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Route 66: A estrada sem destino

Route 66, Esta não é mais uma rota, não no sentido de caminho, de estrada que conduz o viajante de um lugar para o outro. Ela está toda dilacerada, seus pedaços largados aqui e ali por quase uma dezena de estados norte americanos.

Esta não é mais uma rota, não no sentido de caminho, de estrada que conduz o viajante de um lugar para o outro. Ela está toda dilacerada, seus pedaços largados aqui e ali por quase uma dezena de estados norte americanos. Chega a ser melancolicamente irônico que ela, a Rota 66, uma espécie de caminho de todos os caminhos esteja agora assim, sem rumo ou importância, como se as próprias pessoas que sonharam trilhar essa estrada tivessem perdido seu nome.

Curioso é que ela não está em lugar algum, mas quem quiser pode encontrá-la em qualquer lugar. Basta procurar informações com os mais velhos. Os jovens, principalmente os do interior, não sabem dar informações. E os mapas rodoviários, mesmo os mais completos, simplesmente não fazem referência à Rota 66 ou pelos outros nomes que ela ficou conhecida, “Mother Road” e “Main Street“. Ela virou Interstate 125 aqui, 312 acolá, foi irremediavelmente reduzida ao status de estrada secundária ou rodovia local.

Route 66: A estrada sem destino

Oficialmente, sua existência findou em 1985, quando as placas originais foram retiradas. Dos 3.980 quilômetros originais, restam ainda 3.200, mas são raros os trechos que conservam as características originais. Da maior parte, os governos estaduais só aproveitaram o traçado, para, sobre ele, pavimentar estradas mais modernas, que, entretanto, são apenas estradas. Alguns saudosistas comparam o fim da Rota 66 ao assassinato de Kennedy, no sentido de que em ambos os casos não sucumbiram apenas um homem e uma estrada, mas parte do próprio espírito da América.

As novas gerações americanas não tem a menor ideia do caráter emblemático da estrada. Alguns americanos que vivem como guias turísticos, tem dificuldade em compreender o interesse de turistas estrangeiros que cismam em buscar vestígios dos caminhos percorridos pelos motoqueiros do filme Easy Rider (no Brasil, Sem Destino). Mas eles não veem, porque não podem ver, o sentido amplo que ganhou a palavra liberdade na Rota 66, a maneira pela qual, através de suas lendas e seus filmes, a rodovia conquistou uma imagem “cult” em todo o mundo.

Pelo mesmo motivo, os guias turísticos e os jovens não conseguem associar nostalgia ao asfalto velho e aos edifícios abandonados, que ainda existem como ruínas de um tempo que parece não ter acabado. Para os novos americanos, a Rota 66 está irremediavelmente morta, sepultada numa cova mais funda que aquela em que repousam Woodstock, os hippies, James Dean e tantos outros sonhos desfeitos.

Route 66: A estrada sem destino

Portanto, não conte com os mapas nem com os jovens. Prefira a divagação dos velhos solitários que ficam nos cantos ermos dos saloons (eles ainda existem!) bebendo root-beer, uma esquisita mistura de cerveja e refrigerante à base de raízes. Deles pode vir a pista. Ou fique de olhos bem abertos sempre que estiver em qualquer lugar entre Chicago e Los Angeles. Porque, de repente, quando você menos esperar, haverá uma placa velha na beira do asfalto com o cabalístico número 66 estampado naquele desenho famoso que lembra o dístico de um clube de futebol.

Outra forma – mais radical – de encontrar a mística da estrada é procurar gente da pequena legião de fanáticos que cultuam a Rota e viajam em seus trechos mais remotos. E não são tão poucos. Existem, nos Estados Unidos, nove entidades que lutam pela preservação da memória da Rota 66. Uma de caráter nacional e outras oito regionais, uma em cada estado por onde a estrada passa, desde que foi construída em 1926.

Essas entidades vivem da venda de camisetas, chaveiros e outras bugigangas que são adquiridas por turistas acidentais, principalmente europeus que tentam refazer o trajeto da rodovia fantasma. Em troca dessas pequenas compras, você pode ouvir histórias de Buicks e Cadillacs cheios de gente famosa que enchiam a estrada de resplendor nos anos de glória. Clark Gable e Carole Lombard passando a lua-de-mel no Oatman Hotel, em Kingman, Arizona, que estava entre as centenas de hotéis espalhados na beira da estrada. Artistas e empresários levando a riqueza, o luxo, o espírito empreendedor e o capitalismo selvagem do Leste para o Oeste. Este, aliás, sempre foi o sentido principal da Rota 66: crescer para o Oeste.

Route 66: A estrada sem destino

Nascida da persistência de Cyrus Avery, um fazendeiro de Tulsa, Oklahoma, que nos anos 20 compreendeu a necessidade de se criar um grande caminho para o escoamento da produção agrícola dos estados centrais da América, a 66, desde o princípio, foi um caminho para o novo. Foi em função de sua existência que surgiram os primeiros postos de serviços que, além de gasolina, ofereciam borracheiros, oficinas, alimentação e, mais tarde, até hospedagem. O carro ainda era uma geringonça para poucos quando a 66 juntou o Leste ao Oeste dos Estados Unidos.

Primeiro, como uma espécie de Transamazônica local, onde os veículos corriam o risco de chafurdar para sempre. Depois, como a rodovia mais rica em histórias e lendas de que já se ouviu falar. A estrada rota 66 foi aberta em 11 de novembro de 1926 e inaugurada oficialmente em 1928, com o nome de Will Rogers Highway, muito embora a maior parte do percurso tenha sido pavimentada décadas mais tarde, logo capturou a imaginação da America.

O primeiro promotor dessa mitologia foi C.C.Pyle, encarregado de atrair atenção para a estrada, que nos anos 20 parecia um elefante branco para muitos americanos. Foi ele que organizou a impensável Great Transcontinental Footrace, uma corrida a pé entre Los Angeles e Chicago. Por vários anos, na falta de carros, o heroísmo dos atletas foi fator de divulgação da Rota 66. Durante 200 dias por ano, rádios e jornais de todo o interior dos Estados Unidos transmitiam a saga dos heróis locais, que corriam até o esgotamento em busca de um prêmio em dinheiro.

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O mais venerado deles é Andy Paine, um índio cherokee sem formação atlética, que, como milhares de outros desempregados da Grande Depressão, tentou buscar na corrida os dólares que não se encontravam com trabalho. Nessa época a Rota 66 era também o dramático cenário para a saga dos pequenos lavradores que fugiam em direção aos conglomerados urbanos da costa atlântica. História, aliás, relatada por John Steinbeck no seu não menos cultuado Vinhas da Ira. Payne, num esforço documentado pela imprensa de então, venceu centenas de atletas bem alimentados e levou o cobiçado prêmio de 25 mil dólares.

Ele foi, certamente, um dos primeiros – e não poucos – americanos a fazer fortuna com a Rota 66. Com o aquecimento da economia nos anos 30, muitos empreendedores começaram a instalar pequenos negócios ao longo da estrada. Gente como Beatrice Boyd, que instalou um posto de gasolina em Peach Springs, no Arizona, e viu a rodovia se transformar numa grande rua de cidade, onde no verão, “ping, ping, ping, vinha um carro atrás do outro“.

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Já nessa época, estima-se que os negócios na beira da Rota 66 movimentavam mais de 3 bilhões de dólares por ano. E eles não pararam de crescer até que a Segunda Grande Guerra interrompeu o fluxo de veículos civis. Foi a vez dos blindados ocuparem o lugar dos automóveis e dos hotéis se transformarem em pousadas para soldados a caminho dos fronts europeus e asiáticos.

A época de ouro da Rota 66 começou logo depois da guerra. Promovida a principal potência econômica do mundo, a nação americana começou a colher os frutos da vitória. Os milhares de imigrantes chegados da Europa em ruínas buscaram novos negócios e grande parte deles foi parar na Rota 66. Com o advento das férias pagas, os americanos e suas máquinas potentes invadiram a rodovia rumo ao Grand Canyon e a outras atrações do Oeste. Em consequência, os donos de hotéis, motéis e restaurantes começaram a competir pela clientela, desenvolvendo a espalhafatosa comunicação visual e os monumentos kitsch, que davam um ar tipicamente americano à rodovia.

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Chamada uma vez de “espinha dorsal dos Estados Unidos” pelo produtor Sterling Silliphant, responsável pela série de televisão Rota 66 – mundialmente difundida nos anos 60 -, a estrada, entretanto, desenvolveu uma reputação paralela pouco lisonjeira. Estreita, antiquada para o volume e a velocidade dos novos carros, ela se tornou, também, a Bloody 66, a rodovia sangrenta.

Milhares de motoristas perdiam suas vidas todos os anos em lugares como Devil’s Elbow (O Cotovelo do Diabo), uma curva assassina no estado de Missouri. Em 1956, por decisão do presidente Dwight Eisenhower, foi criado o Federal Aid Highway Act, um plano para a construção de 22 000 km de rodovias modernas nos Estados Unidos.

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Esse plano levou quase 30 anos para ser totalmente implementado, mas, desde o seu anúncio, provocou a decadência da Rota 66. Ninguém mais queria investir em nada, enquanto não se conhecesse o trajeto das novas interstates. Foi um período amargo para milhares de cidades que só existiam em função da grande rodovia. Lugares como Stalora, uma cidade de 3 mil no Novo México, que, entretanto, possuía 63 postos de serviço, 20 motéis e 20 restaurantes. A construção das novas rodovias mais modernas se desviou das 217 cidades localizadas às margens da Rota 66.

Route 66: A estrada sem destino

Mas se a América sobreviveu como um todo à agonia de seu principal caminho, inúmeras pequenas cidades foram impiedosamente imoladas com a extinção da Rota. Muitas delas já nem existem: foram atropeladas pelo progresso. Outras, por descaso, continuam onde estavam. Elas estão mortas, ninguém vive ou trabalha em suas construções. Mais é delas que emana, paradoxalmente, a energia da Rota 66.

São hotéis com fachadas descoloridas, bares com néons apagados, lojas com vitrines vazias e barbeiros onde paira a imagem de cowboys vaidosos aparando seus bigodes. Nos espaços onde existiram estacionamentos, ainda resistem carros enferrujados, que parecem esculturas de uma era de desperdício e riqueza na qual sair de um bar e esquecer o próprio carro no pátio parece ter sido um fato comum.

Route 66: A estrada sem destino

Locais conhecidos e atrações pela Rota 66

Yacht Harbor Pier, Santa Monica, Califórnia – O início da Rota 66
Yacht Harbor Pier, Santa Monica, Califórnia – O início da Rota 66
Bagdad Café – N. Springs, Califórnia
Bagdad Café – N. Springs, Califórnia
Roy’s Café – Amboy, Califórnia
Roy’s Café – Amboy, Califórnia
Wigwam Motel – Holbrook, Arizona
Wigwam Motel – Holbrook, Arizona
The Rusty Bolt, – Seligman, Arizona
The Rusty Bolt, – Seligman, Arizona
Yellowhorse Trading Post – Arizona
Yellowhorse Trading Post – Arizona
Trading Post – San Fidel, Novo México
Trading Post – San Fidel, Novo México
Blue Swallow – Tucumcari, Novo México
Blue Swallow – Tucumcari, Novo México
Brownlee Diner – Glenrio, Novo México
Brownlee Diner – Glenrio, Novo México
Cadillac Ranch – Amarillo, Texas
Cadillac Ranch – Amarillo, Texas
U-Drop-Inn – Shamrock, Texas
U-Drop-Inn – Shamrock, Texas
The Big Texan
The Big Texan
Blue Whale – Catoosa, Oklaroma
Blue Whale – Catoosa, Oklaroma
Round Barn – Arcadia, Oklaroma
Round Barn – Arcadia, Oklaroma
Rainbow Bridge – Riverton, Kansas
Rainbow Bridge – Riverton, Kansas
4 Women on the Route – Galena, Kansas
4 Women on the Route – Galena, Kansas
Munger Moss Motel – Lebanon, Missouri
Munger Moss Motel – Lebanon, Missouri
66 Drive-In Theatre – Carthage, Missouri
66 Drive-In Theatre – Carthage, Missouri
Gemini Giant – Wilmington, Illinois
Gemini Giant – Wilmington, Illinois

Artigo publicado originalmente em novembro de 2015

Fonte: Revista Terra

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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