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Colorado Springs, cidade construída contra a tuberculose

Uma das principais causas de morte na Europa e nos Estados Unidos durante o século 19 foi a tuberculose, uma doença que atormenta os seres humanos desde os tempos antigos. Cientistas afirmam que a enfermidade existe desde os tempos pré-históricos e encontraram vestígios em múmias do antigo Egito (3.000 a.C.), Índia e China.

A tuberculose é causada pelo bacilo de Koch, uma bactéria que cientificamente é chamada de Mycobacterium tuberculosis, e que ataca principalmente os pulmões, causando tosse crônica, febre alta e perda de peso significativo. Uma pessoa que sofre de tuberculose praticamente se esgota, e por isso que é chamada de “peste branca ou morte branca“, ou pelos americanos como “consumption” (consumo).

Colorado Springs, cidade construída contra a tuberculose
“La Miseria”, de Cristóbal Rojas (1886). Rojas sofria de tuberculose quando ele pintou isso, retratando os sofrimentos da doença debilitante.

A tuberculose era uma doença incurável, antes dos antibióticos. No passado, o único tratamento que os médicos poderiam recomendar era ir às montanhas, onde acreditava-se que o ar seco e fresco ajudava a extrair a umidade dos pulmões e aliviar o sofrimento. Pacientes com tuberculose afluíam a climas áridos procurando curas e, se não, pelo menos por uma morte mais anema.

O pressuposto era que, embora a doença certamente destruísse o corpo, a mente se tornou afiada e a imaginação mais vivida. Essa noção surgiu do fato de tantas figuras literárias sucumbiram à doença, incluindo Samuel Johnson, Edgar Allan Poe, as irmãs Brontë, Elizabeth Barrett Browning, Robert Louis Stevenson e John Keats.

Colorado Springs, cidade construída contra a tuberculose
Um cartão postal de 1910 mostra o sanatório Modern Woodmen of America em Colorado Springs, Colorado. Foto: Museu dos Pioneiros de Colorado Springs.

Houve uma época que a doença era tão sedutora que o próprio poeta Lord Byron admitiu um dia: “Eu gostaria de morrer de consumption“. A romancista Amantine Lucile Aurore Dupin, mais conhecida por seu pseudônimo George Sand, comentou sobre seu amante, o compositor Frédéric Chopin, que morreu da doença “que tosse com infinita graça“.

Em suas memórias, Alexandre Dumas, que chamava a tuberculose de “doença do amor” escreveu em louvor à tuberculose: “…a moda era sofrer pelos pulmões, todo mundo sofria disso, principalmente poetas; era uma boa forma de cuspir sangue após cada emoção, também era muito sensacional morrer antes dos trinta anos…

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Cabanas de tuberculose no sanatório Modern Woodmen of America. Foto: Museu dos Pioneiros de Colorado Springs.

Mesmo quando os poetas romantizavam sobre a tuberculose, surgiram sanatórios (instalações hospitalares) por todo o estado do Colorado, chamado na época o sanatório do mundo, Arizona, Novo México, Texas Ocidental, Califórnia e outras regiões desérticas e secas, porque a demanda para se curar era igualmente grande. A cidade que mais se beneficiou dessa “corrida à tuberculose“, foi Colorado Springs.

Essa cidade foi fundada em 1871 e está localizada nas Altas Planícies, a leste das Montanhas Rochosas. A cidade desfruta de invernos secos e confortáveis, com verões quentes e ensolarados. Colorado Springs possui sol abundante o ano todo, com média de mais de 250 dias ensolarados por ano. Era o local perfeito para se curar de tuberculose.

Colorado Springs, cidade construída contra a tuberculose
Os pacientes posam para uma foto no sanatório de tuberculose de Colorado Springs. Foto: Museu dos Pioneiros de Colorado Springs.

Capitalizando o clima favorável da cidade, os fundadores de Colorado Springs começaram a promover sua cidade como o principal destino de saúde para o tratamento da tuberculose e outros problemas respiratórios. “Nenhuma outra localidade no mundo conhecido tem um clima igual ao de Colorado Springs“, proclamou um resort da região. “Nosso ar é puro e estimulante e totalmente livre de todas as influências da malária. As pessoas que sofrem de tuberculose crônica provavelmente viverão mais e com mais conforto se residirem no Colorado“.

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Duas cabanas de tuberculose preservadas em Colorado Springs. | Crédito da foto

Dezenas de milhares de pessoas iam a Colorado Springs todos os anos atraídas pelos tratamento da tuberculose. Uma vez que se cadastravam num sanatório, os pacientes eram submetidos a uma série de tratamentos bizarros, como alimentação forçada para ganhar peso, repouso obrigatório, sendo amarrados em camas, hipnotismo, banho de sol e sono ao ar livre. A rotina era torturante.

Os sanatórios em Colorado Springs adotaram uma abordagem européia de tratamento da tuberculose. As pessoas comiam o dobro do que normalmente comeriam. Uma dieta típica consistia em três grandes refeições suplementadas por ovos crus e vários copos de leite ao longo do dia. Alguns pacientes receberam laxantes para manter toda a comida em movimento. A ideia era reconstruir os corpos frágeis dos pacientes destruídos pela doença. Não era incomum para aqueles que passavam longos meses nos sanatórios ganharem 10 a 20 quilos.

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Crédito da foto

O ar fresco era considerado o mais vital dos tratamentos e, para esse fim, quase todos os sanatórios tinham cabanas de dormir bem ventiladas, construídas em forma de tendas. Projetadas pelo dr. Charles Fox Gardiner, essas cabanas de tuberculose se tornaram uma visão familiar de toda a região.

O Sanatório Modern Woodmen of America, localizado a noroeste da cidade, possuía quase 250 dessas cabanas octogonais de madeira ordenadamente em fileiras arrumadas. Depois que o sanatório foi fechado em 1947, centenas dessas cabanas foram vendidas para moradores e empresas locais. Dezenas delas ainda continuam em pé. Agora funcionando como barrações de ferramentas, estúdios de artistas, casas de espetáculos e até pontos de ônibus.

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Cabanas de tuberculose no Nordach Sanatorium em Austin Bluffs, Colorado. | Crédito da foto

Seja o clima rejuvenescedor de Colorado Springs ou qualquer outra coisa, muitos pacientes com tuberculose realmente se recuperaram. Muitos deles compraram imóveis e ficaram pela região. O empresário JJ Hagerman veio a para a região em 1884 em busca de cura. Ele rapidamente se envolveu nos negócios locais, montando um escritório e investindo no Primeiro Banco Nacional. Ele também acabou construindo a ferrovia Colorado Midland.

A romancista Helen Hunt Jackson também passou algum tempo em um sanatório em Colorado Springs. Lá, ela conheceu um banqueiro rico e se casou, adotando o nome Jackson de seu marido, sob o qual ela era mais conhecida por seus escritos posteriores. O artista Artus Van Briggle estava lutando contra a tuberculose, quando chegou a Colorado Springs e fez uma recuperação milagrosa. Mais tarde, ele abriu a Van Briggle Pottery, que se tornou a mais antiga cerâmica de arte em operação contínua nos Estados Unidos. Os estilos de cerâmica de Artus tiveram um impacto significativo no movimento Art Nouveau.

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Colorado Springs atualmente | Crédito da foto

No seu auge, havia dezessete sanatórios em Colorado Springs, e um em cada três residentes era um paciente com tuberculose. Muitos dos marcos da cidade devem seu legado à indústria da tuberculose. O Hospital Penrose da cidade já foi o Glockner Tuberculosis Sanatorium, e o complexo do Cragmor Sanatorium’s, se tornou o campus da Universidade do Colorado, na cidade de Colorado Springs. “O tratamento da tuberculose foi a nossa indústria. Além das forças armadas, acho que não houve um fator econômico maior em Colorado Springs“, disse o diretor do Museu dos Pioneiros de Colorado Springs, Matt Mayberry, ao jornal The Gazette.

Cynthia Stout, estudiosa em história, afirmou que em 1900, “um terço da população do Colorado era residente no estado por causa da tuberculose“. Durante a Segunda Guerra Mundial, o medicamento Isoniazid (INH) começou a ser usado para tratar efetivamente a tuberculose. Então, os sanatórios começaram a fechar e a cidade passou de um destino médico para um que desenvolveu uma presença militar. 

Fontes: 1 2

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