As Sheela na gigs são esculturas figurativas em pedra que representam mulheres nuas, frequentemente retratadas com pernas abertas e em uma pose de cócoras, exibindo de forma exagerada a vulva. Essas esculturas datam da Idade Média e são encontradas principalmente em igrejas, castelos e diversas edificações, sobretudo na Irlanda e na Grã-Bretanha. Frequentemente, são acompanhadas por figuras masculinas.
A Irlanda abriga o maior número conhecido de Sheela na Gigs. No livro “The Sheela-na-Gigs of Ireland and Britain: The Divine Hag of the Christian Celts – An Illustrated Guide” (As Sheela-na-Gigs da Irlanda e da Grã-Bretanha: A Divina Bruxa dos Celtas Cristãos – Um Guia Ilustrado), Jack Roberts e Joanne McMahon mencionam 101 exemplares na Irlanda e apenas 45 na Grã-Bretanha. No entanto, essas esculturas podem ser encontradas por toda a Europa ocidental e central.
Um dos exemplos mais bem preservados está na Round Tower em Rattoo, no Condado de Kerry, na Irlanda. Outra escultura conhecida pode ser vista em Kilpeck, em Herefordshire, na Inglaterra.
Essas esculturas são fascinantes por estarem principalmente em construções religiosas medievais, como igrejas e áreas monásticas. Estudiosos sugerem que esses entalhes serviam como proteção contra a morte e influências malignas. Similarmente, outras figuras grotescas, como gárgulas, são encontradas em igrejas por toda a Europa, sendo acreditado que sua presença afaste os espíritos malignos. Elas são frequentemente posicionadas sobre portas e janelas, agindo como guardiãs para proteger a entrada do edifício contra forças negativas.
Plutarco, o filósofo grego do século I, afirmava que os homens viam a vagina feminina como uma espécie de salvação, uma solução para muitos dos seus problemas, não se limitando apenas aos aspectos sexuais. Naquele tempo, alguns homens acreditavam, ou pelo menos assim pensavam, que podiam resolver certas situações expondo a genitália feminina.
Eles tinham a crença de que essa estratégia peculiar lhes garantia boa sorte, além do poder de afastar demônios, repelir perigos iminentes ou até mesmo fazer com que leões e ursos recuassem sem atacá-los.
Em Rodel na Escócia | Crédito da foto
Essa crença perdurava na convicção de que diante de uma vagina exposta, os homens se tornavam melhores guerreiros, melhores em sua condição masculina. Acreditava-se, enfim, que em face de qualquer adversidade, levantar as vestes de uma mulher era a solução mais eficaz. Esse gesto concedia-lhes uma sensação de poder e segurança.
Essa superstição foi transmitida de geração em geração e persistiu em algumas culturas até o século XVIII. Em diversas situações, a exposição da vagina era interpretada como algo auspicioso. É nesse contexto que se acredita estarem enraizadas algumas das muitas teorias que cercam as Sheela na gigs.
Quando essas esculturas capturaram pela primeira vez a atenção da comunidade científica séculos atrás, foram amplamente consideradas vulgares, repulsivas e desprovidas de qualquer valor para um estudo mais aprofundado. Os clérigos, constrangidos, ordenaram a remoção de muitas delas das paredes das igrejas.
Os arqueólogos inicialmente as negligenciaram, e os museus as relegaram a caixas, mantendo-as longe do público. Somente nas últimas décadas é que acadêmicos começaram a se interessar e a analisar essas esculturas incomuns. Ao longo do tempo, a maioria das Sheela na gigs foi destruída por puritanos que as consideravam obscenas e indecentes.
É verdade, as Sheela na gigs continuam a envolver mistério em relação à sua origem e significado. Apesar de sugerirem uma natureza erótica, é provável que sejam símbolos pagãos de fertilidade ou advertências contra a luxúria. Na arte românica do período medieval, a luxúria era frequentemente representada por uma mulher nua com cobras e sapos devorando seus seios e órgãos genitais. Este tipo de representação visual é um indício do contexto simbólico que cercava a visão da sexualidade naquela época e naquelas culturas.
Sim, é possível que as esculturas exibicionistas presentes nos edifícios das igrejas ao longo das rotas de peregrinação tenham influenciado ou mesmo dado origem às Sheela na gigs. A representação dessas figuras, tanto masculinas quanto femininas, com ênfase na genitália de maneira desproporcional, servia como um alerta contra os perigos do pecado da luxúria. Essa tradição de utilizar essas esculturas como um aviso visual contra a tentação sexual pode ter contribuído para a criação ou inspiração das Sheela na gigs que vemos hoje.
A perspectiva de Anthony Weir e James Jerman sugere que as Sheelas foram esculpidas pela primeira vez no século XI, na França e na Espanha, e posteriormente foram levadas para instalação na Grã-Bretanha e Irlanda por volta do século XII.
Eamonn Kelly, conservador de antiguidades irlandesas do Museu Nacional da Irlanda em Dublin, detalha em seu livro “Sheela-na-gigs: origins and functions” a distribuição das Sheelas na Irlanda para apoiar a teoria de Weir e Jerman: a maioria das Sheelas preservadas in situ estão em regiões conquistadas pelos anglonormandos no século XII, enquanto apenas algumas estão presentes em áreas que permaneceram predominantemente “irlandesas nativas”. Essa diferenciação geográfica sugere uma possível correlação entre a distribuição das Sheelas e os movimentos de conquista e influência cultural na época.
Sim, o argumento de Weir e Jerman, expresso em “Images of Lust”, é que a localização das Sheelas nas igrejas e sua representação grotesca sugerem que foram usadas para retratar a luxúria feminina como algo terrível e corrompedor. A expressão de algumas dessas esculturas é descrita como assustadora, apresentando deformações faciais ou um sorriso que pode ser interpretado como perturbador, gerando uma sensação desconfortável para quem as observa. Esse tipo de representação contribui para a ideia de que as Sheelas podem ter sido utilizadas como um aviso visual contra os perigos da tentação e da luxúria.
Sim, a origem do nome “sheela na gigs” também é um enigma. De acordo com Jørgen Andersen, cujo livro “The Witch on the Wall” (A Bruxa na Parede), publicado em 1977, foi uma das primeiras obras sérias a tratar dessas esculturas, o nome pode derivar da frase irlandesa “Sighle na gCíoch”, que se traduz como “a velha bruxa dos seios”, ou “Síla-na Giob”, que pode significar “velha agachada”. Essas interpretações linguísticas oferecem algumas pistas sobre a possível origem do termo utilizado para descrever essas figuras enigmáticas.
Há dúvidas em relação à conexão do nome “sheela na gigs” com a representação dos seios, já que poucas esculturas dessas figuras mostram explicitamente essa característica. Barbara Freitag, acadêmica e autora do livro “Sheela na gig – esclarecendo um enigma”, aponta para outras possíveis referências que poderiam explicar a etimologia do nome. Entre elas estão um navio da Marinha Britânica chamado “Sheela na gig” e uma dança homônima que existiu por volta de 1700.
Freitag também descobriu que “gig” era uma gíria do norte da Inglaterra para os órgãos genitais femininos. Apesar dessas referências, os principais pesquisadores não aceitam que o nome tenha surgido de forma arbitrária. Essa diversidade de interpretações e descobertas evidencia a complexidade em determinar a origem exata do termo utilizado para descrever essas esculturas enigmáticas.
Essas esculturas oferecem vislumbres intrigantes sobre como a sexualidade feminina foi percebida e tratada em diferentes culturas ao longo do tempo. Elas representam uma dualidade de interpretações: por um lado, consideradas como símbolos de sorte e poder, conferindo às mulheres controle sobre forças; por outro lado, vistas como uma praga, refletindo uma sociedade que reprimia os desejos femininos e condenava quem os expressasse.
Independentemente da interpretação, as Sheela na gigs são um testemunho do fato de que a sexualidade feminina, ao longo da história, raramente foi considerada como algo natural ou aceito sem questionamentos. Sempre houve a necessidade de justificar sua existência e suas implicações, sejam elas vistas como positivas ou negativas, revelando as complexidades e contradições nas percepções culturais da feminilidade e da sexualidade.
Artigo publicado originalmente em novembro de 2017
[…] figura feminina nua, conhecida como Sheela na Gig, adiciona um elemento intrigante ao simbolismo religioso. Buracos próximos às esculturas sugerem […]