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Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

A ilha de Migingo no lago Vitória, lago esse conhecido localmente por Nyanza, não parece grande coisa. É uma laje de pedra que não chega a ter meio hectares, repleta de casebres de metal enferrujados, lixo por todos os lados, prostitutas e pescadores de olhar perdido. É essencialmente uma favela cercada pelo maior lago da África, e considerado o maior lago tropical de água doce do mundo. Mesmo sendo uma minúscula ilha, com 2.000 metros quadrados, cerca de metade do tamanho de um campo de futebol, abriga cerca de 400 pessoas, a maioria pescadores e comerciantes de peixes.

O lago é um ecossistema diversificado e complexo, com mais de 400 espécies endêmicas e sua bacia se estende pelos territórios da Tanzânia, Quênia e Uganda, e está localizado numa das regiões mais densamente povoadas do mundo: mais de 30 milhões de pessoas dependem de suas águas.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

No passado, Migingo era apenas de uma grande rocha despontando no meio da água, e ninguém lhe dava muita importância. O desmatamento em torno do lago tinha reduzido a quantidade de chuvas, fazendo o nível da água do lago abaixar. Em 1991, a ilha já era um pequeno pedaço de terra encoberto com mato e infestado de cobras.

Dois pescadores quenianos, Dalmas Tembo e George Kibebe acharam que não gastariam muito combustível em suas pescarias, se vivessem definitivamente nessa pequena ilha. Pouco tempo depois, cerca de sessenta pessoas se juntaram a eles e decidiram fazer daquela ilha, seu lar, depois que descobriram que o lago era cercado de cardumes de Perca do Nilo (Lates niloticus), um peixe muito apreciado, devido a sua carne ser mais rica em gordura, do que a maioria dos peixes da região e muito mais valorizada comercialmente e assim, exportada para diversos países.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

A Perca do Nilo é um peixe originário da Etiópia, e foi introduzida no lago Vitória em 1954, visando reverter o drástico declínio da população de peixes da região, em decorrência da pesca predatória. A Perca adaptou-se perfeitamente ao novo habitat, em detrimento das espécies locais e acabou virando o principal pescado. Em 1977, a pesca da Perca do Nilo representava apenas 1% de toda a safra e em apenas seis anos, pulou para 68%.

A Perca é um predador voraz que se alimenta de outros peixes, podendo atingir dois metros de comprimento e 200 quilos de peso, e contribuiu para o desaparecimento da biodiversidade do lago, com a extinção de mais de 200 espécies nativas de peixes, consequência da depredação e da competição por alimentos. Além disso, os peixes capturados eram secados em fogueiras; o corte de mais árvores deu lugar à posterior erosão; os resíduos decorrentes contribuíram para aumentar os níveis de nutrientes das águas do lago, o que possibilitou uma eutrofização do lago. A invasão de algas reduziu a concentração de oxigênio na água e causou a morte de mais peixes.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

Depois da invasão das percas, veio a ocupação da ilha, com pessoas vindas de toda a região e que transformaram o lugar num posto comercial pesqueiro: Todos os dias, cerca de 150 barcos, saem para pescar, depois o peixe é limpo e secado e transportado para a venda no continente, de onde são exportados para a Europa. A cobiçada Perca do Nilo é o ponto central de uma multimilionária indústria da pesca e vital para a economia dos países em volta do lago e que gerou uma disputa territorial entre Uganda e Quênia, sobre o controle da pequena ilha de Migingo e isso já dura mais de 20 anos.

Tecnicamente, a ilha Migingo pertence ao Quênia e está dentro da fronteira internacional do país definido por documentos oficiais de 1926. Mas em 2009, o governo de Uganda descobriu que 510 metros quadrados da ilha ficavam dentro de sua fronteira e afirmou que a ilha pertence às águas de Uganda e, portanto, era ilegal a pesca para os quenianos.

Essa disputa entre os países sobre o domínio do lago e da ilha, não impediu de que mais e mais pessoas começassem a chegar a pequena ilha e a montar seus barracos. Todo esse interesse na pesca da região e rumores de que havia pescadores ganhando mais de 300 dólares por dia, que era cerca de três ou quatro vezes mais do que qualquer africano da região poderia ganhar ao longo de meses, acabou atraindo hordas de piratas que invadiram o lugar e começaram a roubar os peixes, redes e motores de popa dos pescadores instalados.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

Com isso, em 2009, os pescadores clamaram pela ajuda de seus governos e o governo da Uganda foi o primeiro a se sensibilizar, enviando a polícia marítima, que instalou na ilha um posto policial. Mas em vez da polícia ajudar a população local, ela começou a explorar as pessoas de todos os países que haviam feito suas moradias na pequena ilha. Também foram introduzidos impostos e exigência de autorização para a entrada na ilha. Além disso, barcos e redes de pesca pertencentes a pescadores quenianos eram frequentemente confiscados pelas forças ugandenses.

Apesar das condições miseráveis, Migingo tem treze bares, um salão de beleza, uma farmácia, alguns hotéis e vários bordéis, há também uma igreja e uma mesquita. Em março de 2016, políticos de Uganda e Quênia se reuniram para discutir a soberania da ilha, mas nada foi definido e foi marcada outra reunião para março de 2017. Atualmente a  ilha de Migingo é considerada a mais densamente povoada ilha do mundo. Curiosamente, a Ilha Usingo, há 200 metros à leste da Ilha Migingo, é bem maior e tem apenas uma ou duas famílias morando nela.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

Jesco Denzel, um fotografo alemão passou uma semana em Migingo, depois que leu um artigo sobre a ilha no New York Times, e ficou curioso, sobre o porque ter tanta gente em um pequeno pedaço de terra e relatou que as pessoas de lá ficaram relutantes em conversar com ele, pois os policiais ugandenses eram terríveis, e comentou num site: “Migingo é oficialmente queniano, mas por alguma razão, há um posto policial de Uganda na ilha“.

E continuou: “Tragicamente, a maioria dos pescadores gastam muito de seu dinheiro na ilha em bebidas e sexo. Há dois caras em Migingo que se tornaram realmente rico: Joseph Nsubuga de Uganda e Leonard Obala do Quênia. Ambos costumavam ser pescadores, e estavam entre os primeiros a chegar na ilha. Agora Nsubuga é dono da maioria das casas, e Obala, dono praticamente de todos os barcos“.

A maioria dos pescadores não são realmente treinados ou profissional. Muitos deles estão drogados ou bêbados quando vão pescar no lago. Se o barco virar, é claro, não há nenhum equipamento de segurança. Conheci um jovem rapaz que sobreviveu, porque ele se manteve no barco virado durante dois dias, antes de um outro barco vê-lo por acaso“.

Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

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Migingo, uma pequena ilha lotada no meio de um lago

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Crédito das fotos: Jesco Denzel / Andrew Mclesh

Fontes: 1 2 3

“Verba volant, scripta manent” (As palavras voam, os escritos permanecem)

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Magnus Mundi

Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

2 comentários

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    • Pois é Fernando. Deve ter alguma explicação de a ilha ao lado ser imensa em relação a ilha Migingo, porém continua desabitada. Pesquisei mas não encontrei nenhuma resposta.