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Lago Nyos, o lago assassino

O Lago Nyos, localizado em Camarões, é conhecido por ser potencialmente letal devido à acumulação de dióxido de carbono (CO2) em suas profundezas.

Na manhã de 22 de agosto de 1986, um morador partiu de sua vila, na República dos Camarões, em direção ao Lago Nyos, pedalando em sua bicicleta. Durante o percurso, deparou-se com um antílope sem vida à beira da estrada, seguido, alguns metros à frente, por dois ratos, um cachorro e outros animais, todos também sem vida. Intrigado e preocupado, dirigiu-se à aldeia de Nyos em busca de informações sobre o ocorrido.

À medida que se aproximava das cabanas de barro e palha da aldeia, deparou-se com uma cena aterradora: pessoas, cachorros, vacas, todos sem vida, espalhados por toda parte. Desesperado, procurou por sinais de vida entre as choupanas, mas não encontrou ninguém. Aterrorizado, retornou à sua vila, em Wum, para relatar o que testemunhara em Nyos.

Ao chegar a Wum, percebeu que não estava sozinho em sua angústia. Outros moradores de aldeias próximas também chegaram assustados, relatando terem ouvido uma explosão ou um estrondo distante na noite anterior, seguido por odores estranhos, assemelhando-se a ovos podres, pairando no ar. As autoridades locais informaram o governador sobre o incidente incomum, e este solicitou assistência da capital. No entanto, devido à localização remota de Nyos, levou dois dias para que uma equipe médica chegasse ao local.

Os médicos depararam-se com uma tragédia de proporções inimagináveis: quase 1.800 vidas foram ceifadas durante aquela noite fatídica. Além das vítimas humanas, mais de 3.000 bovinos, juntamente com uma variedade de animais selvagens e pássaros, também perderam a vida. O registro oficial de óbitos contabilizou 1.746 pessoas, embora essa cifra fosse apenas uma estimativa. O tempo decorrido, 36 horas desde a ocorrência, dificultou a contagem precisa, uma vez que os sobreviventes, movidos pelo desespero, já haviam iniciado o sepultamento em valas comuns. Muitos outros, aterrorizados pelas aldeias repletas de cadáveres, buscaram refúgio na floresta.

O que quer que tenha sido responsável pela tragédia, tanto para humanos quanto para animais, parecia ter desaparecido tão misteriosamente quanto havia surgido, sem deixar rastros. A rápida dissipação do agente causador intensificou ainda mais o enigma que envolveu aquele evento.

Lago Nyos, o lago assassino

Procurando pistas

A tragédia que resultou em um grande número de mortes em um curto período permanecia envolta em mistério, provocando uma resposta internacional de pesquisadores em busca de respostas. A ex-colônia francesa, Camarões, atraiu a atenção de especialistas da França, Estados Unidos e outras nações.

Os exames post-mortem dos corpos ofereceram poucas pistas, pois não havia evidências de hemorragia, trauma físico ou doenças. Teorias envolvendo testes de armas químicas, radiação ou gás venenoso foram descartadas, uma vez que as vítimas não apresentavam sinais de sofrimento ou agonia. Surpreendentemente, elas simplesmente apagavam e morreram enquanto dormiam ou realizavam atividades cotidianas na noite de 21 de agosto, por volta das 21 horas, a hora provável das mortes.

A distribuição das vítimas ao redor do Lago Nyos, em um raio de 25 quilômetros, revelou um padrão intrigante. Nas aldeias periféricas, onde as pessoas permaneceram dentro de suas casas, muitos sobreviveram. Em Nyos, a aldeia mais próxima do lago, apenas 6 dos mais de 800 moradores estavam vivos, independentemente de estarem dentro ou fora de suas casas no momento das mortes. Lendas locais descreviam o lago como “mau”, mencionando espíritos malignos que periodicamente emergiam para ceifar vidas na região.

A revelação crucial para desvendar o mistério do Lago Nyos surgiu ao observar a coloração avermelhada de suas águas, que normalmente eram profundamente azuis. Este lago, situado dentro da cratera extinta de um vulcão, cobre uma área de aproximadamente dois quilômetros quadrados e atinge uma profundidade de 230 metros. A suspeita inicial dos pesquisadores foi direcionada para a possibilidade de atividade vulcânica sob o lago, liberando gases desconhecidos que teriam sido letais para todas as formas de vida nas proximidades.

Apesar da teoria ser convincente, surgiram dúvidas. Uma erupção capaz de liberar gases em quantidade suficiente para causar tantas mortes teria sido notável, violenta e acompanhada por intensa atividade sísmica. No entanto, testemunhas não relataram tremores, e relatórios de uma estação sísmica distante 250 quilômetros negaram atividade incomum na região. Além disso, a ausência de objetos deslocados nas prateleiras das casas onde as vítimas foram encontradas e o apagamento de todas as lamparinas a óleo, mesmo aquelas cheias, sugeriram que algo mais sutil, como a ausência de oxigênio, poderia ter causado as mortes.

Lago Nyos, o lago assassino

A chave para entender o desastre do Lago Nyos reside nas partículas de ferro dissolvido que conferiram à água sua coloração avermelhada. Essas partículas, normalmente presentes no fundo de lagos, foram misteriosamente agitadas e elevadas à superfície, onde, em contato com o oxigênio, adquiriram a tonalidade de ferrugem. Os cientistas, ao analisarem amostras de água retiradas de diferentes profundidades, identificaram níveis extraordinariamente altos de dióxido de carbono (CO2) dissolvido na água.

A descoberta crucial revelou que, a 15 metros de profundidade, as amostras continham uma quantidade significativa de CO2. Ao serem trazidas à superfície, onde a pressão é menor, o CO2 dissolvido se libertou, criando um efeito semelhante à liberação de gás de uma garrafa de refrigerante agitada. A origem desse excesso de CO2 estava relacionada ao magma ativo sob a superfície da Terra, liberando dióxido de carbono não apenas no Lago Nyos, mas em toda a região.

Embora o CO2 seja inodoro, incolor e não tóxico, sua concentração elevada em pontos baixos, como o fundo do lago, tornou-se fatal para a vida ao redor. Esse fenômeno não é exclusivo do Lago Nyos, sendo encontrado em poças em toda a região de Camarões, onde pequenos animais muitas vezes sucumbem à alta concentração de CO2.

A peculiaridade do Lago Nyos estava na não dissolução do dióxido de carbono (CO2) na água, uma característica que o diferenciava de outros lagos com CO2 encontrados globalmente. Em lagos normais, o CO2 se dispersa por meio de um processo chamado “convecção”, no qual fatores como chuva, frio e vento tornam a água da superfície mais densa, empurrando o CO2 para cima, onde se dissolve no ar. Contudo, no caso do Lago Nyos, vários fatores contribuíram para o acúmulo de CO2 no fundo do lago.

A geografia do local, cercado por montanhas que bloqueavam os ventos, juntamente com o clima tropical constante, impediam a dissipação eficaz do CO2. Além disso, a profundidade significativa do lago dificultava a transmissão da agitação da superfície até o fundo. À medida que as camadas inferiores da água se saturavam de CO2, qualquer perturbação, como um deslizamento de terra ou tempestade, poderia desencadear a liberação do gás. Quando as bolhas de CO2 começam a subir, ocorre um efeito de sifão, desencadeando uma reação em cadeia que pode resultar na expulsão maciça de CO2 acumulado por décadas.

Lago Nyos, o lago assassino

O CO2, sendo mais pesado que o ar, pode criar condições letais, deslocando o ar no chão e tornando a respiração impossível. Uma concentração de 10% de CO2 no ar é fatal, enquanto 5% pode extinguir uma chama, explicando por que as lamparinas estavam apagadas no ambiente afetado.

Nos meses posteriores à tragédia no Lago Nyos, os pesquisadores continuaram monitorando os níveis de dióxido de carbono (CO2) nas águas do lago. Quando os níveis começaram a aumentar novamente, validaram sua teoria. Testemunhas em áreas elevadas nas colinas acima do lago, que sobreviveram à tragédia, relataram que o lago começou a borbulhar de maneira incomum em 17 de agosto, formando uma nuvem nebulosa branca sobre a superfície.

Então, sem aviso em 22 de agosto, o lago explodiu abruptamente. O acúmulo de dióxido de carbono ocupou tanto espaço no lago que 1,2 quilômetros cúbicos de CO2 foram liberados, o suficiente para encher 10 estádios de futebol em menos de 20 segundos. Essa liberação maciça de CO2 provocou uma catástrofe, causando a morte de milhares de pessoas e animais na região ao redor do lago.

Nuvem da desgraça

A nuvem de CO2 liberada pelo Lago Nyos ultrapassou os montes circundantes e avançou pelo vale a uma velocidade impressionante de 72 quilômetros por hora, ceifando vidas à medida que avançava. Para os habitantes da aldeia mais próxima do lago, a morte era quase inevitável. Aqueles que estavam em elevações mais altas tiveram a presença de espírito de subir ainda mais, o que lhes permitiu sobreviver.

Um sobrevivente, testemunhando seus vizinhos sucumbindo, relatou que escapou da morte ao pressentir o perigo, saltando em sua motocicleta e conseguindo manter-se à frente da nuvem tóxica, acelerando o máximo que podia. Infelizmente, poucos tiveram essa sorte, pois a maioria das pessoas não percebeu o perigo até serem alcançadas pela rápida e letal nuvem de CO2, sendo impossível superar sua velocidade avassaladora.

Lago Nyos, o lago assassino

Nas aldeias mais distantes do Lago Nyos, as pessoas tinham uma chance relativamente melhor de sobrevivência, especialmente se ignorassem os ruídos estranhos que ecoavam do exterior. Alguns sobreviventes descreveram esses sons como tiros ou explosões, enquanto outros os perceberam como um estrondo. No entanto, aqueles que, movidos pela curiosidade, saíram de suas casas para investigar a fonte do barulho ou para descobrir a origem do odor de ovo podre, rapidamente sucumbiam, desmaiando e morrendo à porta. Surpreendentemente, seus familiares, ao se aproximarem para ajudar, também encontravam o mesmo destino.

As pessoas que permaneceram dentro de suas choupanas, com janelas e portas fechadas, tinham uma chance ligeiramente melhor de sobreviver. Em alguns casos, a quantidade de CO2 infiltrada nas casas era suficiente para sufocar aqueles que estavam dormindo, mas não o bastante para afetar os presentes no mesmo cômodo, desde que permanecessem em pé com a cabeça acima do nível do gás. Alguns desses sobreviventes só perceberam a tragédia quando verificaram seus entes queridos, surpreendendo-se ao descobrir que estavam mortos.

Lago Nyos, o lago assassino
Lago Kivu em Ruanda

O desastre no Lago Nyos foi o segundo incidente desse tipo na história, sendo precedido pelo ocorrido em 1984 no Lago Monoun, também em Camarões, que resultou na morte de 37 pessoas e milhares de animais. Cientistas identificam apenas três lagos no mundo, Nyos, Monoun e o Lago Kivu na fronteira do Congo e Ruanda, capazes de acumular quantidades letais de CO2 em grandes profundidades. A descoberta do que ocorreu em Nyos levou cerca de um ano, e, ao perceber que o lago estava novamente se enchendo de dióxido de carbono, o governo de Camarões evacuou todas as aldeias dentro de um raio de 30 quilômetros dos lagos Nyos e Monoun.

O Lago Nyos permanece potencialmente letal, com estimativas geológicas indicando a presença de 300 a 400 milhões de metros cúbicos de dióxido de carbono, aproximadamente 16 mil vezes a quantidade média em um lago desse tamanho. Em 2001, os cientistas instalaram um tubo de cerca de 200 metros no lago, liberando cerca de 20 milhões de metros cúbicos de ar ao longo de um ano para reduzir a quantidade de CO2. Apesar de um primeiro passo bem-sucedido, mais esforços são necessários para tornar o Lago Nyos totalmente seguro.

Lago Nyos, o lago assassino
Lago Monoun – No meio um sifão instalado trazendo o dióxido de carbono do fundo do lago e assim, evitar tragédias futuras

Artigo publicado originalmente em fevereiro de 2016

Fonte: 1 2

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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