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Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos

No Wikipédia podemos ler essa definição para golpe de publicidade, ou jogada/truque de publicidade: Um evento ou ato planejado para atrair a atenção do público aos promotores ou as suas causas. Golpes de publicidade podem ser organizados profissionalmente ou montados por amadores.

Nos Estados Unidos em 1613, um canhão real foi usado para apimentar a produção teatral de Henry VIII, de William Shakespeare, fazendo com que o teatro Globe Theatre inteiro se destruísse. Outro caso, foi quando o Departamento de Defesa dos EUA decidiram fazer voar um Boeing 747 sobre a ilha de Manhattan em Nova Iorque para uma sessão de fotos, fazendo com que milhares de nova-iorquinos quase morressem de ataque cardíaco, achando que o fatídico onze de setembro estava se repetindo. Há também malucos que usaram o choque de duas locomotivas para atrair a atenção a uma causa.

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos
As duas locomotivas colocadas uma em frente a outra, antes de colidirem

Entre o final dos anos 1800 e início de 1900, colisões de trens vindos em direções opostas ocorriam frequentemente em feiras rurais pelos Estados Unidos, atraindo milhares de pessoas aos eventos. O maquinista Joseph S. Connolly de Iowa fez carreira entre 1896 e 1932, com o pseudônimo “Head-On Joe“, participando com sucesso em 73 colisões de trens em feiras e eventos por todo o país, especialmente no Centro-Oeste.

Apesar das violentas colisões, seu esquema era tão seguros que em sua carreira de quase quatro décadas, ele nunca se machucou. O mesmo não se pode dizer de William George Crush, agente geral de passageiros da Estrada de Ferro Missouri-Kansas-Texas, conhecida popularmente como “Katy“, devido as suas iniciais “Em-Kay-Tee“.

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos
Passagem de ida e volta ao evento que custava dois dólares

A estrada de ferro “Katy” foi uma das primeiras ferrovias a chegar ao Texas em 1872. Uma vez instalada no estado, começou a espalhar ramificações por todo o lado e adquirindo outras pequenas ferrovias. Em 1886, a ferrovia chegou a Dallas, em 1888 foi a vez de Waco, Houston em 1893 e San Antonio em 1901. À medida que a ferrovia se expandia, na Katy era substituído antigos motores a vapor de trinta toneladas por mais novos e mais potentes motores de sessenta toneladas, e a ferrovia não sabia o que fazer com seus motores sem uso, que começou a acumular em seu pátio.

Em 1896, a Estrada de Ferro Columbus e Hocking Valley, próximo a Cleveland havia encenado um acidente de locomotiva em Lancaster, Ohio fazendo o maior sucesso entre a população. Isso deu a William G. Crush a ideia de um acidente de trem encenado que poderia trazer algum dinheiro com as locomotivas antigas. William acreditava que se Katy pudesse realizar um espetáculo similar, a publicidade que o evento atrairia certamente ajudaria a ferrovia a ganhar uma forte posição na região. Com esse projeto em mente, ele conseguiu a confiança de seus superiores, que lhe deram carta branca para promover o evento.

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Momento do impacto

O local escolhido foi McLennan County, no Texas, a cerca de 24 quilômetros ao norte de Waco, próximo a uma das principais linhas de Katy. Em um pequeno vale formado por três colinas, seis quilômetros de pistas foram instalados, cada extremidade situada em uma pequena colina que ajudaria as locomotivas a adquirirem velocidade, bem como uma arquibancada para os espectadores, palanque para repórteres e dois escritórios telegráficos.

Dois poços foram perfurados para bombear água e uma grande tenda, emprestada do circo Ringling Brothers foi armada para servir comida. Sobre um galpão de madeira construídos para servir de depósito central, uma enorme placa proclamava o local, como a nova cidade chamada “Crush“.

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos
A colisão violenta das duas locomotivas

No dia do evento, 15 de setembro de 1896, cerca de 40.000 pessoas chegaram de todo o Texas em trens especialmente organizados pela linha férrea Katy, pelo preço de dois dólares por uma passagem de ida e volta. Para manter as pessoas entretidas enquanto esperavam pelo evento principal, uma feira foi montada, com estantes de tiro, barracas de limonada, carrinho de charutos e exposições estilo freak show ou show de horrores, onde são expostos pessoas e animais com deformidades, vivas e mortas. Cerca de trezentos policiais tiveram que ser trazidos para manter a ordem do lugar. Com espectadores ainda chegando em trens, o evento que começaria às 16h, acabou sendo atrasado mais uma hora.

Às cinco horas da tarde, os dois trens – cada um compreendendo um obsoleto motor a vapor de 35 toneladas, puxando seis vagões, pintados com propaganda – foram reunidas para tirar fotos. O próprio Crush apareceu diante da multidão montado num cavalo branco e agitando o chapéu como um artista experiente. Quando tudo estava pronto, as duas locomotivas recuaram lentamente para o ponto de partida, em ambas as extremidades da linha.

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos
O acidente de trem em Lancaster, Ohio em julgo de 1896, que inspirou William Crush. Créditop da foto: HF Pierson / Biblioteca do Congresso

Engenheiros da Katy calcularam precisamente o ponto exato da colisão e, enquanto a multidão se reunia para assistir a colisão, a equipe refez todos os testes uma dúzia de vezes, para nada pudesse dar errado. Para evitar que os vagões se quebrassem durante o impacto, os vagões foram acorrentados juntos, em vez dos tradicionais pinos e elos.

William estava preocupado que as caldeiras explodissem com o impacto, mas os engenheiros garantiram a ele que elas foram projetadas para resistir a rupturas, mesmo em um acidente de alta velocidade. William também se preocupou que a multidão fosse mantida a 180 metros do ponto de impacto, com exceção da imprensa, que se posicionou a cerca de oitenta metros, para que fotografias pudessem ser tiradas no momento da colisão.

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos
Milhares de espectadores se dirigiram aos destroços, para conseguir um pedaço de uma das locomotivas para levar com lembrança do evento

Ao sinal de William, as locomotivas começaram a andar e adquirindo velocidade pelo trajeto até atingir o máximo de cada motor. Os maquinistas saltaram fora das locomotivas, em locais seguros. Quanto as duas locomotivas, uma pintada de verde e a outra de vermelho se aproximavam, em menos de dois minutos, encontraram-se no local designado para o violento acidente. Estimou-se que cada trem atingiu a velocidade de 72 quilômetros por hora no momento do impacto.

Um repórter do jornal Dallas Morning News escreveu a seguinte matéria poética do evento:

“O barulho dos dois trens distantes ficava cada vez mais próximos, e a cada segundo fugaz, era como a força crescente de um ciclone. Cada vez mais perto, se escutavam os assobios de cada uma das locomotivas, repetidamente, e os fogos de artifícios que haviam sido colocados na pista explodiam em círculos quase contínuos, como o estrépido dos mosqueteiros. Mas então algo inesperado aconteceu.

Um estrondo, um som de madeiras se quebrando, ferros sendo rasgados, e depois uma chuva de estilhaços…Houve apenas um instante de silêncio, e então, como se controlado por um único impulso, as duas caldeiras explodiram simultaneamente e o ar ficou cheio de mísseis voadores, de ferro e aço variando em tamanho de um selo postal até a metade de uma roda de carroça.

Detritos de metal voadores mataram dois jovens homens e uma mulher. Um fotógrafo oficial perdeu um olho atingido por um parafuso de aço. Seis pessoas ficaram gravemente feridas, enquanto muitas outras sofreram ferimentos causados por estilhaços e queimaduras provocadas pela água escaldante que entrava em erupção nas caldeiras. Apesar do ferimentos e choque, a multidão ainda correu para a frente e pularam sobre os destroços para procurar lembranças do evento.”

William G. Crush foi demitido naquela mesma noite, mas readmitido no dia seguinte. Há rumores de que ele recebeu um bônus por toda a atenção que trouxe para a ferrovia. Ele trabalhou para a empresa por 57 anos até sua aposentadoria.

A estrada Katy resolveu rapidamente vários processos judiciais das famílias das vítimas com dinheiro e passes vitalícios em trens de sua companhia. O fotógrafo ferido Jarvis “Joe” Deane, de Waco recebeu indenização de 10 mil dólares. Embora o incidente resultou em tragédia, a Katy se beneficiou enormemente da atenção que recebeu, incluindo o reconhecimento internacional. A história ficou conhecida como “Crash at Crush

Crash at Crush, a loucura das colisões de trens nos Estados Unidos

Curiosamente, as mortes naquele evento não significou o fim das feiras de colisões de locomotivos como entretenimento. Pelo contrário, apenas começou. Nas três décadas seguintes, mais de cem acidentes foram orquestrados em feiras estaduais por todo os Estados Unidos.

As colisões de trens apelaram para o lado mais primitivo do homem – a emoção de ver algo destruído“, relatou Reisdorff em seu livro sobre o maquinista Joseph Connolly, o destruidor de trens mais eficiente da história. “Hoje em dia, as pessoas vão assistir as corridas de carros de demolição“, continuou ele.

Fonte: 1 2

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