Animais & Natureza

Campanha do Grande Pardal: A guerra equivocada da China contra os pardais

Cartaz proclamando “Jovens Pioneiros! Crianças! Vamos lutar pela eliminação dos pardais e pelo aumento da produção de grãos!”
A Campanha do Grande Pardal na China foi uma iniciativa do governo maoísta para erradicar pardais em massa, levando a desequilíbrios ecológicos e à fome.
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Uma série de cartazes exibidos nas escolas no final da década de 1950 na China, retratava uma cena surpreendente: meninos empenhados na caça de pardais por mero esporte. Essa ilustração foi retirada de um pôster destinado ao público infantil, parte de uma campanha ambiciosa para eliminar as pragas que ameaçavam disseminar doenças e pestes.

Nessa iniciativa, quatro pragas foram alvejadas para erradicação implacável: mosquitos, ratos, moscas e pardais. Surpreendentemente, os pardais foram incluídos nessa “lista negra” por serem considerados responsáveis pela escassez de grãos e frutas devido à sua alimentação.

Série de pôsteres de 1959 usados ​​em escolas na China
Série de pôsteres de 1959 usados ​​em escolas

No entanto, essa intervenção na cadeia alimentar revelou-se uma ideia desastrosa, resultando em um desequilíbrio ecológico severo. Combinado com outras políticas equivocadas do governo, esse evento desencadeou uma série de consequências devastadoras. Estima-se que, em um período de três anos, cerca de 50 milhões de pessoas tenham perdido a vida devido às consequências dessas políticas. Essa trágica narrativa ilustra os perigos iminentes de intervenções mal concebidas na natureza e as consequências devastadoras que podem resultar delas.

A Campanha do Grande Pardal foi uma faceta do ambicioso programa conhecido como “Grande Salto em Frente“, iniciado pelo Presidente Mao Zedong em 1958, com o objetivo de transformar uma China predominantemente agrária em uma sociedade socialista próspera por meio da rápida industrialização e coletivização.

Para consolidar o controle sobre a agricultura e estabelecer um monopólio sobre a distribuição de cereais, Mao aboliu a propriedade privada das terras e implementou a agricultura comunitária. Como resultado, muitos camponeses perderam suas terras e foram obrigados a trabalhar em projetos de infraestrutura massivos e na produção de ferro e aço.

O pardal da Eurásia (Passer montanus)
O pardal da Eurásia (Passer montanus)

Simultaneamente, Mao lançou uma campanha de saúde pública (Campanha das Quatro Pragas) contra pragas que disseminavam doenças. Além de mosquitos, ratos e moscas, Mao direcionou sua atenção para o pardal eurasiano, considerado uma ameaça aos cereais.

Os conselheiros de Mao calcularam que um único pardal (Passer montanus) consumia dois quilos de cereais por ano e que a morte de um milhão de pardais resultaria em comida suficiente para 60 mil pessoas. Essa campanha reflete a abordagem radical de Mao para alcançar os objetivos de sua política, mas também revela as consequências desastrosas de suas decisões.

Poucas pessoas compreenderam as ramificações de perturbar o equilíbrio natural do ecossistema e, mesmo que o fizessem, Mao não teria considerado seus conselhos. “Mao não tinha conhecimento sobre animais. Ele não estava interessado em debater seu plano ou ouvir especialistas. Ele simplesmente decretou que as ‘quatro pragas’ deveriam ser erradicadas”, declarou à BBC um dos mais proeminentes ativistas ambientais da China, Dai Qing.

A campanha contra os pardais na China quase levou os pássaros à extinção
A campanha contra os pardais na China quase levou os pássaros à extinção

O resultado foi uma devastadora matança de pardais. Todas as técnicas imagináveis foram empregadas para exterminar essas aves. Elas foram abatidas no ar, seus ninhos foram destruídos, ovos esmagados e filhotes mortos. Pardais foram capturados em redes ou atraídos com iscas. Ainda mais cruel foi o método de exaustão, onde as pessoas foram instruídas a sair às ruas batendo em panelas e criando tumulto para aterrorizar as aves. Os pardais, em pânico, voavam sem parar até caírem mortos de exaustão.

Alguns pardais buscaram abrigo nas instalações de diversas missões diplomáticas na China. Na embaixada polonesa em Pequim, os guardas impediram a entrada de pessoas para afugentar os pardais que se refugiavam lá. Em resposta, uma multidão cercou a embaixada e continuou a bater tambores incessantemente por dois dias. No final, os funcionários poloneses tiveram que usar pás para remover os pardais mortos das instalações.

Cartaz dizendo “Vamos todos caçar pardais” 

Milhões de pessoas se envolveram nas atividades com uma eficiência implacável. Um relato publicado em um jornal de Xangai relatou que 194.432 pardais foram mortos em um único dia. Para incentivar a participação, foram realizados concursos entre funcionários do governo e crianças em idade escolar, com recompensas simbólicas para aqueles que entregassem o maior número de caudas de ratos, moscas e mosquitos mortos, ou pardais. O movimento acabou se tornando uma espécie de competição, especialmente para as crianças, que participaram com grande entusiasmo.

Nos três anos seguintes, aproximadamente um bilhão de pardais, 1,5 bilhão de ratos, 100 milhões de quilogramas de moscas e 11 milhões de quilogramas de mosquitos foram mortos. Apesar do programa de erradicação ter sido extremamente bem-sucedido, teve um custo elevado.

Pessoas batendo em objetos metálicos e empunhando bandeiras para afugentar os pardais e matá-los de exaustão
Pessoas batendo em objetos metálicos e empunhando bandeiras para afugentar os pardais e matá-los de exaustão

Uma consequência direta da Campanha das Quatro Pragas foi a ocorrência da Grande Fome. Tornou-se evidente para os chineses que os pardais não apenas consumiam grãos, mas também insetos. Com a eliminação de seu principal predador, os insetos proliferaram e devastaram as colheitas, levando a uma diminuição na produção de arroz.

O aumento das populações de gafanhotos agravou os problemas ambientais decorrentes do Grande Salto em Frente, incluindo a desflorestação e o uso indiscriminado de venenos e pesticidas. Quando Mao encerrou o programa, entre 20 e 50 milhões de pessoas haviam morrido de fome.

Um pôster de 1958 promovendo a eliminação das “Quatro Pragas”

Este episódio trágico serve como um lembrete do que pode acontecer quando mudanças imprudentes são feitas em um ecossistema. No entanto, parece que essa lição não foi aprendida. Em 1998, um programa semelhante foi lançado em Chongqing, substituindo os pardais por baratas como alvo.

Em 2004, o abate de gatos civetas foi realizado para conter a propagação do vírus SARS, apesar da falta de evidências que ligassem os gatos ao vírus. Autoridades também planejavam uma “campanha patriótica de saúde” visando ratos e baratas, semelhante à Campanha do Grande Pardal de Mao.

A ilusão de que o homem pode dominar a natureza foi uma das ideologias mais desafiadoras de Mao, deixando um legado tóxico na China. A falta de respeito pela natureza persiste, refletindo-se nas diversas questões ambientais do país, incluindo poluição, desflorestação, mudanças climáticas e desastres naturais.

Atualmente, o governo chinês está empenhado em reverter o cenário estabelecido décadas atrás em relação aos pássaros: Em setembro de 2017, um homem chamado Wang foi preso em Tongxiang, província de Zhejiang, por matar 44 pardais. Supostamente, Wang sentiu fome ao passar por um campo cheio desses pássaros e, não conseguindo pegar nenhum naquele momento, voltou no dia seguinte com uma grande rede de náilon e várias varas de bambu para satisfazer seu desejo.

Este incidente, que normalmente seria um breve relato no jornal local, gerou alertas da mídia de que os pardais são uma espécie protegida na China: é proibido por lei matá-los, comê-los ou vendê-los, e matar mais de 20 é considerado crime. Boletins semelhantes foram emitidos após incidentes semelhantes de matança de pardais no ano anterior em Taizhou e em 2015 em Lishui, ambos também em Zhejiang. Esses lembretes persistentes destacam a violência, ignorância e preconceito contra os pardais, que são parte do legado de um dos episódios mais curiosos e trágicos da história política da China: a campanha das Quatro Pragas.

Série de pôsteres de 1959 usados ​​em escolas na China
Pessoas nos telhados das casas com o objetivos espantar os pardais e mata-los de exaustão
Pessoas nos telhados das casas com o objetivos espantar os pardais e mata-los de exaustão
Pardais mortos empilhados em uma carroça na china
Pardais mortos empilhados em uma carroça

Fonte: 1 2

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Magnus Mundi

Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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