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Glastonbury: O rei Artur e a lendária Avalon

Elevando-se acima das planícies de Somerset Levels, o monte The Tor (Glastonbury Tor), em cujo topo se ergue a torre de uma igreja em ruínas, construída em 1360, constitui um marco inigualável de um dos lugares mais misteriosos da Inglaterra. E isto porque Glastonbury, local de uma primitiva povoação cristã, está imersa em abundante riqueza de tradições e lendas, de mito e romance.

Este pequeno e animado povoado com menos de 9.000 habitantes atrai visitantes de todos os gêneros: românticos fascinados pelas lendas do rei Artur, peregrinos à procura da herança da antiga cristandade, místicos em busca do Santo Graal, enquanto os astrólogos são seduzidos pelos rumores da existência de um zodíaco na paisagem.

Glastonbury: O rei Artur e a lendária Avalon
Tudo que restou da Igreja de São Miguel sobre Glastonbury Tor | Crédito da foto

Glastonbury não era mais do que uma ilha rodeada de pântanos quando os primeiros cristãos ali se estabeleceram. A primeira data digna de menção é de cerca de 705 d.C. quando o rei Ine fundou aqui um mosteiro que viria a converter-se numa casa beneditina no século 10. Escavações arqueológicas trouxeram à luz restos de primitivas construções feitas de palha e de barro, enquanto dos muitos edifícios de pedra construídos ao longo dos séculos apenas resta o contorno. Muitos são, no entanto, os restos da abadia principal, construída nos séculos 13 e 14 e que se caracterizava por um universo místico próprio.

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Crédito da foto

Lady Chapel, a abadia do século 12, ergue-se no local de uma antiga igreja destruída por um incêndio em 1184 d.C. Tratava-se da “Igreja Velha” que, segundo a tradição, foi construída por José de Arimatéia, o homem que carregou o corpo de Jesus para o túmulo. A lenda conta que José de Arimatéia emigrou depois para Glastonbury, onde edificou uma igreja.

Outra lenda narra a forma como ele chegou, de barco, até Wearyall Hill e se inclinou sobre o seu cajado em atitude de oração. O cajado teria então criado raízes e dele teria nascido uma árvore conhecida como Pilriteiro ou Espinheiro Branco (Crataegus monogyna Biflora), que ainda hoje floresce na Páscoa e no Natal na abadia, em frente da Igreja de São João.

A árvore original era um centro de peregrinação na Idade Média, mas foi cortada durante a Guerra Civil, por um soldado que teria atirado na árvore ao ter sua visão atrapalhada pela neblina. Uma árvore substituta foi plantada em 1951, para marcar o Festival da Bretanha. No entanto, a árvore teve que ser replantada no ano seguinte, já que a primeira tentativa não deu certo. Outras mudas, simbolizando a original crescem por Glastonbury, incluindo os dos terrenos da Abadia de Glastonbury, da Igreja de St. John e Chalice Well.

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Crédito da foto

O maior mistério de Glastonbury é, sem dúvida, saber se o rei Artur está ou não enterrado na abadia. Apesar dos frades afirmarem ter encontrado os restos mortais do rei e de sua mulher Guinevere em 1190, existem ainda muitas dúvidas quanto à veracidade da história. Descobertas posteriores parecem demonstrar que o corpo terá sido enterrado perto de Bridgend, no sul do País de Gales.

Depois da última batalha de Artur, em Camlann, local que nunca foi identificado, o rei moribundo terá sido levado para a misteriosa ilha de Avalon, que muitos alegam ser Glastonbury, teoria essa devido a que milhares de anos atrás toda a área circundante ao monte ser um pântano. Artur ordenou então a Sir Bedivere que se desfizesse de sua poderosa espada Excalibur, mas, quando aquele cavaleiro a arremessou ao lago, uma mão que saiu da água conseguiu agarrá-la. E isso teria acontecido no charco de Pomparles Bridge, perto de Glastonbury drenado posteriormente.

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Crédito da foto

A sepultura, no chão da abadia, foi descoberta depois de o segredo do local ter sido revelado por um trovador galês ao rei Henrique II. O rei informou então o abade de Glastonbury, e é possível que, após a reconstrução da abadia depois do incêndio em 1184 d.C., os frades se tivessem lançado à procura do túmulo.

A cerca de dois metros de profundidade encontraram uma pedra achatada com uma cruz gravada e a inscrição seguinte: hic iacet sepultus inclitus rex arturius in insula avalonia – “Aqui jaz o famoso rei Artur na ilha de Avalon”. A cerca de 2,7 metros abaixo da pedra encontrava-se um caixão feito de um cepo escavado contendo as ossadas de um homem de 2,4 metros com o crânio danificado, assim como outras, de tamanho inferior, identificadas como sendo de Guinevere, por um punhado de cabelo loiro que estava junto.

Nas lendas celtas, Avalon é considerada a porta de passagem para outro nível de existência, baseada em magia e elevação espiritual. Avalon era chamada pelos povos antigos de “Ynis Vitrin” ou Ilha de Vidro, onde seres mágicos, imortais, vivem a eternidade.O nome Avalon é originário do semi-deus celta Avalloc.

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As ruínas no monte Glastonbury Tor vista por dentro | Crédito da foto

Ralegh Radford, arqueólogo britânico, confirmou, em 1962, que se tinha realmente encontrado um caixão, mas que não havia forma de se saber a quem pertencia. O local assinalado no chão da abadia como sendo o túmulo do rei Artur é de fato o local onde os ossos voltaram a ser enterrados em 1278, num túmulo de mármore preto, à frente do altar. O túmulo original não está assinalado, mas fica a 15 metros da porta de Lady Chapel, voltada ao sul.

O rei Artur está muito ligado a Glastonbury, como revela um conto muito anterior à anunciada descoberta do seu túmulo. Melwas, rei de Somerset, raptou Guinevere e manteve-a prisioneira em Glastonbury. Artur, depois de reunir um grupo de homens, foi com eles até à fortaleza do rei para libertar Guinevere que, segundo pensavam, estaria no monte. O abade, no entanto, conseguiu que as partes chegassem a um acordo antes de a luta começar.

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Artur é considerado por muitos um deus solar, graças à sua espada Excalibur “que reluz como trinta archotes” e por sua personalidade honesta, ética e brilhante. O mundo de Artur é mágico e pagão e, não obstante, considerado uma porta de entrada para a afirmação do cristianismo. Sua Távola Redonda onde todos os cavaleiros sentavam-se em cadeiras iguais e onde não havia lugares especiais, ajudava a consolidar a crença de que todos eram iguais. A bandeira de Camelot era simbolizada pela cruz cristã e tinha a Ave Maria como protetora.

Em 1960, durante as escavações, foram encontradas as ruínas de primitivas construções de madeira no topo dos 150 metros do monte, mas não se conseguiu apurar se tratava do palácio real ou de alguma construção monástica. Quem habitou ali dispunha, no entanto, de boas instalações: entre os achados contam-se fornos para fundição de metal, ossos de animais – de vacas, carneiros e porcos – e peças de cerâmica, sugerindo que se bebia vinho do Mediterrâneo.

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Durante a época medieval, os monges de Glastonbury edificaram no topo do monte uma igreja dedicada a São Miguel Arcanjo, que foi destruída por um terremoto. A torre que se conserva hoje é tudo o que resta de uma outra construída posteriormente em substituição da primitiva. Os monges teriam a intenção de cristianizar o monte pagão.

Segundo a lenda, tratava-se da entrada para Annwn, um reino secreto do submundo, cujo senhor era Gwyn ap Nudd, rei das Fadas. Quando, no século seis, St. Collen visitou o rei Gwyn, entrou por uma passagem secreta e encontrou-se de repente no meio do palácio. Submetido a tentações, espalhou água benta à sua volta: o palácio desapareceu e St. Collen encontrou-se sozinho no monte.

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No sopé do monte existe uma nascente cujo barulho lembra o pulsar do coração. Esta nascente é também chamada Fonte de Sangue, por as suas águas serem daquela cor devido ao óxido de ferro, embora a sua mais famosa designação seja a de Vaso Sagrado, uma vez que a tradição dá como certo ser ali que se esconde o Santo Graal. Esta “taça” lendária, o cálice utilizado por Jesus Cristo na última ceia, teria sido trazido para a Inglaterra por José de Arimatéia, aproximadamente trinta anos após a morte de Jesus Cristo. Dizia-se que o Graal tinha enormes poderes e, depois de ter desaparecido, foi procurado em vão por inúmeros cavaleiros da Távola Redonda.

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Diz a lenda que após a crucificação de Jesus, José de Arimatéia teria se aproximado do corpo e com o cálice, recolhido gotas de sangue e, acredita-se, que quem beber do Santo Cálice, recebe a imortalidade. No ciclo arturiano, o Graal tem um significado mais simbólico. Representa a busca de um sentido interior, da própria recuperação da Fé.

A busca do Graal, ordenada por Arthur, ferido em combate, simboliza a procura da Fé no amor Divino. Na lenda, o cavaleiro sem pecados Percival encontra o cálice, restabelecendo a paz. As lendas de Glastonbury poderão ter um fundo de verdade, mas o fato é que elas envolveram a região numa aura de mistério.

No século 12, o historiador Guilherme de Malmesbury escreveu, referindo-se à Abadia de Glastonbury, que “ela transmitia, desde a sua fundação, qualquer coisa de sagrado e de celestial que se espalhava por toda a região…” Apesar das opiniões discordantes e dos estudos contemporâneos, Glastonbury é ainda, usando as palavras de Malmesbury, um santuário na Terra.

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Ruínas da Abadia de Glastonbury | Crédito da foto
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Wearyall Hill ao fundo e parte da cidade de Glastonbury. Está área costumava ser uma ilha cercada de pântanos, e era conhecida como a Ilha de Avalon, ou Ilha das Maçãs | Crédito da foto
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Pilriteiro Sagrado ou Espinheira Branca vandalizada sobre Wearyall Hill. Acredita-se que José de Arimatéia, enterrou seu cajado e aí nasceu a árvore. Crédito da foto
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Chalice Well ou Poço do Cálice, onde se acredita estar escondido o Santo Graal | Crédito da foto
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Pilriteiro ou Espinheiro Branco (Crataegus monogyna Biflora) | Crédito da foto

Fontes: 1 2 3

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