Histórias

Canela: Como os árabes esconderam sua origem dos europeus por dois milênios

A canela tem origens antigas e é extraída da casca de árvores do gênero Cinnamomum. A variedade mais conhecida é a canela verdadeira, originária do Sri Lanka, enquanto a Cassia é outra variedade comum. A canela era valorizada na antiguidade por seu aroma, capacidade de preservar carne, uso em embalsamamento e em cerimônias religiosas.

Desde tempos remotos, a canela figura como uma das especiarias mais apreciadas e valorizadas. Seu valor transcende o sabor, sendo apreciada pelo aroma envolvente, pela habilidade de preservar a frescura da carne e por seu papel em práticas como embalsamamento e cerimônias religiosas. No contexto europeu, a introdução da canela pelos comerciantes árabes foi marcada por uma hábil dissimulação da sua origem, um feito que perdurou por dois milênios.

A canela, extraída da casca seca de uma pequena árvore perene do gênero Cinnamomum, floresce em climas tropicais. Destacam-se dois tipos: a canela verdadeira, originária do Sri Lanka (antigo Ceilão), e a Cassia, conhecida como canela chinesa, indiana ou indonésia. A distinção entre elas reside na espessura da casca seca, sendo a verdadeira notavelmente mais fina.

Canela: Como os árabes esconderam sua origem dos europeus por dois milênios

A primeira menção registrada da canela remonta a um antigo livro chinês sobre plantas, datado de 2.800 a.C. Receitas contendo canela também estão presentes em livros de culinária desde 1500 a.C. em diversas culturas. Nos países do Mediterrâneo, a canela desempenhou inicialmente um papel litúrgico na igreja cristã, sendo utilizada na preparação de incenso desde os tempos bíblicos. Mais tarde, ela conquistou seu espaço como ingrediente culinário, enriquecendo uma variedade de pratos e receitas.

Na Idade Média, as propriedades medicinais da canela foram descobertas, levando à sua utilização para fortalecer o estômago e melhorar a digestão. Esse reconhecimento contribuiu para manter a canela com um preço elevado, literalmente equiparado ao peso do ouro. Durante quase dois mil anos, os europeus permaneceram ignorantes quanto à origem desse valioso produto.

A entrada da canela na Europa, durante a Idade Média, ocorreu de maneira indireta, principalmente através dos mercados das cidades fenícias de Tiro e Cartago, da egípcia Alexandria e da bizantina Constantinopla. Comerciantes árabes, zelosos em ocultar a localização de onde a canela era cultivada, a transportaram para essas regiões. A compra então ocorreu por meio de mercadores venezianos na Itália, que detinham o monopólio do comércio de canela na Europa.

Canela: Como os árabes esconderam sua origem dos europeus por dois milênios

O transporte da canela era notavelmente dispendioso devido ao terreno difícil enfrentado pelos comerciantes. Isso resultava em volumes de vendas reduzidos, mantendo os preços constantemente elevados. Enquanto a canela já era reconhecida no Mediterrâneo como uma especiaria valiosa e uma substância medicinal, os europeus permaneciam alheios à sua origem, sendo obrigados a desembolsar quantias vultosas por esse produto. Naquela época, o antigo geógrafo e escritor grego Heródoto descreveu em seus escritos que a canela chegou à Arábia transportada por grandes pássaros que a levavam no bico, utilizando-a para construir seus ninhos no topo das montanhas.

De tempos em tempos, os europeus empreendiam tentativas para desvendar a origem da canela, muitas vezes associadas a eventos cruéis. Em 1539, os conquistadores espanhóis, os irmãos Francisco e Gonzalo Pizarro, já conhecidos por conquistar o Império Inca, ouviram falar de um vale rico em canela nos Andes, na América do Sul, decidindo empreender uma expedição para encontrá-lo e conquistá-lo a qualquer custo.

Canela: Como os árabes esconderam sua origem dos europeus por dois milênios

Com uma tropa de mais de duzentos soldados, os irmãos partiram de Quito em direção à bacia amazônica. Após atravessar a Cordilheira, depararam-se com árvores de aroma doce nas florestas locais, embora escassas e cujo cheiro lembrava apenas vagamente o aroma da canela. Posteriormente, historiadores sugeririam que, possivelmente, estavam referindo-se aos loureiros da América do Sul, cujo perfume apresenta algumas semelhanças com o da canela.

Ao chegarem às margens da Amazônia, os irmãos depararam-se com diversos assentamentos indígenas. Optaram por capturar reféns e submetê-los a torturas brutais na esperança de descobrir a localização do suposto “vale da canela”, envolto em mistérios. Apesar dos indígenas cultivarem há muito tempo diversas culturas, como milho, inhame e mandioca, desconheciam a existência da canela. Os conquistadores, desconfiados, ignoraram as negativas e prosseguiram com a tortura impiedosa.

Diante da resistência dos prisioneiros, o líder tribal ofereceu-se para guiar os invasores até o fictício “vale da canela”. Ele os conduziu pela densa selva e conseguiu escapar, deixando os espanhóis sem o precioso tesouro que buscavam. Essa narrativa destaca as extremas medidas tomadas na busca desesperada pela cobiçada especiaria.

Às margens do rio, os irmãos Pizarro, para sua consternação, depararam-se com os assentamentos de diversas tribos indígenas que mantinham contato entre si, tocando tambores em uníssono. Enfrentando os invasores, os nativos retaliaram com uma chuva de flechas envenenadas. Apenas alguns espanhóis conseguiram escapar. Nos dois anos seguintes, vagaram pela selva em busca do fictício “vale da canela”, enfrentando parasitas, fome e exaustão antes de retornarem doentes a Quito.

Canela: Como os árabes esconderam sua origem dos europeus por dois milênios

Atualmente, a canela é cultivada em toda a zona tropical do globo, sendo os principais importadores os países da Ásia, Europa e América do Norte. Embora diversas variedades sejam cultivadas globalmente, as mais populares ainda são importadas do Sri Lanka.

A história da disputa pela canela continuou com os britânicos, que, após assumirem a ilha, viram a guerra por essa especiaria encerrar-se abruptamente com a descoberta de que poderia ser facilmente cultivada em outras regiões de clima tropical. Com êxito no cultivo em Java, Sumatra, Bornéu e Guiana, a canela tornou-se um produto acessível e perdeu sua atratividade para os comerciantes, repetindo-se a narrativa com os holandeses, que estabeleceram controle sobre o comércio da valiosa especiaria durante os 150 anos seguintes, com a ajuda da população indígena da ilha.

O monopólio árabe sobre a canela só terminou no início do século XVI, quando marinheiros portugueses, à deriva ao largo do Ceilão, observaram os habitantes locais extraindo canela. Ao declararem a ilha como seu território e subjugar a população indígena como escravos, os portugueses assumiram o controle do comércio de canela por muitos séculos.

Avalie este artigo!
[Total: 0 Média: 0]
Atenção! Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do usuário e não expressa a opinião do site.

Magnus Mundi

Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

Adicionar comentário

Clique para deixar um comentário