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Grotta del Cane, a caverna que matava cães

Na região oeste de Nápoles, Itália, encontra-se uma impressionante área vulcânica conhecida como Campos Flégreos, repleta de crateras de vulcões antigos, há muito extintos. Contudo, mesmo abaixo da superfície e especialmente debaixo d’água, a região mantém uma notável atividade vulcânica, evidenciada pelas inúmeras piscinas ferventes de lama e fumarolas, cujas emissões constantes de vapor se elevam à superfície a qualquer hora do dia ou da noite. Essa paisagem deslumbrante e dinâmica é uma prova vívida da natureza vulcânica em ação, proporcionando uma experiência única para os visitantes que exploram essa fascinante área.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Um guia mostra um cão sufocado para dois turistas na Caverna dos Cães, perto de Nápoles

Há séculos atrás, centenas de turistas eram atraídos a Nápoles para testemunhar o famoso vulcão que soterrou as cidades romanas de Pompeia e Herculano sob metros de magma e cinzas. Além disso, faziam questão de visitar Campos Flégreos, onde os guias os conduziam a uma pequena caverna chamada Grotta del Cane ou Gruta dos Cães, proporcionando-lhes uma experiência extremamente peculiar.

A entrada da caverna consiste em uma abertura estreita na encosta de uma colina, conduzindo a um curto corredor de aproximadamente dez metros de comprimento, com uma inclinação descendente que culmina em uma cavidade. Dentro dessa cavidade, uma fumarola libera dióxido de carbono, que, por ser mais pesado que o ar, se acumula no fundo, formando um lago raso com cerca de 30 centímetros de profundidade. Esse lago de dióxido de carbono não representa perigo para as pessoas, uma vez que suas cabeças ficam bem acima do solo, mas para criaturas mais baixas, como cães, as condições do ar dentro da caverna podem ser fatais.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Nesta gravura do Lago Agnano no século 17 e da Gruta do Cana, três homens são vistos levando um cachorro até a gruta para demonstrar o experimento em que gases nocivos emitidos por ela causam asfixia no cão. À esquerda, dois homens locais suspendem um cão asfixiado no lago para revivê-lo.

O dióxido de carbono (CO2) é um componente natural e essencial da atmosfera, desempenhando um papel crucial no ciclo do carbono e no equilíbrio do clima da Terra. Em concentrações normais, é inofensivo para os seres humanos e outros seres vivos que respiram oxigênio.

No entanto, níveis elevados de CO2 podem levar a problemas sérios de saúde e até mesmo à morte. O aumento da concentração de dióxido de carbono no sangue, conhecido como hipercapnia, interfere no equilíbrio ácido-base do corpo, causando uma série de efeitos fisiológicos indesejáveis. Os sintomas iniciais incluem vermelhidão na pele, contrações musculares, pressão arterial elevada e redução da atividade neural.

À medida que a hipercapnia se agrava, os sintomas se tornam mais graves e podem incluir cefaleia intensa, letargia, aumento do débito cardíaco, batimentos cardíacos irregulares, pânico, desorientação, convulsões, perda de consciência e, em casos extremos, levar à morte.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Lago Agnano e Grotta del Cane por Sieur de Rogissart, datado de 1706

No passado, lamentavelmente, havia uma prática inaceitável de demonstrar o fenômeno aos turistas, na qual os guias locais levavam um cachorro para a caverna. O animal era levado até a poça de dióxido de carbono, onde começava a sufocar devido à falta de oxigênio, perdendo rapidamente a consciência.

O cão desmaiado era então retirado da caverna e submergido nas águas frias do lago Agnano, na tentativa de ressuscitá-lo. Essa situação trágica resultou na perda de muitos animais e até mesmo de seres humanos, tudo em busca de uma experiência perturbadora que, infelizmente, era proporcionada apenas para o entretenimento humano.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Uma pintura de Camillo DeVito (1794-1845) mostra um homem arrastando um cão inconsciente para longe de Grotta del Cane.

A caverna em questão foi mencionada já nos tempos romanos, tendo sido descrita por Plínio, o Velho, que faleceu em 79 d.C. durante a erupção do Monte Vesúvio. Acredita-se que, naquela época, a caverna pudesse ter sido usada como banhos termais ou sauna, pois apresentava pedras dispostas como assento e uma claraboia, embora esta última esteja obstruída atualmente. Entretanto, com o aumento da atividade geotérmica na região, a presença de dióxido de carbono tornou-se mais intensa, transformando a caverna em um ambiente mortal.

Cerca de 400 anos atrás, a caverna ganhou uma má reputação e foi descrita como “Mortiferum Spiritum exalans“, sendo apelidada de “Antro di Caronte“. Naqueles tempos, o conhecimento científico ainda não era suficiente para determinar a causa da letalidade da caverna. Foi nessa época que se iniciaram os experimentos com cães, seja para estudos ou, de forma perturbadora, para o simples entretenimento humano. Somente décadas mais tarde, finalmente foi revelado o mistério por trás dos perigos da caverna.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Um esquema transversal de como era a Caverna dos Cães esboçado por Alfred Swaine Taylor, um toxicologista e escritor médico inglês, em 1832

No século 19, o físico Pasquale Panvini decidiu verificar pessoalmente os efeitos do gás na caverna. Curvando-se quase até o chão, ele respirou o ar venenoso por alguns segundos. Inicialmente, ele notou uma coceira, seguida de espirros e, finalmente, uma sensação de exaustão e ansiedade que o levou a desistir do experimento. A caverna rapidamente se tornou a principal atração da região, atraindo pessoas famosas como Johann Wolfgang Von Goethe, Mark Twain e Alexandre Dumas (escritor de “Os Três Mosqueteiros”). Dumas relatou em sua obra “Il Corricolo” de 1843 o que presenciou na caverna:

Agora, nada mais poderia ser feito, o infeliz cão teve que fazer o sacrifício. Ao chegar à porta da caverna, ele tremia em todos os membros: a porta estava amplamente aberta, ele já estava meio morto. Cerca de cinco ou seis maltrapilhos estavam ali na porta, cujos sexos eram difíceis de reconhecer, além do som de seus trapos. Cada um deles segurava um animal nas mãos: um com um sapo, outro com uma cobra e um com um gato. Esses animais seriam submetidos aos desejos de pessoas que não se contentavam apenas com a perda da consciência, mas buscavam a própria morte.

Cães são mais caros. No entanto, um vice-rei (referindo-se a Dom Pedro de Toledo) que sem dúvida tinha dinheiro no bolso, trouxe dois escravos turcos que foram colocados deitados na caverna e viu-os morrer livres. Tudo isso é repugnante e cruel, mas é o costume. Afinal, é verdade que os animais morrem, mas os mestres moram lá, e há tão poucos divertimentos em Nápoles que é preciso tolerá-lo. Eu introduzi a cabeça na gruta e não senti diferença entre o ar que ela continha e o ar externo: mas, recolhendo o ar inferior com as mãos e trazendo-o rapidamente para a minha boca e nariz, senti um cheiro sufocante.”

Na verdade, os gases mortais só mantêm sua ação até cerca de trinta centímetros do solo; mas nessa área, o homem não menos que os animais teriam um espaço de tempo muito curto. O tempo do cão infeliz tinha chegado. O mestre empurrou-o para a caverna sem se opor a qualquer resistência; mas assim que entrou, a energia retornou a ele, que saltou, levantou-se de costas para levantar a cabeça acima do ar maléfico que o rodeava.

Mas tudo foi inútil: logo um tremor convulsivo o dominou, caiu imediatamente sobre as quatro patas, vacilou por um momento, deitou de lado, endureceu seus membros, balançou-os como se estivesse em uma crise de agonia, e de repente permaneceu imóvel. O mestre puxou-o pelo rabo do buraco; ele permaneceu imóvel na areia, a boca aberta e cheia de espuma. Eu acreditei que estivesse morto. Mas ele apenas havia desmaiado: imediatamente o ar externo ressuscitou-o. Ele levantou a cabeça, levantou-se na frente e depois a traseira. O mestre, tendo tirado um pedaço de pão do bolso, mostrou-o ao cão, que pareceu consultar por alguns segundos, dividido entre o medo e a comer o pão, que rapidamente ganhou sua garganta”.

É compreensível que o espetáculo da caverna tenha caído em desuso após o esvaziamento do lago Agnano em 1870. Sem a presença da água, o local perdeu a atração turística que possuía anteriormente. Além disso, pelas razões óbvias de segurança e bem-estar animal, a caverna é agora fechada ao público.

É importante reconhecer que práticas cruéis e insensíveis, como as descritas anteriormente, devem ser abandonadas e substituídas por formas éticas e responsáveis de turismo e entretenimento. A proteção do meio ambiente, o respeito à vida animal e a segurança dos visitantes são valores fundamentais que devem ser levados em consideração em todas as atividades turísticas.

A decisão de fechar a caverna ao público demonstra um avanço em nossa compreensão sobre a importância de preservar a vida e evitar qualquer forma de exploração ou crueldade. Ao olharmos para o passado, podemos aprender com os erros e nos comprometer com um futuro mais consciente e compassivo, garantindo que todas as formas de vida sejam respeitadas e protegidas.

Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Grotta del Cane, a caverna que matava cães
Como a gruta é atualmente | Crédito da foto

Fontes: 1 2

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