Animais & Natureza

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos

Porfírio, uma baleia temível, atacou navios bizantinos no Mar de Mármara. Seu tamanho excepcional gerou mitos. Encalhou após perseguir golfinhos, encontrando um trágico fim.

No romance “Moby Dick”, de Herman Melville, são descritos inúmeros incidentes em que cetáceos se rebelam contra os baleeiros, atacando não apenas seus barcos, mas também suas embarcações. O autor, criador da emblemática baleia branca literária, baseou-se no episódio do naufrágio do Essex, causado por um cachalote, combinando-o com a narrativa contemporânea de outro gigante marinho, o albino Mocha Dick.

Contudo, Melville também dedica parte de sua obra para relembrar um evento muito anterior, datado do século VI d.C.: o caso de Porfírio, um monstro marinho que aterrorizou os marinheiros bizantinos, afundando tantos navios que causou preocupação até mesmo ao imperador Justiniano.

Como destacado no início do texto, o relato principal sobre a ameaça representada por Porfírio foi legado por Procópio de Cesaréia, um historiador cujas obras são fundamentais para a compreensão do reinado de Justiniano I. Tanto em sua “História das Guerras” quanto na “Segreda História”, Procópio descreve essa fera, identificando-a como uma baleia e fornecendo suas dimensões: 13,7 metros de comprimento por 4,6 metros de largura. Vale ressaltar que, conforme observado por Melville, Procópio não especifica o gênero ou o tipo exato de baleia, devido ao limitado conhecimento da vida marinha na época; o autor norte-americano, no entanto, sugere que poderia ser um cachalote.

Na realidade, a espécie à qual Porfírio pertencia permanece incerta, carecendo de evidências conclusivas. Alguns autores especulam que poderia ter sido uma orca, uma vez que esses cetáceos são frequentemente avistados no Mediterrâneo. No entanto, essa teoria entra em conflito com as dimensões mencionadas por Procópio, uma vez que as orcas geralmente não ultrapassam os oito metros de comprimento, especialmente os machos, sendo as fêmeas ainda menores.

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
Cachalote ataca um barco a remo de um navio baleeiro. Por volta de 1851.

Assim, a opinião mais difundida sugere que Porfírio era, provavelmente, um cachalote. Esses mamíferos marinhos têm a capacidade de atingir mais de 20 metros de comprimento e ultrapassar as cinquenta toneladas, características que os tornam suficientemente imponentes para desafiar embarcações. No entanto, é importante notar que tal conclusão permanece no campo da especulação, uma vez que a falta de dados específicos na época de Procópio impede uma identificação precisa da espécie em questão.

Existem diversos relatos de cachalotes que, em situações de sentirem-se ameaçados ou ao protegerem suas crias, colidem com os cascos dos navios perseguidores, uma vez que essas cabeças representam cerca de um terço do comprimento total desses cetáceos. Em muitos casos, esses encontros são erroneamente interpretados como ataques, quando, na verdade, podem ser reações defensivas.

Vale ressaltar que os cachalotes vivem em grupos e não possuem predadores naturais, embora orcas e tubarões ocasionalmente possam caçar indivíduos muito jovens, velhos ou doentes. Mesmo nesses casos, a caça em grupo é necessária para romper a formação defensiva, chamada de formação Margeurite, adotada por esses cetáceos para proteger o membro vulnerável cercando-o.

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
Ataque de cetáceo a navio em Historia Animalium (1563) / Imagem: 
domínio público no Wikimedia Commons

Contrapondo a hipótese de Porfírio ser um cachalote, surge o fato mencionado por Procópio de que a criatura consumia golfinhos. No entanto, essa informação pode ser interpretada como um detalhe ornamental adicionado à história ou mesmo um equívoco ao observar esses animais nadando em conjunto.

Além disso, é importante ressaltar que os cachalotes geralmente não se aventuram no Mediterrâneo oriental; embora sejam encontrados no Mediterrâneo ocidental, a área geográfica dos ataques relatados por Procópio está situada no Mediterrâneo oriental. Essas divergências e complexidades evidenciam a dificuldade em determinar com certeza a identidade da misteriosa criatura.

Especificamente, a região em questão é o Mar de Mármara, antigamente chamado de Propontis, que separa o Mar Egeu do Mar Negro através dos estreitos de Dardanelos e Bósforo, com suas águas adjacentes a Constantinopla, a capital do Império Romano do Oriente. No entanto, Melville, em Moby Dick, expressa alguma incerteza sobre a presença de cachalotes nessa área:

Durante muito tempo, imaginei que o cachalote sempre foi desconhecido no Mediterrâneo e nas águas profundas a ele conectadas. Mesmo agora, estou certo de que esses mares não são, e talvez nunca possam ser, na atual constituição das coisas, um lugar para o seu habitual resort gregário. Mas novas investigações provaram-me recentemente que, nos tempos modernos, houve casos isolados da presença do cachalote no Mediterrâneo. Disseram-me, de boa fonte, que na costa da Barbária, um Comodoro Davis da marinha britânica encontrou o esqueleto de um cachalote. Agora, assim como um navio de guerra passa facilmente pelos Dardanelos, um cachalote poderia, pela mesma rota, passar do Mediterrâneo para o Propôntida.

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
Imagem por rawpixel.com no Freepik

Essa ponderação de Melville sugere uma reconsideração sobre a presença de cachalotes na região, mencionando relatos mais recentes de sua ocorrência na costa da Barbária. Outro ponto levantado em Moby Dick é a longevidade dos cachalotes, que podem viver até 70 anos. Esta informação se alinha com os relatos de ataques a navios bizantinos ocorridos há mais de cinco décadas, alternando períodos de atividade com períodos de calmaria, possivelmente relacionados à migração sazonal.

Os ataques indiscriminados de Porfírio a barcos de pesca, navios mercantes e até navios de guerra, geralmente nas proximidades do Bósforo, tornaram-se um espetáculo notável. Essa frequência de incidentes levou os marinheiros a evitar essas águas, preocupando o imperador Justiniano I com o impacto no comércio marítimo e na navegação. O temor de que Porfírio se tornasse um obstáculo levou até mesmo os soldados bizantinos a carregarem amuletos para proteção durante suas viagens para a Itália, onde enfrentariam os ostrogodos.

Apesar das tentativas limitadas de resolver o problema, a tradição baleeira era escassa entre os bizantinos até a Idade Moderna, e as presas eram predominantemente cetáceos menores, como golfinhos, belugas e botos. Isso acentua a dificuldade em lidar com a ameaça representada por Porfírio, um fenômeno que desafiava as práticas comuns de caça às baleias na época.

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
Distribuição de avistamentos de cachalotes em todo o mundo. Imagem por Kurzon/Wikimedia Commons

É intrigante observar que alguns artigos e livros mencionam uma narrativa em que a Imperatriz Teodora teria encarregado o renomado general Belisário de resolver a questão de Porfírio. Segundo essa versão, Belisário teria partido com arqueiros e uma catapulta na tentativa de atirar e arpoar o animal, mas sem sucesso.

No entanto, essa história fascinante é fictícia e tem origem na imaginação do escritor Robert Graves. Graves explorou essa trama em seu romance “Conde Belisário“, publicado em 1938, estabelecendo um paralelo entre a imperatriz e Porfírio. Vale notar que o romance de Graves é baseado nas obras de Procópio, incluindo aquelas mencionadas anteriormente, e segue a tradição de sua abordagem em obras como “Eu, Cláudio” e “Cláudio, o Deus e sua esposa Messalina“, que têm como base “As Vidas dos Doze Césares” de Suetônio.

Na visão de Graves, Porfírio é identificado como uma orca em busca de vingança pelos maus-tratos infligidos pelos pescadores, um enredo que ecoa o filme “Orca” de 1977, estrelado por Richard Harris, também conhecido como “Orca: A Baleia Assassina“. Curiosamente, desde 2020, foram documentados cerca de cinquenta ataques de orcas a barcos na área ao redor do Estreito de Gibraltar e do Levante Espanhol (excluindo colisões acidentais).

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
Tamanho de um cachalote macho e fêmea comparado a um ser humano / Imagem: 
Kurzon no Wikimedia Commons

Para explicar esses incidentes, especialistas consideram duas hipóteses principais: a situação aversiva, em que uma experiência adversa com um barco leva o animal a confrontar outros, e o comportamento auto-induzido, como forma de brincadeira. Essas especulações, entretanto, não fornecem uma explicação definitiva para o comportamento das orcas na região.

Independentemente do mito ou da realidade, o verdadeiro Porfírio continuou a construir sua má reputação ao longo dos anos, tornando-se um nome associado a cetáceos temíveis, uma tradição que se repetiria ao longo dos séculos com outros como Mocha Dick. A escolha do nome Porfírio é curiosa, pois a causa exata permanece desconhecida, levando a diversas explicações.

Alguns sugerem que Porfírio pode ser uma alusão a Porfírio Caliopas, um famoso cocheiro considerado o melhor de sua época, ou ao gigante mitológico Porfírio, filho de Gaia, que se rebelou contra os deuses e foi derrotado por Zeus com um raio. Entretanto, a maioria dos pesquisadores acredita que Porfírio é derivado de “porphyra”, palavra que se refere à cor púrpura. Isso pode ser interpretado como uma referência à tonalidade associada às vestimentas imperiais, reconhecendo assim a majestade do animal, ou à possível coloração da pele do cetáceo.

Quanto à aparência real dos cachalotes e orcas, sabemos que os cachalotes são geralmente cinzentos, enquanto as orcas são pretas. No entanto, a interpretação da cor pode variar, e há sugestões de que o sol refletido na superfície dos animais poderia criar a impressão de um tom avermelhado escuro em determinados momentos do dia, confundindo as testemunhas. Recentemente, uma interpretação literal sugere que o nome Porfírio poderia ser traduzido como “criança roxa”. Essas nuances adicionam camadas de mistério à história e à identidade de Porfírio, destacando a complexidade das narrativas ao longo do tempo.

Porfírios: A aterrorizante baleia que assombrou os marinheiros bizantinos
O Império Romano do Oriente em meados do século VI dC, com as conquistas de Justiniano I em verde. A localização de Constantinopla no Mar de Mármara pode ser vista / Imagem: 
Rowanwindwhistler no Wikimedia commons

É notável que, apesar das insinuações de Edward Gibbon sobre a possibilidade de Porfírio ser uma metáfora devido ao seu tamanho e localização excepcionais, esse evento representa o primeiro caso documentado de uma baleia atacando humanos. Ao contrário do episódio bíblico de Jonas, onde o peixe simplesmente engole o profeta por ordem de Deus, poupando o navio em que ele estava, Porfírio apresenta uma agressão direta.

A narrativa continua com um desfecho trágico para Porfírio, conforme relatado por Procópio. Durante uma calma profunda no mar, um grande número de golfinhos se reuniu perto da foz do Mar Euxino. Ao avistarem a baleia, os golfinhos fugiram em todas as direções, muitos deles acabando perto da foz do rio Sangarius. A baleia, movida pela fome ou um espírito contencioso, continuou sua perseguição, capturando alguns golfinhos que engoliu imediatamente. Desapercebida, a baleia se aproximou demais da costa, encalhando em uma lama profunda e lutando sem sucesso para se libertar.

A notícia do encalhe chegou aos habitantes locais, que prontamente atacaram a baleia. Mesmo com persistentes golpes de machados, a baleia não foi facilmente derrotada. Com a ajuda de cordas pesadas, os locais conseguiram arrastar a baleia para fora da lama. Após medições, constatou-se que a baleia tinha cerca de trinta côvados de comprimento e dez de largura. Os moradores então formaram grupos, dividiram a baleia e alguns consumiram imediatamente a carne, enquanto outros optaram por curar a porção que receberam.

Esse desfecho não apenas encerra a saga de Porfírio, mas também destaca a complexidade e a imprevisibilidade da relação entre humanos e cetáceos, especialmente quando se trata de encontros inesperados e potencialmente perigosos no mar.

Fonte: 1

Avalie este artigo!
[Total: 1 Média: 5]
Atenção! Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do usuário e não expressa a opinião do site.

Magnus Mundi

Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

Adicionar comentário

Clique para deixar um comentário