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Times Beach, a cidade tóxica americana

A antiga cidade da Times Beach, no Missouri, Estados Unidos, a cerca de 27 km ao sudoeste de St. Louis, foi fundada a partir de uma estranha promoção de um jornal. Em 1925, o extinto jornal “The St. Louis Star-Times” oferecia seis meses de assinatura do jornal por 67,50 dólares (900 dólares atualmente) e junto o assinante, receberia um lote no tamanho de 6 por 30 metros, em uma grande extensão de terras propensa a inundações, ao longo do rio Meramec.

Eram lotes pequenos, e a pessoa precisava de pelo menos dois para construir uma casa, e ao construí-la teria que ser sobre palafitas. O anúncio era de página inteira, e o slogan da promoção dizia “o calor sufocante e o desconforto da cidade são desconhecidos em Times Beach.” A ideia do jornal seria de conquistar empresários, profissionais liberais e pessoas prosperas de St. Louis a terem uma casa em Times Beach para relaxar, passar as férias de verão ou pegar alguns peixes no final de semana.

Times Beach, a cidade tóxica americana
Crédito da foto

Se a promoção foi bem-sucedida, porém, é uma questão de ponto de vista, mas a cidade nunca se tornou o resort de verão que o jornal almejava. A Grande Depressão seguido do racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial, fez as pessoas irem para Times Beach fugindo dos altos custos de vida das cidades grandes, e assim o lugar acabou se tornando uma comunidade de famílias de classe média baixa, e lentamente, a cidade cresceu. As antigas casas sobre palafitas foram substituídas por casas modulares e até mesmo algumas casas de alvenaria. Cerca de 2.000 pessoas viveram na cidade até sua evacuação forçada em 1985.

No início dos anos 1970, a cidade não tinha dinheiro para pavimentar as estradas e enfrentava sérios problemas com a poeira. O vento forte vindo do rio, soprava o pó, sujando as casas, lojas e infernizando as pessoas. Na época, a solução era pulverizar as estradas com óleo usado, que fazia a poeira se aglutinar, tornando-se difícil de ser levada pelo vento. Embora esse método soasse como uma ideia horrível as pessoas atualmente, na época muitas cidades pequenas do interior utilizavam o método, era ruim, mas não catastrófico. Times Beach foi exceção, e acabou se tornando o lugar do mais estranho desastre ambiental do Estados Unidos.

Times Beach, a cidade tóxica americana
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Em 1971, Judy Piatt contratou Russell Martin Bliss para pulverizar óleo usado em sua fazenda de cavalos em Moscow Mills. Ninguém sabia, mas o óleo continha níveis altos de dioxina, e dentro de alguns dias, gatos, cães e pássaros começaram a morrer. Os 62 cavalos da fazenda ficaram doentes e todos sem exceção, morreram após alguns dias. O pior, as duas filhas do fazendeiro também ficaram doentes, tendo dores de cabeça, hemorragias nasais, dor abdominais e diarreia. Médicos e veterinários ficaram perplexos e Piatt suspeitou da pulverização e confrontou Bliss que alegou usar apenas óleo usado de cárter e então contatou as autoridades que não deram muita importância ao problema.

Piatt resolveu ele mesmo investigar a empresa de Bliss e começou a segui-lo e a seus caminhões e descobriu que Bliss tinha sido também contratado para dar fim a resíduos industriais, provenientes de uma fábrica de produtos químicos (Nordeste Pharmaceutical and Chemical Company – NEPACCO) que tinha sido utilizada para produzir o agente laranja, um herbicida usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, para destruir florestas e assim combater os guerrilheiros vietnamita. Mas o agente laranja continham um composto extremamente tóxico conhecido como dioxina, responsável por doenças graves, e até mesmo mortes de dezenas de milhares de vietnamita, na época considerada a toxina mais potente sintetizada pelo homem.

Times Beach, a cidade tóxica americana
Aviso na entrada da cidade em 1985 | Crédito da foto

Muito desse resíduo industrial, Bliss enterrou em tambores, outros ele espalhou em sua fazenda e uma grande parte ele misturou no óleo usado, antes de vende-lo como supressores de poeira nos estados de Missouri e Illinois e assim durante quatro anos, entre 1972 e 1976, Bliss foi contratado para pulverizar as estradas de Times Beach e eliminar o problema da poeira.

Em 1982, a Environmental Protection Agency (EPA) realizou testes em algumas amostras de terra, descobrindo que a quantidade de dioxina era 100 vezes maior do que era considerado seguro para seres humanos. E para piorar, em dezembro de 1982, uma inundação do rio Meramec, espalhou ainda mais a contaminação do solo pela cidade e outras áreas. Com as doenças e mortes de animais o pânico se espalhou e a pressão sobre o governo aumentou e em 1983, o presidente Ronald Reagan formou uma força tarefa para estudar os efeitos da dioxina e liberou 32 milhões de dólares para a cidade.

Times Beach, a cidade tóxica americana
Área pantanosa no Route 66 State Park, anteriormente era a cidade de Times Beach | Crédito da foto

Dois anos mais tarde, em 1985, toda a população de mais de 2.000 moradores foram evacuados, com a exceção de um casal de idosos que se recusou a sair. O lugar inteiro foi colocado em quarentena. Mas, mesmo tendo que se mudar, a preocupação das pessoas com o efeito a longo prazo da toxina continuava e pior, com a ampla cobertura do caso pela impressa, os antigos moradores de Times Beach foram rejeitados pela população dos lugares que eles foram realocados, que temiam a contaminação.

Milhares de processos foram abertos contra Bliss, NEPACCO e seus subcontratados. Embora a prática de Bliss foram questionados, ele nunca foi implicado ou condenado por qualquer crime. Quanto às ações judiciais envolvendo as empresas químicas, não havia leis em vigor que regulamentavam a eliminação de resíduos perigosos na época. Durante anos após a evacuação, o lugar ficou vazio atrás de barricadas que protegiam o público curioso da ameaça tóxica, enquanto o Governo Federal decidia o que fazer.

Times Beach, a cidade tóxica americana
Trilha onde anteriormente ficava a cidade de Times Beach | Crédito da foto

Durante os anos de 1996 e 1997, o governo retirou 265.000 toneladas de solo contaminado e detritos de Times Beach e outros 28 locais de Missouri a um custo de 110 milhões de dólares. Um incinerador foi construído em Time Beach, pela NEPACCO e o solo incinerado. Em 1997, o incinerador foi desmontado e o lugar entregue ao Estado de Missouri. Apesar da toxina dioxina ser ligada a câncer, doenças de pele, doenças imunológicas e defeitos de nascença, o efeito a longo prazo sobre os moradores expostos ainda é desconhecida.

Com a garantia da EPA de que o lugar era seguro, o governo do estado começou a fazer planos para o local, e como a histórica rota 66 passava pela cidade, a ideia de um parque começou a tomar forma, e assim em 1999, foi inaugurado o parque Route 66 State Park, que inclui um pedaço da Rota 66, a ponte sobre o rio Meramec e um museu sobre a estrada histórica, que foi instalado numa antiga pousada, a única edificação de Times Beach que ainda está de pé.

Times Beach, a cidade tóxica americana
Vista aérea tirada em 1939 | Crédito da foto
Times Beach, a cidade tóxica americana
Crédito da foto

Times Beach, a cidade tóxica americana

Times Beach, a cidade tóxica americana
Russell Martin Bliss, acabou não sendo preso pela contaminação, mas virou motivo de piadas em adesivo
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Ponte que cruza o rio Meramac e faz parte da rota 66 e acesso a cidade de Times Beach

Fontes: 1 2 3

“Verba volant, scripta manent” (As palavras voam, os escritos permanecem)

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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