Taylor Camp foi um pequeno assentamento estabelecido na primavera de 1969 no litoral norte da ilha de Kauai, no Havaí. Cobria uma área de 2.8 hectares e em seu auge chegou a ter 120 pessoas. Situado numa baia da praia de Kauai, a pequena aldeia foi o lar de almas inquietas que desejavam escapar da agitação de sua geração, da efervescência política, dos traumas da Guerra do Vietnã, dos assassinatos de John F. Kennedy e Martin Luther King e de toda a convulsão social que passava a sociedade americana.
Jovens vindo de todos os estados americanos se refugiaram no acampamento Taylor, onde construíram e viveram em casas improvisadas de bambu, madeira de demolição, chapas de metal e outros materiais que encontravam disponíveis e de graça, curtiam a praia, surfavam, andavam nus, fumavam maconha, pescavam e criavam seus filhos. O assentamento ficou na história como uma das maiores e mais expressivas das comunidades hippies do mundo.
Os treze primeiros a aportar no Havaí eram estudantes da Universidade Berkeley, na Califórnia, que participaram das manifestações contra a Guerra do Vietnã e estavam fugindo da repreensão policial. “A situação em Berkeley era explosiva. Era pegar em armas ou deixar o lugar. Nós decidimos sair“, conta a educadora Sondra Schaub, uma das primeiras a chegar ao acampamento de “refugiados”. Essas primeiras pessoas simplesmente acamparam em um local da praia e pouco tempo depois todos foram presos, acusados de vadiagem e de acamparem em local proibido.
Quem socorreu o grupo de hippies foi Howard Taylor, irmão mais velho da atriz de Hollywood, Elizabeth Taylor. Howard tentou por anos conseguir uma licença para construir uma casa numa área que tinha a beira mar e ficou irritado quando soube que o governo pretendia desapropriar o terreno para fazer um parque florestal. Howard cedeu a área para os treze estudantes californianos que acabavam de deixar a prisão, depois de noventa dias detidos, os jovens não tinham para onde ir.
“Meu pai e minha mãe pegaram dois carros e foram buscá-los. Foi o início de Taylor Camp“. conta Tommy Taylor, filho de Howard, em depoimento que está no livro Taylor Camp, lançado em 2009, pelo fotógrafo e escrito americano John Wehrheim.
Nos anos setenta, quando o fotógrafo trabalhava para a ONG ambientalista Sierra Club, John foi enviado ao Havaí e escreveu uma série de reportagens chamada “Paraíso Perdido“, e para isso ele viveu na comunidade por um tempo. John também produziu um documentário de mesmo nome dirigido por Robert Stone, em que ex-moradores relembram seus dias no acampamento.
O terreno de Howard se encontrava numa das partes mais belas do Havaí, rodeado por matas e água limpa e o sonho de viver livre finalmente tomava forma. Sem eletricidade ou luxos, as casas foram sendo construídas. John Wehrheim chegou a Kauai em 1971, com 23 anos de idade, carregando apenas uma bolsa, uma prancha de surf e um bongo. Quando chegou ao acampamento foi recebido com uma certa desconfiança. Ele se deparou com uma casa de 75 metros de comprimento, conhecida como “The Big House” e utilizada pelo grupo para festas e reuniões.
Da janela da casa, Debi Green deu-lhe às boas vindas ao estranho e apresentou sua irmã e permitindo que ele tirassem fotos delas, e assim as pessoas começaram a rodear John e pedindo que tirasse suas fotos também. Mais tarde, começou a ser pago com refeições e outros agrados pelas fotos que tirava do pessoal. No lançamento de seu livro, ele relatou que a época que passou no Taylor Camp foi seu “trabalho dos sonhos“.
Para alguns, o acampamento no Havaí foi uma forma de superar os traumas do passado “Quando voltei do Vietnã, eu tinha muitos pesadelos. Encontrei a cura em Taylor Camp“, contou o vetereno de guerra James Mitchell. Para outros, o acampamento ajudou a muitos em suas dificuldades em levar uma vida “normal”.
“Eu poderia ter morrido de alcoolismo ou por causa das drogas. Fugi da polícia de San Diego. Fui presa duas vezes por fumar maconha. Se tivesse ficado no continente, perderia a guarda das minhas filhas“, declarou Suzanne Bollin. Todos tinham o desejo de criar um sociedade alternativa, diferente do encontrado no mundo capitalista. “Estávamos em busca de algo que não era o que as nossas famílias ofereciam. Procurávamos algo diferente e fomos muito sortudos, porque encontramos“, afirma Cherry Hamilton no livro de John Wehrheim.
Ao longo de oito anos, até ser fechado pelo governo do Havaí, outros hippies e surfistas se mudaram para Taylor Camp, atraídos pela ideia de morar em uma comunidade sem hierarquia ou regras, onde era possível consumir livremente maconha, haxixe e LSD, bem como andar sem roupa, se assim o quisesse.
Durante o dia, as pessoas se dedicavam a torneios de vôlei na praia, surf, sessões de ioga, meditação e jogos de carta. “Cada dia era uma nova aventura. Podia se passar o dia à beira do rio ou fazer uma escalada no vale de Kalalau“, conta a professora de artes aposentada Francine Pearson. À noite aconteciam jantares nas casas dos amigos e festas em volta da fogueira. As crianças iam à escola normalmente e ganhavam carona do ônibus escolar da região.
Apesar do ambiente livre e das pessoas sem roupas, Taylor Camp não era um lugar promíscuo como muitos imaginavam. “Andávamos pelados, mas éramos caretas nesse sentido“, diz hoje a corretora de imóveis Debi Green. “Havia casais e relacionamentos como em qualquer comunidade, com a diferença de que as pessoas viviam mais próximas umas das outras“, conta Acacia Siouix Morrison.
Alguns se arrependem de não ter vivido o período mais intensamente. “Eu poderia ter aproveitado mais, vivido de maneira mais selvagem. Infelizmente, não dá para voltar no tempo“, relata David Pearson, um surfista que chegou ao acampamento em 1972 e atualmente é um professor de história aposentado, morador do Havaí.
A chegada cada vez mais de hippies barbudos e cabeludos começou a chamar a atenção dos moradores de Kauai e sendo notícias nos jornais locais. Parte dos nativos começou a se opor à presença dos forasteiros. “Eles pediam carona nas estradas, acampavam em qualquer lugar, dormiam na praia“, afirma Eduardo Malapit, prefeito de Kauai de 1974 a 1982. “Comecei a receber reclamações sobre Taylor Camp. Eles não usavam roupas e estavam plantando maconha em qualquer lugar. Não tinham permissão para construir aquelas casas“, acrescenta.
Nos últimos meses do acampamento, o governo já havia convencido a maioria dos moradores a saírem de lá e seguirem suas vidas, muitos optaram por ficar mesmo no Havaí e seguir uma vida normal. Em 1974, a área do acampamento foi desapropriada pelo Estado para a criação de um parque.
Após três anos de um intensa batalha judicial, os moradores que ainda permaneciam no local foram expulsos. “A polícia e as autoridades de Kauai chegaram ao acampamento e começaram a prender as pessoas e a queimar as casas. Foi horrível“, lembra Francine Pierson. Atualmente não há mais nenhum vestígio de Taylor Camp: tirando um estacionamento, toda a área foi coberta pela floresta.
Crédito das fotos: John Wehrheim
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