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As moradas dos elfos na Islândia

Na cidade de Kopavogur, na Islândia, ao sul da capital, Reykjavik, uma rua de mão dupla numa tranquila área residencial se estreita e se desvia de repente para evitar um morrinho coberto de pedras cobertas de liquens. O desvio parece inexplicável, mas quem mora ali lhe dirá que a razão é simples: naquelas pedras moram elfos.

É assim desde a década de 1970, quando os construtores de ruas foram detidos, aqui, por acidentes e equi­pamentos enguiçados. Os moradores explicaram que os elfos eram respon­sáveis pelos problemas. Os operários persistiram, mas os enguiças conti­nuaram. O caso fez sucesso na im­prensa. Finalmente, os construtores desistiram e contornaram o morrinho.

Os elfos da Islândia
Um rocha de lava entre duas casas em Vesturbraut, uma rua de Hafnarfjordur, onde se acredita residir elfos

Há muitos lugares assim na Islân­dia: casas com paredes tortas, entra­das de garagem afuniladas, ruas que se dividem em duas de repente, tudo para proteger o huldufólk (o “povo oculto” da Islândia). Os elfos islandeses foram menciona­dos pela primeira vez por volta do ano 1000 d.C. em poemas da era viking, mas nos nove séculos e meio seguintes essa ilha remota, que se ergue no norte do Atlântico pouco abaixo do Círculo Polar Ártico, permaneceu isolada do mundo.

Seu povo vivia numa paisagem fantástica: cascatas imensas, fiordes profundos, campos de lava cobertos de capim, geleiras, lagoas glaciais fantasmagóricas, vulcões ativos, gêiseres borbulhantes e penhascos elevados. Essa aura surreal era uma incuba­dora de fenômenos sobrenaturais. As histórias de elfos foram passadas de geração em geração.

Os elfos da Islândia
Na década de 1970, a construção de um bloco de apartamento teve que ser alterado de lugar em Breiðholt, para preservar um pequeno monte que se acredita ser uma vila de elfos

Pouquíssimo mudou na Islândia até a 2ª Guerra Mundial, quando os exérci­tos britânico e americano abriram ba­ses na ilha. A modernização foi rápida, e hoje a Islândia tem 325 mil habitan­tes e é um dos países mais alfabetiza – dos, instruídos e tecnologicamente avançados do mundo. Mesmo assim, a crença em elfos persiste. Pesquisas recentes indicam que 3% dos islande­ses afirmam ter encontrado elfos pes­soalmente; 8% acreditam neles; e 54% não negam que eles existam.

Assim, às vezes as obras de ruas, estradas, fábricas, represas e hospi­tais são modificadas para proteger os elfos ou pelo menos adiadas para que eles tenham tempo de se mudar em paz. Em alguns projetos maiores, especialistas com poderes clarividen­tes são chamados para assegurar que os elfos não sofram nenhum impacto prejudicial.

Os elfos da Islândia
Ao norte na ilha de Hrísey, um proprietário desistiu de mover uma enorme pedra, quando máquinas pesadas quebraram constantemente, tentando tirá-la do lugar.

Quando a economia do país despencou em 2008, um dos setores buscados pelo governo para recupe­rá-la foi o turismo. Embora as mara­vilhas naturais da Islândia fossem a maior atração, o órgão responsável pelo turismo apostou que a crença em elfos também atrairia visitantes.

Na estrada que vai do aeroporto a Reykjavik, começaram a aparecer outdoors promovendo visitas a aldeias de elfos; portinhas para elfos foram pintadas nas pedras; e vendedores ofereciam camisetas dizendo “Fiz sexo com um elfo na Islândia … cinco minutos atrás”. O Elf Garden ou Jardim dos Elfos, um parque de contos de fadas com pedras de lava, foi inau­gurado em Hafnarfjõrõur, uma cida­dezinha ao sul de Reykjavik.

Os elfos da Islândia
Por acreditar que uma pedra e uma pequena área, eram a residência de pequenos elfos, o lugar foi deixado em paz na década de 1970, quando da construção de uma fábrica e estacionamento, na região industrial de Reyjavík, capital do país.

Nem todo mundo aprovou. Bryndís Bjõrgvinsdóttir, folclorista da Acade­mia de Artes da Islândia, achou que era uma ameaça à identidade do país, à parte da memória cultural comum. “Eu não queria que a crença em elfos fosse trivializada‘; explica ela. Anos atrás, ela e a fotógrafa Svala Ragnars passaram a documentar as moradias de elfos em toda a Islândia. Elas já identificaram cerca de 40, mas acreditam que haja mais, muito mais.

Não sei se os elfos existem‘; diz Bryndís. “Mas a crença neles existe. Os elfos representam a natureza em nossa cultura. Quando protegem e respeitam a natureza, os seres hu­manos respeitam os elfos. Seus lares pedras, morros, penhascos – não de­vem ser incomodados!‘ Ela abre o computador e mostra uma série de slides dos achados até agora. Um hospital de Selfossi cance­lou um projeto de expansão quando a tentativa de remover urna pedra pro­vocou problemas de comunicação em todo o hospital. No ano passado, na Ilha de Hrísey, um médico tentou acrescentar um pátio em sua casa, mas o equipamento dava defeito o tempo todo, e ele cancelou o projeto.

Os elfos da Islândia
Em 2014, iniciou-se a construção de uma nova estrada a cidade de Álftanes sobre uma região de lava. Muitos grupos de conservação da natureza fizeram protestos por acreditarem que os elfos estavam sendo perturbados. A construção foi adiante, porém a estrada foi desviada para poupar uma enorme pedra, que se acredita se tratar de uma igreja do “povo oculto” conhecida pelo nome de Ófeigskirja.

Essa fé pode ser considerada urna oposição à industrialização. Quem vê elfos costuma se manifestar junto com os ambientalistas‘; explica ela.
Bryndís pega o carro e vai à sua ci­dade natal, Hafnarfjõrôur, no litoral sudoeste da Islândia. Quando chega­mos lá, ela me mostra que a igreja de Hafnarfjorôur tem urna parede mais curta para contornar uma pedra. Por que há tantas pedras envolvidas? “A Islândia é feita de lava. Não há ani­mais nem árvores grandes. Assim, as pedras maiores chamam mais a aten­ção e se tornam marcos geográficos!‘ Ela avança e, num trecho de estrada nova, franze o nariz, chateada. “Esta estrada passa pelo meio de um dos campos de lava mais bonitos e inte­ressantes da Islândia.”

Os elfos da Islândia
Em Alfholl, a construção de uma estrada foi abandonada em 1930, quando máquinas e brocas quebravam constantemente. Na década de 1980, reapareceram novos planos de nivelar a colina para a construção da estrada, porém máquinas e equipamentos começaram a quebrar novamente e assim os trabalhadores se recusaram a trabalhar na colina e a estrada teve que ser desviada e o lugar agora é protegida de quaisquer novas perturbações.

Foi aqui que os defensores dos el­fos se uniram aos ambientalistas em 2015 para impedir o projeto de uma estrada que cortaria um campo de lava na Península de Álftanes. Os de­fensores garantiam que a obra pertur­baria um rochedo de 30 toneladas que era uma igreja dos elfos. Os ambien­talistas diziam que a obra destruiria um campo de lava com importância cultural, e ficaram na frente das má­quinas para defendê-lo. O governo decidiu, então, trabalhar com uma médium que afirma conversar com elfos; em cooperação com estes seres, o rochedo foi movido para outro local. “É difícil viajar pela Islândia sem ser constantemente lembrado das mudanças rápidas e inesperadas que ocorrem no mundo natural‘; diz Terry Gunnell, professor de folclore da Uni­versidade da Islândia, que estuda os elfos desde que emigrou da Inglaterra, 35 anos atrás.

Os elfos da Islândia
A construção de uma rodovia foram interrompidas após vários acidentes com máquinas e trabalhadores em Tröllaskarð, norte da Islândia em 1978. Um vidente foi contratado para negociar com os elfos. Os planos de dinamitar um monte de rochas tiveram que ser adiados e a estrada teve que ser desviada pela Administração Rodoviária Irlandesa, para não perturbar o sossego dos elfos.

As residências dos islandeses po­dem ser derrubadas por uma força invisível: os terremotos. O vento pode literalmente nos derrubar. A água da torneira tem cheiro de enxofre porque há lava sob os pés. Cinco anos atrás, a erupção de um vulcão atrapalhou todo o tráfego aéreo da Europa. Esta terra está viva‘; continua ele, “e, para muitos islandeses, faz sentido ver a natureza como um ser com persona­lidade. Assim, se um islandês resolve remover uma pedra do jardim para fazer uma piscina e alguém diz que aquela pedra é dos elfos, você acha que ele vai adiante? É claro que não!

Na Universidade de Reykjavik, Hau­kur Ingi Jónasson diz que, na Islândia, os elfos representam a necessidade universal de acreditar que há algo além do mundo físico. Hoje, Jónasson é professor de engenharia, mas estu­dou extensamente os elfos nas pós–graduações em teologia e psicanálise. “Os elfos respeitam o equilíbrio de poder que sempre pendeu claramente a favor da natureza e dos caprichos dos vulcões em erupção, das geleiras em movimento, do chão que treme. Estamos sempre à mercê de algo que não somos nós. É ‘aquilo’. É a natureza. Algo que está do lado de fora. E que não podemos controlar.

Os elfos da Islândia
Ainda se pode ser visto, as marcas de perfuração para a colocação de explosivos numa pedra em Grásteinn, Álftanes feitas no século passado. A história conta que quando os trabalhadores começaram a tentar quebrar a pedra, uma fazenda próxima chamada Eyvindarstaðir incendiou-se inexplicavelmente. As pessoas acreditaram que o incêndio da fazenda era uma aviso e abandonaram a ideia de remover a pedra.
Os elfos da Islândia
A rua Merkurgata, em Hafnarfjörður, nos arredores de Reykjavík teve que ser estreitada, tornando-se uma passagem perigosa para que a pedra fosse deixada em paz, por ser a residência de elfos.
Os elfos da Islândia
Em 2012, um agricultor em Fremstafell ao norte da Islândia tentou retirar com a ajuda de um amigo, uma pedra de suas pastagens, porém a escavadeira quebrou assim que tocou na pedra. Seu amigo sugeriu apenas nivelar o terreno ao redor da pedra, pois tinha ouvido muitas histórias dos elfos e duendes sabotarem locais de trabalhos da Administração Rodoviária Islandesa
Os elfos da Islândia
No jardim da Igreja Nacional da Islãndia em Hafnarfjordur, uma pedra é conhecida como Dvergasteinn. Sempre se acreditou que seres sobrenaturais residiam naquela pedra e por isso ela foi deixada intacta durante a construção da igreja.
Os elfos da Islândia
A estrada através de Tröllaskagi, em Skagafjörður foi levantada e dividida sobre uma colina, mesmo que isso geraria um ponto cego perigoso na estrada. A administração da estrada decidiu por isso, devido a crença que os elfos residiam na colina e iriam proteger as pessoas que passassem ao longo da estrada, se a área fosse deixada em paz.
Os elfos da Islândia
A População constroem pequenas casas em lugares que acreditam residir elfos na Islândia

Os elfos da Islândia

Crédito das fotos: The Guardian

Fonte: Revista Seleções Reader’s nº1612

Artigo publicado originalmente em dezembro de 2016

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

2 comentários

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  • Não estamos sozinhos . O fato é : Se aparecer um alienígena , pode ter certeza que os humanos vão querer caçar principalmente os americanos para exibir como troféu ou fazer experiências , assim como os elfos, fadas, gnomos, sereias,. Todos estes seres acredito que exista, talvez uns reinam em um mundo paralelo, outros aqui mesmo escondidos em cavernas, e porque não deixar de falar das sereias que também acredito existir . Mas que vivem em águas profundas onde nenhum humano consegue chegar. A pergunta: E Deus onde fica nesta história . Deus é o criador de tudo que também criou os anjos os também nunca vi. Tudo eu aprendo que é questão de fé.