Histórias

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte

Numa noite de outubro de 1926, o célebre ilusionista Harry Houdini estava sentado confortavelmente em um sofá no Princess Theatre em Montreal depois de mais uma performance, quando um jovem estudante chamado J. Gordon Whitehead aproximou-se para perguntar se era verdade que Houdini podia suportar pancadas de todo o tipo no estômago, sem sofrer nenhum dano.

Houdini respondeu afirmativamente e aceitou ser golpeado pelo estudante, e apesar do cansaço causado pelos constantes shows, levantou-se para preparar-se para mais uma demonstração. Porém, quando ainda estava se levantando, antes de preparar os músculos abdominais, levou inesperadamente três socos traiçoeiros de Whitehead, que treinava boxe na universidade. O mágico reclamou que o jovem deveria ter aguardado, mas não demonstrou as dores angustiantes que estava sentindo. O que nenhum dos presentes sabia era que Houdini há dias sofria sintomas de uma apendicite, mas não queria interromper seus shows para ir ao médico.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
Harry Houdini e suas inseparáveis correntes e algemas

Aqueles três socos provavelmente romperam o apêndice do ilusionista, e causaram uma peritonite, que é a infecção generalizada do peritônio, membrana que recobre a cavidade abdominal. Como não existiam antibióticos na época, este tipo de infecção geralmente era fatal. Apesar de todo o esforço para fazer os shows da turnê, alguns dias depois Houdini foi internado e faleceu em 31 de Outubro de 1926, aos 52 anos de idade, alguns dias após o fatídico encontro com Whitehead.

Seu último show foi no Teatro Garrick em Detroit, Michigan em 24 de outubro de 1926. Neste dia, Houdini estava com febre de 40º C e já havia suspeita de apendicite, mas para ele, seu público era mais importante. Durante a apresentação do seu número “Chinese Water Torture“, Houdini não saiu em 3 minutos como era esperado de dentro de uma caixa de vidro, cheia de água. Sua esposa e assistente quebraram o vidro, retirando Houdini que estava desacordado. Levado até o Detroit’s Grace Hospital, foi atendido por um jovem residente chamado J. Gordon, mas infelizmente para o mágico foi tarde demais, e Houdini veio a falecer dias depois.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
A única foto de J. Gordon Whitehead (direita) que deu os socos em Houdini,  tirada em 1950 em Montreal. Ele nunca se pronunciou sobre o acidente.

Mais de 2.000 pessoas compareceram ao funeral realizado em Nova Iorque, que reverenciou o húngaro de Budapeste batizado sob o nome de Erik Weisz, nascido em 24 de março de 1874, que para maior identificação com seu público no início da carreira, mudou seu sobrenome para Weiss e dizia ter nascido em Appleton, Wisconsin, nos Estados Unidos. Foi uma morte inesperada para o consagrado ilusionista e escapista que desde muito jovem descobrira sua habilidade para abrir cadeados, que como sua própria mãe contava, já destravava secretamente as trancas dos armários da cozinha para ter acesso às guloseimas.

Muito atlético, Houdini foi trapezista e corredor de cross-country durante a juventude, até que escolheu seguir carreira como mágico. Como era grande admirador do mágico francês Jean Eugene Robert-Houdin, homenageou seu ídolo assumindo o nome artístico de Harry Houdini. Depois de um tempo investindo em truques com cartas em pequenos e pouco rentáveis espetáculos, seguiu o conselho de um amigo, que observou sua habilidade em escapar de algemas, e sugeriu que o agora “Houdini” fizesse shows de escapismo com este apetrecho.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
A direita, o truque da “Lata de Leite” e a esquerda, a “Câmara de Tortura da Água Chinesa”, seu truque mais famoso

Foi neste momento que a carreira de Houdini deslanchou. Seus shows onde escapava de vários tipos de algemas chamaram a atenção, proporcionando uma bem sucedida temporada em feiras nos Estados Unidos, onde conheceu Bess, a mulher que estaria ao seu lado como esposa e assistente de palco durante o resto de sua vida. Logo depois fez uma excursão à Europa, onde já havia sofisticado seus atos, incluindo jaulas, cadeados, baús, correntes e camisa de força, que cada vez impressionavam mais o público.

Em quase todas as cidades que chegava, pedia que os policiais locais o trancassem nas celas da cadeia, para provar sua habilidade de escapismo. Em Moscou, escapou de um vagão de transporte de prisioneiros, cuja única chave ficara na Sibéria, para onde ele teria que viajar caso não conseguisse se libertar. Na cidade alemã de Colônia, processou um policial que declarou que Houdini se libertava dos desafios através de subornos, e ganhou a causa quando abriu o cofre pessoal do juiz.

Com seus shows atraindo cada vez mais público, Houdini sofisticou de formas inimagináveis os truques. Em 1901, criou o truque da “Lata de Leite”, onde era amarrado e trancado dentro de uma grande lata de leite cheia de água. Durante 4 anos ele usou este truque, sofisticando-o a ponto de usar uma lata de leite dentro da outra.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte

Em 1905, foi desafiado na Inglaterra a escapar de um conjunto de algemas especiais que foram feitas por um especialista, que levou sete anos para aperfeiçoá-las. No ato que Houdini sempre dizia ter sido o mais difícil de sua carreira, conseguiu abri-las em 1 hora e dez minutos. Em biografias conta-se que ele não conseguiria abrir aquelas algemas se sua esposa não o tivesse ajudado, passando-lhe a chave que roubara de um dos organizadores minutos antes, através de um beijo de incentivo depois de 1 hora sem nenhum progresso.

Em 1912, Houdini criou o que talvez seja o mais emblemático e famoso truque de escapismo de todos os tempos, conhecido como “A Câmara de Tortura de Água Chinesa“, uma cela de vidro e aço que era cheia de água, onde Houdini era colocado de cabeça para baixo, preso pelos pés. Motivo de fascínio de muitos mágicos, este truque só viria a ser realizado novamente em 1975.

Como toda pessoa que vive permanentemente testando seus limites, Houdini algumas vezes cometeu erros, e o maior deles talvez tenha sido o truque chamado “Enterrado Vivo”, realizado em 1915 na cidade californiana de Santa Ana. Houdini foi colocado algemado em uma sepultura de cerca de 1,80 metros de profundidade, e literalmente enterrado vivo. Depois de alguns minutos uma mão emergiu da terra, e Houdini foi puxado quase inconsciente para fora do local que por pouco não se tornaria sua real sepultura. Depois de recuperado, Houdini declarou que não pensara no peso de quase dois metros de terra sobre seu corpo, que tornaram a fuga quase impossível.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
Cortejo fúnebre de Houdini em Manhattan no dia 04 de novembro de 1926

Enquanto maravilhava as plateias pelo mundo com suas fugas, iniciou uma carreira no cinema, e fez mais de 10 filmes, onde realizava alguns de seus mais conhecidos truques, em histórias com temas sobrenaturais e de suspense. É uma pena que a maior parte dos filmes de Houdini se perderam no tempo, restando pouquíssimos registros. Em 1920, quando a Sociedade Científica Americana ofereceu um prêmio em dinheiro para quem comprovasse habilidades sobrenaturais de comunicação com o além, Houdini foi convocado para compor o “júri” que decidiria a veracidade. Como ilusionista, ele conhecia a maioria das técnicas usadas para ludibriar as multidões, isto lhe permitiu desmascarar alguns candidatos ao prêmio.

Isto lhe rendeu mais fama e alguns inimigos bem famosos, sendo o principal Sir Arthur Conan Doyle, o escritor que criou Sherlock Holmes, que tinha sido um grande admirador e amigo de Houdini, mas por acreditar piamente na comunicação com a “além” através de experiências mediúnicas, ficou tão decepcionado com as revelações de Houdini que escreveu que o mágico era um grande médium que tinha sido contratado para “bloquear” os outros, para que os segredos sobrenaturais que ele conhecia não fossem revelados. Conan Doyle rompeu a amizade com Houdini para sempre.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte

Porém, impressionado com a experiência “mediúnica”, Houdini combinou com sua esposa uma “senha secreta” para contatos sobrenaturais, para que fosse usada caso quisessem conversar desde o “além”. A senha era a frase de uma peça que Bess interpretava quando se conheceram.

O mágico era tão convincente em suas palavras, que na época se acreditou que após a sua morte, Houdini pudesse realmente enviar uma mensagem do além a sua esposa Bess Houdini. Ela realizou por dez anos, a cada Dia das Bruxas uma sessão espírita no telhado do Hotel Knickerbocker, em Hollywood. Mais tarde, ela teria dito: “Dez anos é tempo suficiente para esperar por qualquer homem!

Portanto, se um arrepio frio percorrer sua espinha, e ouvir um sussurro dizendo “Rosabelle believe”, não perca a chance de conversar com o maior ilusionista de todos os tempos…

Houdini foi maçom, e iniciado em 17 de julho de 1923 na Loja Santa Cecília nº 568, em Nova York. E o seu funeral terminou com honras maçônicas, uma cerimônia feita com os maçons presentes, carregada de simbologia.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
“Enterrado Vivo”, um truque que quase custou-lhe a vida

Broken Wand

O “Broken Wand” que significa “varinha quebrada”, ritual que honra mágicos falecidos, realizado pela Sociedade dos Mágicos Americanos acontece todos os anos desde a morte do mágico, no túmulo da família Weisz no Machpelah Cemetery, um cemitério judeu em Glendale, Queens, Nova Iorque.

Originalmente o ritual era realizado no Dia das Bruxas, data da morte de Houdini, mas devido ao grande número de curiosos que acabavam atraindo vândalos, a cerimônia foi transferida para uma data no mês de novembro. O busto de Houdini foi roubado ou destruído quatro vezes entre 1975 e 1993. uma exceção, pois bustos são proibidos em cemitérios judaicos. A cerimônia em si, demora poucos minutos. Um pequeno discurso é dito, e então após um breve silêncio, a varinha é quebrada ao meio.

Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
Houdini: O ilusionista que não conseguiu enganar a morte
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Artigo publicado originalmente em julho de 2015

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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