFC que seriam doze barcaças, um escaler de guerra, várias escunas do século 18, outros barcos menores, e até a “SS Accomac“, uma balsa de transporte de carros. Navios continuariam a ser abandonados em Mallows Bay até 1980. O estudo também descobriu que os cascos tinham formado um microssistema na Baía para peixes e aves. A grande concentração de madeira enriquecida de sedimentos, e a ausência de diesel e óleo poluindo a água, acabou formando um habitat saudável para muitas espécies de animais selvagens. Em última análise, o programa EFC construiu um total de 285 navios até agosto de 1920, e desses, 152 acabaram em Mallows Bay no prazo de nove anos. Especialistas estimam que os restos visíveis em Mallows Bay hoje representam apenas 30% da frota enviada para lá para desmonte.

Frota Fantasma de Mallory Bay

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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