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Roda de urina, os exames de urina na Idade Média

Na medicina moderna, as amostras de urina são examinadas rotineiramente em laboratórios para obter informações clínicas sobre um paciente. Esse procedimento, conhecido como exame de urina, se desenvolveu a partir de um processo médico mais antigo chamado de uroscopia.

Um fraco de urina pode dizer muito sobre a dieta e a saúde de uma pessoa. Pode dizer se ela está adequadamente hidratada, ou quão bem estão funcionando seus rins. A urina também pode dizer se a pessoa está sofrendo de icterícia ou se tem elevados níveis de açúcar no sangue. A moderna análise química da urina pode revelar uma ampla gama de aflições. Mesmo séculos atrás, antes que esses testes diagnósticos se tornassem disponíveis, e antes que houvesse microscópios, exames de sangue e raio X, a urina era o único fluído corporal que podia ser analisado com confiabilidade. Era transparente, tinha cor, um cheiro único e podia até ser provado.

Roda de urina, os exames de urina na Idade Média
Crédito da foto: Wellcome Library, Londres

Mais de 3.500 anos atrás, médicos do antigo Egito e da Índia foram capazes de diagnosticar o diabetes em seus pacientes a partir do excesso de açúcar contido na urina. De fato, o diabete foi uma das primeiras doenças a serem descritas.

Um antigo manuscrito egípcio datado de 1.500 a.C descreve a doença como “um grande esvaziamento da urina“, enquanto os médicos indianos na mesma época chamavam a doença de “madhumeha” ou “urina de mel“, observando a peculiar “adstringente, doce, branca e clara da urina e com sabor acentuado“. O gosto da urina de uma pessoa diabética era quase universalmente conhecido, como fica evidente no antigo nome chinês da doença – táng niao bìng, que significa “doença do açúcar na urina

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Roda de urina de 1506 | Crédito da foto: Wellcome Library, Londres

O termo “diabete” foi usado pela primeira vez pelo médico grego Apolônio de Mênfis, no terceiro século a.C., e significa “passar”, referindo-se à tendência de uma paciente diabético em urinar com frequência. O termo mellitus (que significa “adoçado com mel”) foi acrescentado ao diabete pelo médico inglês Thomas Willis em 1674, assim como seus primeiros antecessores, acharam a urina de diabético “maravilhosamente doce como se estivesse imbuído de mel ou açúcar“. Na época esse distúrbio era conhecido como “doença de Willis”.

A uroscopia ou a prática de examinar visualmente a urina de uma paciente, foi incentivada por Hipócrates (460-377 a.C.), que é conhecido como o “pai da medicina”. Os hipocráticos acreditavam que a urina era um produto residual através do qual o corpo tentava se livrar da matéria pecadora causada por doenças. A cor da urina, a transparência, a nebulosidade e outros recursos ofereciam uma janela para o que estava acontecendo dentro do corpo. “Quando as bolhas se depositam na superfície da urina, indicam doença dos rins”, afirmava um dos Aforismos Hipocráticos.

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No texto intitulado Prognósticos, as diferentes cores e consistências da urina são mencionados. Estas duas características da urina de uma pessoa podiam ser usados para fazer um prognóstico sobre o curso da doença. No século 7, o médico bizantino Theophilus escreveu um livro muito popular sobre a uroscopia, detalhando como diagnosticar uma variedade de doenças através da urina.

Cerca de 300 anos depois, o influente médico árabe Isaac Judaeus desenvolveu um fluxograma complicado que, segundo ele, poderia determinar todas as doenças conhecidas, com mais de vinte tons de urina para escolher. O gráfico se tornou um grande sucesso entre os médicos medievais.

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Um médico examinando urina, por Trophime Bigot (1579–1650)

Esses fluxogramas ficaram conhecidos como “The Wheel of Urine” ou roda de urina e tornaram-se uma inclusão padrão em textos médicos durante séculos, especialmente durante a idade média, quando o interesse pela uroscopia atingia o pico. Até então, era amplamente reconhecido que certas doenças alteravam perceptivelmente a cor, o cheiro e o gosto da urina.

Analisar a urina era a melhor maneira de determinar se os quatro humores (sangue, fleuma, biles amarela e preta) de um paciente estavam em equilíbrio. A análise visual da urina tornou-se uma prática médica tão comum que a imagem de um médico segurando um frasco (conhecido como matula) cheio de urina contra a luz tornou-se o símbolo da profissão médica.

Roda de urina, os exames de urina na Idade Média
Roda da urina

Além de doenças, a urina também foi usada para determinar a gravidez. Um texto datado de 1552 explica que a urina de uma mulher grávida era de “cor clara de limão pálido variando para o branco sujo, tendo uma nuvem em sua superfície“. Alguns médicos adicionaram vinho à urina para fins de diagnóstico. Quando o álcool no vinho reagia visivelmente com proteína na urina, o teste era considerado positivo. Como a excreção urinária de proteína aumentava substancialmente durante a gravidez, o teste pode ter realmente funcionado.

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Médico do século 11, Constantine o Africano, examinando a urina dos pacientes na Escola Médica Salernitana

A avaliação sensorial da urina chegou ao fim, no final do século 18 e início do século 19, substituída por análises químicas. Mas alguns médicos teimosamente ainda continuaram com os métodos antigos e ficaram conhecidos como “profetas mijados”. Já nos tempos romanos, a urina era usada com o propósito de adivinhação, uma prática conhecida como uromacia. Um uromante olhava para uma tigela de urina e fazia profecias divinas baseadas em como as bolhas se organizavam ao redor da tigela. Outros viam sinais do céu na cor e sabor da urina.

A análise de urina ainda é uma ferramenta diagnóstica importante, embora os patologistas modernos simplesmente olhem para o microscópio ou misturam vários produtos químicos junto com a urina e observam os resultados. Agitar um frasco de urina e tomar um gole para diagnosticar uma doença é uma arte perdida – uma arte que certamente nenhum médico moderno vai querer experimentar.

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Um guia prático para diagnóstico baseado em urina que pode ser realizado em casa, por volta de 1920
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Fontes: 1 2

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