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Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte

As Torres do Silêncio (também conhecido como Cheela Ghar ou Dakhma) são construções em forma de torre circular que possui usos e simbologias funerárias para os adeptos do zoroastrismo, uma religião fundada na antiga Pérsia pelo profeta Zaratustra, a quem os gregos chamavam de Zoroastro, sendo considerada como a primeira manifestação de uma religião monoteísta. De acordo com teólogos, algumas das suas concepções religiosas, como a crença no paraíso, na ressurreição, no juízo final e na vinda de um Messias, viriam a influenciar o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Zaratustra foi um sacerdote ariano que viveu por volta de 600 a.C. e o zoroastrismo era uma versão reformada da fé ariana, que acentuava o princípio do dualismo – o eterno conflito entre o criador Ahuramazda e o seu adversário Ahriman, entre o bem e o mal, a verdade e a falsidade.

Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio na Índia | Crédito da foto

Os magos, originalmente membros de uma tribo que vivia no Nordeste do Irã, foram sempre encarados, ao longo da Antiguidade, como os sacerdotes privilegiados do zoroastrismo. Os três homens sábios que se diziam terem partido de Saveh, no Irã, para testemunharem o nascimento de Jesus em Belém, eram magos. Desta palavra deriva a palavra “mágico” utilizada outrora para denominar os ritos do zoroastrismo. Mais tarde, quando esta doutrina foi substituída por outras religiões, passou simplesmente a significar “bruxaria”.

O Zoroastrismo acredita que a morte é um triunfo temporário do mal sobre o bem. Correndo dentro de corpo morto (nasu), há uma divindade, um demônio (Natu Daeva) que contamina tudo em que entra em contato, como a carne, cabelo, unha e ossos e que por isso um corpo morto é tão imundo que pode poluir tudo que toca. Então eles criaram um conjunto de regras, a fim de descartar o cadáver da forma mais segura possível. Como os elementos naturais: terra, ar e água são sagrados, os cadáveres não podem ser enterrados ou jogados na água. A cremação também é proibida, porque o fogo é a origem direta da divindade Natu Daeva.

Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio no centro de um floresta em Doongerwadi, com a cidade de Mumbai aos fundos | Crédito da foto

O funeral se inicia com o cadáver sendo lavado com a urina de um touro, feito por pessoas conhecidas como nasellares, algo como “zelador da imundice”. Uma vez “limpo”, o corpo é depositado em uma espécie de altar de pedra iluminado por uma fogueira para ser inspecionado por um “Saglid”. Esse é um cão, que segundo a crença é capaz de farejar a presença de maus espíritos capazes de se alojar nos restos mortais. O Saglid seria capaz de detectar qualquer impureza presente, o que tornaria necessário lavar novamente o corpo até ele estar purificado. O cão é trazido no mínimo cinco vezes ao longo de três dias. Apenas depois disso, o cadáver pode ser levado (à luz do sol) para um dakhma.

Os corpos são então expostos as aves de rapinas e, assim, devorados em um último ato de caridade e seus espíritos poderiam viajar, levados pelos raios do sol. Mais tarde, descarnados e esbranquiçados, os ossos são lançados num poço existente no centro das torres de Silêncio, onde é adicionado cal para permitir que eles se desintegrem gradualmente. A prática de exposição dos mortos ao sol, conhecido como dokhmenashini, foi documentada pela primeira vez em meados do século 5 por Heródoto, mas o uso de torres veio muito mais tarde, no início do século 9.

Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio em Mumbai, Índia

As torres são razoavelmente uniformes na sua construção, tendo um telhado quase plano, com o perímetro a ser ligeiramente maior do que o centro. O teto é dividido em três anéis concêntricos: Os corpos dos homens estão dispostos em torno do anel exterior, as mulheres no segundo círculo, e as crianças no anel central interno. Os fluidos saídos dos corpos são escorridos em canaletas e passam por diversos filtros com carvão e areia, antes de serem eventualmente despejados em lugar especifico, abaixo das torres.

A antiga prática sobreviveu entre os zoroastristas ortodoxos no Irã até que os dakhmas foram declarados uma ameaça à saúde e se tornaram ilegais na década de 1970. Ainda é praticada na Índia, por pessoas conhecidas como ‘parsi‘, que constituem a maior população de zoroastristas no mundo. A urbanização das cidades tem colocado pressão sobre os parsis em continuar com esse estranho ritual e da utilização das dakhmas para a desintegração dos corpos, mas a maior ameaça à dokhmenashini, não vem das autoridades da saúde ou dos protestos de pessoas e ONGs, mas sim da falta de abutres.

Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio em Mumbai, Índia

Os abutres desempenham um papel importante na desintegração dos corpos, porém, a população dessas aves tem diminuído na Índia desde os anos 1990. Cientistas descobriram que uma droga administrada em gado eram fatais para os abutres que se alimentavam dessas carcaças. A droga foi proibida pelo governo indiano, mas a população de abutres ainda está longe de se recuperar. Sem abutres, foram instaladas em algumas Torres do Silêncio, concentradores de raios solares para acelerar a desintegração dos corpos.

Tais concentradores solares têm o efeito colateral de afastar outras aves que se alimentavam dos corpos, como os corvos, devido ao calor extremo nas torres. Eles também não funcionam durante os dias nublados e chuvosos. Assim, um trabalho que levaria apenas algumas horas para um bando de abutres, agora leva semanas. Os corpos em lenta decomposição acabaram trazendo muitos problemas para a área circundante devido ao cheiro exalado pelas torres e muitas tiveram que ser extintas.

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Dakhma em Bilimora, ao norte de Mumbai, Índia | Crédito da foto

Para o zoroastrismo, as almas dos mortos só podem atingir o outro mundo quando todos esses rituais forem concluídos, só então eles poderão aparecer diante de suas divindades para serem julgados. Durante a ocupação britânica na Índia entre o século 18 e 20, houve tentativas de banir esse costume – por considerar entre outras coisas, uma questão de saúde pública. A tentativa quase resultou em uma revolta popular.

O termo “Torre do Silêncio” é um neologismo atribuído a Robert Murphy, que em 1832, foi um tradutor a serviço do governo colonial britânico na Índia. Esse termo nunca foi uma tradução literal, e sim uma forma meio poética que o inglês usou para traduzir o nome do lugar. No Irã antigamente, o islamismo proibia a dissecação de cadáveres, uma vez que era considerado uma forma de mutilação. Como não havia cadáveres para estudo disponíveis para as escolas de medicina, os corpos estavam sendo roubados dos dakhmas, causando indignação da comunidade zoroastristas.

Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio abandonada em Yazd, Irã | Crédito da foto
Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio abandonada em Yazd, Irã | Crédito da foto
Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio em Elliq Qala, Uzberquistão | Crédito da foto
Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
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Ilustração de 1881 de uma Torre do Silêncio no Irã | Crédito da foto
Torres do Silêncio, o estranho ritual da morte
Torre do Silêncio Malabar Hills em Mumbai, Índia em 1955 | Crédito da foto
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Dakhma em Azerbaijão | Crédito da foto
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Em Shahidan Ashraf Boulevard, Yazd, Irã | Crédito da foto
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Yazd, Irã | Crédito da foto
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Torre do Silêncio extinta em Yazd, Irã | Crédito da foto
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Representação de como seriam os Dakhmas | Crédito da foto
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Diu, Índia | Crédito da foto
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Crédito da foto
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Torres de Silêncio em Yazd, Irã. Homens na torre em cima do monte da esquerda e mulheres à direita | Crédito da foto
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Yazd, Irã | Crédito da foto
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Torre do Silêncio Malabar Hills, em Mumbai, Índia em 1955 | Crédito da foto
Planta de uma tradicional Torre do Silêncio

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“Aprenda com o ontem, viva para o hoje, acredite no amanhã. O importante é não parar de questionar!”. – Albert Einstein

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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