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Cerro Rico, a montanha que come homens

Cerro Rico ou Sumaq Urqu (em quíchua) que quer dizer ‘serra bonita‘ fica no sudoeste da Bolívia, no alto do Andes e se ergue acima de Potosí, uma das cidades mais altas do mundo, com uma atitude aproximada de 4.800 metros de altura. A montanha é famosa desde o período colonial, quando possuía às veias de prata mais importantes do mundo. Os espanhóis no passado pensavam que toda a montanha era feita de minério de prata.

Séculos atrás, Potosí era tão rica que na obra prima Quixote de Miguel de Cervantes, se criou a expressão “vale um Potosí“, o que significava algo que valia uma fortuna. A cidade foi fundada em 1545 e cinquenta anos depois era a maior produtora de prata do mundo. Em 1611, tinha aproximadamente 150 mil habitantes, sendo a segunda cidade mais populosa do mundo, ficando só atrás de Paris e uma das mais ricas, devido à exploração da prata enviada à Espanha.

Cerro Rico, a montanha que come homens
Crédito da foto

A Carrera de Indias, era chamada a rota que transportava pelo Pacífico e pelo Atlântico, a prata que era uma parte importante da economia espanhola. O transporte pelo mar era feito de forma regular, por percursos bem definidos e escoltado por comboios armados. Estimasse que foram tiradas e transportadas a Espanha o equivalente em prata que daria para construir um ponte com esse material cruzando o Oceano Atlântico.

Em 1825, a maior parte da prata já tinha se esgotado e a população caíra para oito mil habitantes, mas depois cresceu novamente. Atualmente, segundo o censo de 2009, Potosí (que significa explosão) possui 195 mil habitantes. Há dúvidas sobre quem descobriu a prata em Cerro Rico, se os incas ou os espanhóis. Uma lenda que diz que uma divindade, com um estrondo e uma voz vinda do céu, aconselhou os incas a não retirarem a prata dali.

Com ou sem lenda, o certo é que eles tinham conhecimento do metal na montanha, mas não o retiravam. Já os espanhóis não ouviram os céus e o levaram em quantidade absurdas para a Europa, com a “ajuda” de centenas de milhares de escravos incas ao longo dos anos.

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Um número incalculável de pessoas morreram durante a exploração, devido às condições de trabalho e aos mais diferentes acidentes, como soterramentos e quedas de grandes alturas, além da fome e das epidemias. As rebeliões eram contidas com violência. eram milhares de homens que em média, trabalhavam dezesseis horas diárias, cavando túneis e extraindo o metal.

A pouca luz era garantida pela graxa de lhama que era queimada. Como se não bastasse, os trabalhadores moravam na mina por um período médio de quatro meses, com duas ou três saídas a fim de ver a luz do sol, o que muitas vezes acabava por cegá-los após longo período de escuridão.

O sistema de trabalho implantado pelos espanhóis era chamado de “Ley de mita“. Cada aldeia indígena emprestava à coroa um número determinado de trabalhadores durante vários meses, em turnos que duravam até 16 horas. Estes eram convocados para realizarem quaisquer trabalhos por toda a região andina, e a idade variava de 18 a 50 anos. Uns iam para as lavouras, outros para a construção de casas e igrejas e muitos para as minas.

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Atualmente, a maior mina no interior de Cerro Rico é a Pailaviri, que pode ser visitado por turistas. Ela está ativa e funciona continuamente desde 1545 e dividida em 17 níveis, aos quais se pode chegar por meio de um elevador, que desce até 240 metros de profundidade, num ambiente que pode chegar até a 40 graus centígrados.

Dezenas de homens ainda morrem nas minas quando elas desmoronam. Séculos de mineração deixaram a montanha instável e crivada com milhares de buracos, e há um sério risco de toda a montanha entrar em colapso e desmoronar por completo. São 620 galerias e 285 minas ainda ativas que vão minando a estrutura da montanha. Na verdade, Cerro Rico já diminuiu em altura por algumas centenas de metros devido à extensa mineração desde a monarquia espanhola.

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De acordo com o historiador Eduardo Galeano, cerca de oito milhões de pessoas morreram em Cerro Rico desde o século 16, embora muitos alegam que este número é exagerado e acreditam que representa todas as pessoas que deixaram a região ao redor das minas e não apenas aqueles que morreram trabalhando nelas. Talvez seja difícil de dizer realmente, quantas pessoas já perderam a vida para a montanha, mas sem dúvida, o número é expressivo, a ponto de Cerro Rico, ganhar o apelido de “a montanha que come homens“.

Enquanto muitos morrem em acidentes, o maior número de mortes vem a silicose, uma doença pulmonar causada pela inalação de sílica. O pó de sílica é o elemento principal que constitui a areia, fazendo com que a doença acometa principalmente mineiros, cortadores de arenito e de granito, operários das fundições e oleiros.

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Normalmente em minas modernas, a poeira é impedida por fluxos contínuos de água direcionada as pontas das brocas. Mas em Cerro Rico isso não existe, e a poeira se mistura ao ar, sendo respirada constantemente pelos mineiros. Uma vez dentro dos pulmões, a poeira se assenta e provoca a cicatrização dos tecidos pulmonares, não permitindo a passagem do oxigênio para o sangue de forma normal, além de fazer com que o pulmão perca a sua elasticidade tornando a respiração mais difícil.

Acompanhado por sintomas como a bronquite, febre, dor no peito, perda de peso, fraqueza e eventualmente a morte. Bem poucos vivem até a idade dos quarenta anos. De acordo com uma associação local, quatorze novas viúvas são feitas a cada mês.

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Próximo ao nível de ingresso a mina Pailaviri, a 70 metros de altura, localiza-se o “El Tio”, representação do demônio ou divindade horrenda possuidora das minas, a quem se fazem oferendas para se poder retirar o metal de seu interior. Em 1987, o Cerro recebeu o título de Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade da Unesco porém, caso perca seu formato cônico, deixará de sê-lo. Os mineiros pensam que, em cem anos, o formato original só possa ser visto em fotos e no brasão boliviano.

Cerro Rico, a montanha que come homens
El Tio, divindade encontrada nas entradas das minas, onde os mineiros deixam oferendas
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Esquema da localização de algumas minas em Cerro Rico | Crédito da foto
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Uma das entradas das minas na montanha
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Em alguns lugares, os túneis tem pouca altura, que é necessário cruzá-lo de joelhos
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Uma das estátuas do El Tio, encontradas em diversas entradas das minas em Cerro Rico | Crédito da foto

Fontes: 1 2 3

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