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Dulongs, a vida por um rio

É muito difícil encontrar o Rio Dulong no mapa-múndi. Perdido num canto do sudoeste da China, próximo à fronteira com a Birmânia, ele é um dos vários rios que descem do Tibete rumo ao Oceano Índico. Nascido do degelo das geleiras do Himalaia, o Dulong desliza ao longo da fronteira, entre florestas e montanhas, por 90 quilômetros do território chinês. Na região onde ele corre, as condições de vida fazem lembrar as selvas da Guerra do Vietnã: chove em média 300 dias ao ano, o calor é insuportável, o acesso só é possível por trilhas pouco conhecidas, mosquitos, serpentes e sanguessugas proliferam sem descanso. Nesse ambiente hostil, vive um grupo étnico que estabeleceu um relação quase sagrada com o rio e dele emprestou o nome. Sãos os dulongs.

Os dulongs podem ser considerados um dos povos mais primitivos da Terra. Completamente exilados de qualquer contato com a civilização – apenas a cada dois anos, em média, um emissário do Estado chinês aparece para uma visita -, eles cultivam hábitos de sobrevivência pré-históricos. Falam um dialeto confuso e sequer desenvolveram a escrita. Confeccionam do linho suas próprias roupas. Vivem da agricultura, da caça e da pesca, com métodos e instrumentos rudimentares: plantam batata e trigo por um sistema de queimadas, criam soltos porcos e galinhas, pescam com as mãos e usam bestas para caçar ursos, javalis e, às vezes búfalos.

Quando isso acontece, a família do caçador que matou o búfalo convida as outras da tribo para um grande banquete. Numa demostração de riqueza e poder, os pedaços de carne são repartidos entre todos os dulongs. Apenas os homens, porém, têm o direito de brindar com o”álcool do mesmo coração”, uma espécie de cerveja feita de trigo, que simboliza a intimidade e a amizade, dois dos maiores valores preservados por eles.

O grande motivo para o isolamento total dos dulongs é uma secular e insolúvel fraqueza que eles sentem diante de outros povos tibetanos – é por isso que eles zelam tanto valores como a união entre todos da tribo. No passado, em tempos de guerra, as mulheres dulongs eram raptadas durante à noite pelos tibetanos, algumas eram estupradas e outras, nunca mais retornavam à aldeia. Das guerras surgiu também um dos traços mais marcante da cultura dulong: as tatuagens. Além de ficarem mais feios para amedrontar os inimigos nos combates, as tatuagens funcionam como um sinal de identificação tanto agora como numa outra vida, depois da morte, na qual eles sempre acreditaram. O costume de tatuarem suas mulheres vem desde o final da Dinastia Ming, a cerca de 360 ​​anos atrás e atualmente somente umas 30 mulheres mais idosas podem ainda ser vistas tatuadas.

A forte crença no sobrenatural, aliás, é uma das armas que eles usam para conviver com o “fantasma” da ameaça dos outros tibetanos. Desamparados no meio da floresta, os dulongs confiam num espírito imortal que dirige a natureza e do qual todos eles são subordinados e protegidos. Até mesmo para a caça os homens preparam certos ritos: antes de partir para a floresta, estatuetas de trigo representando imagens sagradas são colocadas sobre um pedestal e viram alvo para seus tiros de bestas. Uma maneira um tanto estranha de honrar os deuses…

Vivendo como na Idade da Pedra, os dulongs nem imaginam o que possa ser televisão, luz elétrica, telefone, automóveis…O que importa? Em paz, isolados pelas florestas e montanhas do sudeste da China, eles têm, como como acreditam, a eternidade – e o Rio Dulong – para cultivar os seus costumes sem as agruras das civilizações modernas.

Rio Dulong – China

Fonte: Revista Terra n° 01

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