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St Kilda, o antigo lar do povo pássaro

Situada no Oceano Atlântico, a 64 quilômetros ao noroeste das Hébridas Exteriores, o arquipélago de St Kilda é a parte mais remota das Ilhas Britânicas e é o lar de cerca de um milhão de aves marinhas que chegam às ilhas a cada primavera para procriar. O arquipélago pertence na sua totalidade ao National Trust for Scotland, e cobre uma área terrestre de oito quilômetros quadrado, para um total de 225 quilômetros quadrados, incluindo o ambiente marinho.

Hirta é a maior ilha do grupo, seguida de Soay e Boreray e pequenas outras ilhas. A única povoação que existia em St Kilda localizava-se em Hirta e chamava-se Village Bay. Crê-se que o nome St Kilda derive da palavra norueguesa antiga skildir, que significa “escudos”. Uma marca num mapa antigo teria transformado “Skilda” em “S.kilda”, e assim nasceu um santo. A ilha é cheia de rochedos de granito irregulares e falésias altas, sendo Conachair (430 metros) o ponto mais alto do arquipélago, e o vento é tão forte que as árvores se recusam a crescer.

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Crédito da foto

Por milhares de anos, o arquipélago foi o lar do povo “the bird people” (o povo pássaro). Nesse clima hostil, um extraordinário grupo de homens, mulheres e crianças viveu o que era um estilo de vida de caçador-coletor, até as primeiras décadas do século 20. A vida no arquipélago só foi possível por existir nascentes de água doce, e durante séculos os habitantes da ilha sobreviveram comendo carne e ovos de aves marinhas, peixes capturados perto da costa e o cultivo de cevada, milho, aveia e batatas, que armazenavam para o inverno. Com óleo retirado das aves, eles faziam combustível para lamparinas.

Depois de milhares de anos de isolamento, toda a população da ilha foi evacuada para o continente, devido as constantes perdas das lavouras, falta de comunicação com o continente e a falta de cuidados médicos. A ilha varrida pelo vento não é adequada para a agricultura. Os ilhéus cresceram comendo pequena quantidade de cevada, milho, aveia e batatas, mas os ventos fortes e a água salgada danificavam muitas vezes às colheitas. O mar grosso e imprevisível não deixava os homens saírem de barco, se limitando a pesca na costa e assim, os ilhéus raramente comiam peixes.

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St Kilda é um terreno fértil para muitas espécies importantes de aves marinhas como o Ganso-patola (Morus bassanus), totalizando 24% da população mundial (a maior colônia do mundo) e quase 90% da população europeia do Painho-de-cauda-forcada (Oceanodroma leucorhoa). A pequena ilha de Dun possui a maior colônia de Fulmares (Fulmarus glacialis) das ilhas Britânicas. De acordo com um relatório, cada pessoa em St Kilda comeu 115 fulmares todos os anos. Em 1876, foi dito que os ilhéus consumiram mais de 89.600 papagaios-do-mar. Essa dieta dos ilhéus tinha um preço. Henry Brougham visitou a ilha em 1799 e observou que “o ar está infectado por um fedor quase insuportável – um composto de peixe podre, sujeira de todos os tipos e aves marinhas fedorentas“.

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Petição enviada ao governo da Escócia pedindo ajuda para deixar St Kilda, em 1930

A captura dos pássaros não era fácil, mas os ilhéus tinham dominado a arte da caça às aves. Durante os meses de primavera e verão, os homens escalavam descalços os penhascos íngremes utilizando cordas carcomidas, atrás de gansos jovens (conhecidos como gugas) e outras aves e também ovos nos ninhos. Nada era desperdiçado.  As penas eram usadas para almofadas e roupas de cama, a pele dos gansos era usada para fazer sapatos e o óleo do estômago dos fulmares era usado como combustível. Devido a migração, as aves estavam disponíveis apenas metade do ano. Para evitar morrer de fome, os ilhéus construiam montes de pedra, conhecidos como cleits, onde armazenavam as carcaças dos pássaros. A teoria era que o vento que passasse através das aberturas entre as pedras secaria as aves. Tal técnica já era usada 2.500 anos atrás e tinha mudado pouco ao longo dos milênios.

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Uma das tradições dos antigos moradores de St Kilda, era se reunir toda manhã na rua da vila. Foto de 1886

Mesmo no final do século 19, os ilhéus só podiam se comunicar com o resto do mundo, fazendo uma fogueira no cume de Conachair, o monte mais alto das ilhas, que se o tempo permitisse, era visível nas ilhas de Harris e Uists. Também poderiam usar o “St Kilda mailboat”, uma invenção de John Sands que visitou as ilhas em 1877. Durante sua estadia, um naufrágio deixou nove marinheiros austríacos ilhadas lá e ficariam na ilha por muito tempo, se não pudessem se comunicar com o continente. Jonh Sands anexou uma mensagem num salva vidas recuperado do navio naufragado e jogou-o no mar. Nove dias mais tarde, foi recuperado em Birsay e assim um resgate foi providenciado.

Os ilhéus gostaram da ideia, e esculpem um pedaço de madeira em forma de barco e anexam a ele, uma boia feita com pele de carneiro, onde colocam uma pequena garrafa ou lata contendo uma mensagem. Os St Kilda mailboat são lançados ao mar quando o vento vem do noroeste. Dois terços das engenhocas foram encontrados mais tarde na costa oeste da Escócia ou, menos convenientemente, na Noruega.

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A partir do meio do século 19, a ilha começou a receber turistas e os ilhéus a se aventurem viajando ao exterior. O crescente contato com o mundo exterior deu-lhes consciência de um modo de vida diferente, e suas próprias inadequações na ilha. Os moradores começaram a importar alimentos, combustíveis e materiais de construção, numa tentativa de melhorar as condições de vida na ilha e gradualmente, se tornaram dependentes destes suprimentos.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a presença da Marinha Real na ilha melhorou a comunicação com o continente. E pela primeira vez na história, houve entregas regulares de correspondência e comida. Quando tais serviços foram retirados no final da guerra, o sentimento de isolamento aumentou, levando a mais emigração e uma quebra na economia da ilha. A escassez de alimentos tornou-se mais grave e com mais frequência, bem como, a falta de atendimento médico.

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Grupo de turistas observando uma ilhéu no tear

A última gota veio com a morte de uma jovem que ficou doente de apendicite em janeiro de 1930, e foi levada para o continente para tratamento. Depois desse incidente, uma decisão coletiva foi tomada para deixar a ilha para sempre. Uma petição assinada por vinte insulares foi escrita ao governo pedindo a evacuação.

Afirmaram que a população da ilha estava diminuindo e vários outros homens decidiram partir. Sem eles para cuidar das ovelhas, tecer pano e cuidar das viúvas, “seria impossível ficar na ilha um outro inverno“, escreveram. A petição prosseguiu: “Não pedimos que nos estabeleçamos juntos como uma comunidade separada, mas, enquanto isso, seríamos coletivamente gratos pela ajuda e transferência em outros lugares, onde haveria uma melhor oportunidade de garantir nosso sustento“.

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População evacuando a ilha em 1930

Em 29 de agosto de 1930, os restantes trinta e seis habitantes de St Kilda, composto de treze homens, dez mulheres, oito meninas e cinco meninos  foram evacuados pelo navio HMS “Harebell” e reassentados no continente, junto com 1500 ovelhas. Em 1986, as ilhas tornaram-se o primeiro lugar na Escócia a ser inscrito como Patrimônio Mundial da UNESCO. Somente 24 lugares no planeta foi concedido este status por seu significado natural e cultural. Milhares de turistas visitam a ilha de Hirta hoje para explorar a cidade abandonada.

St Kilda tem sido habitada de forma contínua desde tempos pré-históricos, mas a população diminuiu devido à emigração para os Estados Unidos e Austrália. As doenças também tiveram o seu papel: entre 1830 e 1843 a mortalidade infantil elevou-se a 80% por tétano devido a negligência das parteiras, e um surto de gripe em 1913.

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Crédito da foto

Hoje em dia não existem habitantes permanentes, mas Hirta encontra-se ocupada, principalmente no verão por voluntários que trabalham nas ilhas para restaurar os muitos edifícios em ruínas que os nativos deixaram para trás. Eles compartilham a ilha com uma pequena da base militar (praticamente todos civis) estabelecida em 1957, e por cientistas que investigam a população selvagem de Ovelhas de Soay.

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Ilha de Soay | Crédito da foto
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Fontes: 1 2 3 4

“Tudo o que o homem não conhece não existe para ele. Por isso, o mundo tem para cada um o tamanho que abrange o seu conhecimento”. – Carlos Bernardo González Pecotche

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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