Na virada da década de 1950, os habitantes de Celles, uma pacata vila aninhada no vale de Salagou, situada na comuna do departamento de Hérault, ao sul da França, foram surpreendidos por um aviso contundente: precisariam abandonar suas casas. A razão era clara, porém desoladora: a região que abrigava suas vidas seria inundada para dar lugar a um lago, resultado da iminente construção de uma barragem no rio local, planejada pelas autoridades para supostamente beneficiar esses mesmos residentes.
Nessa região de tradição vinícola, o mercado dos vinhos começava a declinar, arrastando consigo os preços das preciosas colheitas. Diante dessa crise, as autoridades locais conceberam uma solução radical: diversificar as plantações. A mensagem era clara: “Cultivem frutas“. No entanto, as árvores frutíferas demandavam mais água do que as vinhas, o que impulsionou a necessidade de aproveitar o rio e criar um lago. Essa iniciativa, infelizmente, implicava na inundação de Celles.
Os aldeões lutaram e resistiram à evacuação forçada por dez anos. Mas no final, o governo conseguiu o que queria e, em 1968, a barragem do rio Salagou foi finalmente concluída, após quatro anos de construção. Logo depois, a água começou a subir em direção à vila, forçando a saído dos últimos moradores resistentes.
O plano era elevar o nível da água em duas etapas – primeiro para 139 metros e depois para 150 metros. A segunda etapa teria engolido a vila, situada a uma altitude média de 144 metros. Mas o segundo estágio nunca foi implementado, deixando as águas do lago lambendo aos pés da vila. Celles havia sido evacuada e abandonada por nada.
Alguns moradores tentaram voltar para suas antigas casas, mas, naquele momento, os prédios já estavam desmoronando, sendo vítimas de negligência, roubo e vândalos. Enquanto isso, o lago transformou a região de uma terra árida em um popular destino turístico, com esportes aquáticos no lago, além de trilhas para caminhadas e ciclismo no campo, bem como, vista a uma vila fantasma.
Com a não implantação da segunda etapa de inundação, alguns dos antigos moradores começaram a combater o abandono da vila, expulsando os vândalos e reparando o prédio da prefeitura (Mairiee) e a igreja da vila, para que o status da vila como comuna fosse mantido.
Os registros do censo ao longo dos anos mostram que Celles nunca foi totalmente abandonada. Dos sessenta residentes em meados da década de 1950, a população caiu para apenas cinco em 1975. Depois, começou a aumentar novamente.
Em 1990, o conselho da vila, na esperança de convencer o departamento de Hérault para revitalizar a vila, pediu ao conselho geral, dono das ruínas, que garantisse a preservação em nome da segurança pública. O resultado esperado – a restauração das casas – levou a uma revitalização da vila com a reforma de alguns telhados e colocação de cercas ao redor das casas.
Em 1996, o departamento tomou a decisão oficial de preservar a vila, graça ao esforço de alguns dos seus antigos habitantes para que a vila não perdesse o status de comuna, reformando os dois prédios públicos da vila.
Somente em 2010 o departamento transferiu a propriedade total da vila para o município. Hoje, possui 35 habitantes que vivem em duas das quatro aldeias que compõem Celles. Apenas uma família mora na vila em ruínas, acima da prefeitura, o único prédio reformado, junto com a igreja.
Tendo se tornado donos das casas, a Câmara Municipal elaborou um amplo projeto de revitalização e impôs certas regras para os novos habitantes – Todos os habitantes que virão morar em Celles (num total de 119) concordam em morar lá o ano todo e ter uma atividade econômica o ano todo. Não se trata de especulação de terras.
“Nosso projeto é uma luta continua e lenta. Todo mundo dizia que era uma luta em vão e utópica. Celebrar o primeiro contrato, cinquenta anos após os últimos despejos, é uma pequena vitória“, diz Joëlle Goudal, líder do conselho local. Goudal espera que a vila retorne à sua antiga glória até o final da década.
A vila em ruínas serviu como cenário para vários filmes, notadamente o thriller de 1986, Zone Rouge (Zona Vermelha), do diretor Robert Enrico.
[…] Celles, a vila francesa que foi evacuada sem necessidade […]