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Banda: A ilha secreta da noz-moscada

A captura de Banda-Neira pela esquadra britânica sob o comando do capitão Cole na manhã de 9 de agosto de 1810
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No Mar de Banda, situado cerca de 2.500 km a leste de Jacarta, encontram-se as Ilhas Banda, uma parte singular da Indonésia. Por milhares de anos, este conjunto de dez ilhas foi a única fonte global de noz-moscada e macis, derivados da casca da noz-moscada. Antes da chegada dos europeus, Banda era governada pelos nobres conhecidos como orang kaya, que mantinham relações comerciais com índios e árabes, os quais, por sua vez, vendiam especiarias aos europeus a preços exorbitantes.

A Ilha de Banda-Neira e Gunung Api.
A Ilha de Banda-Neira e Gunung Api. Foto: Collin Key/Flickr

A ascensão de Banda como centro do comércio de especiarias

Naquela época, a noz-moscada tinha um valor que superava o do ouro em peso, pois acreditava-se que a especiaria possuía propriedades curativas contra a temida peste que assolava rotineiramente as populações europeias. Os astutos árabes mantiveram em segredo a localização dessa especiaria valiosa, contribuindo para manter as ilhas e os preços em patamares elevados.

Somente em 1511, quando o rei de Portugal, Afonso de Albuquerque, conquistou Banda e suas ilhas adjacentes, é que o segredo bem guardado da ilha de Banda foi finalmente revelado. As ilhas logo se tornaram o epicentro do comércio de especiarias.

Mapa das Ilhas Banda.
Mapa das Ilhas Banda. Foto: Lencer/Wikimedia Commons

Conflitos e negociações

Os comerciantes portugueses empreenderam esforços, porém enfrentaram dificuldades para estabelecer-se nas ilhas. Os bandaneses demonstravam uma hostilidade em relação a qualquer prática que não envolvesse o comércio justo. Ao longo do século XVI, tudo o que os portugueses conseguiram fazer foi visitar as ilhas a cada poucos anos e retornar com navios carregados de noz-moscada, macis e cravo-da-índia.

Em uma ocasião, um comerciante português chamado Capitão Garcia Henriques tentou erguer um forte em Banda Neira, porém os nativos se insurgiram e atacaram os homens de Garcia. Diante da percepção de que a luta era dispendiosa e desgastante, os portugueses optaram por evitar as Ilhas Banda, preferindo adquirir noz-moscada de comerciantes em Malaca.

Fruta de noz-moscada recém-colhida. A cobertura vermelha é maça enquanto a semente é noz-moscada.
Fruta de noz-moscada recém-colhida. A cobertura vermelha é maça enquanto a semente é noz-moscada. Foto: Santhosh Varghese/Shutterstock.com

A ascensão e tumultos com os holandeses

Os holandeses seguiram os passos dos portugueses até chegarem a Banda, mas, ao contrário de seus predecessores do sul, os comerciantes holandeses não se contentaram em simplesmente estabelecer-se. Eles tentaram impor um monopólio sobre o comércio de especiarias, exigindo que os bandaneses vendessem seus produtos exclusivamente para eles.

No entanto, os bandaneses se recusaram; eles almejavam o livre comércio, visando jogar os comerciantes dos diversos países europeus uns contra os outros e vender seus produtos ao melhor preço possível. As negociações foram árduas e, em certo momento, os bandaneses atraíram um almirante holandês para uma emboscada, resultando na morte de 46 holandeses. Em resposta, soldados holandeses saquearam várias aldeias bandanesas e destruíram seus navios.

Processamento de noz-moscada nas Ilhas Banda, por volta de 1899-1900.
Processamento de noz-moscada nas Ilhas Banda, por volta de 1899-1900. Foto: Universidade de Amsterdã

Consolidação holandesa e consequências

O infeliz incidente acabou favorecendo os holandeses. No tratado de paz subsequente, os bandaneses reconheceram a autoridade holandesa e o monopólio do comércio de especiarias. No mesmo ano, os holandeses construíram o Forte Nassau em Banda Neira para consolidar seu controle sobre o comércio de noz-moscada.

Tumultos e novas disputas

Apesar da suposta paz, os bandaneses nutriam ressentimentos em relação aos holandeses e violaram deliberadamente o tratado ao negociar com os ingleses, malaios e javaneses. Essa atitude hostil exacerbou as tensões entre os holandeses e os habitantes locais, culminando em uma violenta tomada do arquipélago bandanese pelos holandeses.

Durante o conflito, os holandeses perpetraram um massacre, reduzindo a população de quinze mil habitantes para apenas mil sobreviventes. A queda acentuada no número de habitantes levou os holandeses a importar mais escravos da Índia e da China para trabalhar nas plantações e garantir sua lucratividade.

Noz-moscada colhida nas ilhas de Banda.
Noz-moscada colhida nas ilhas de Banda. Foto: DjunaPix/Shutterstock.com

Intervenção inglesa e alterações no comércio

Os ingleses também estavam ávidos por uma fatia desse lucrativo comércio. Antes que os holandeses assegurassem controle total do arquipélago, os ingleses estabeleceram dois entrepostos comerciais nas minúsculas ilhas Ai e Run, localizadas a cerca de 10 e 20 quilômetros das principais ilhas de Banda, respectivamente.

Em 1615, os holandeses expulsaram os ingleses de Ai, porém, mantiveram o controle sobre Run até 1667, quando a trocaram pela ilha de Nova Amsterdã, situada na costa leste da América do Norte. Essa troca revelou-se vantajosa. Ao longo de 350 anos, Nova Amsterdã se transformaria no epicentro do comércio global, tornando-se hoje a ilha que conhecemos como Manhattan.

Forte Belga na Banda Neira
Forte Belga na Banda Neira. Foto: Riana Ambarsari/Shutterstock.com

Disputas durante as guerras napoleônicas e quebra do monopólio

Durante as Guerras Napoleônicas, quando a Holanda foi ocupada pela França, os ingleses aproveitaram a oportunidade e temporariamente tomaram posse das Ilhas Banda. Antes que os holandeses retomassem o controle das ilhas, os ingleses extrairam centenas de valiosas mudas de noz-moscada e as transferiram para suas próprias colônias no Ceilão, Cingapura e Índia, quebrando assim o monopólio holandês de forma permanente. A exclusividade de Banda foi destruída e as ilhas nunca mais foram as mesmas.

A noz-moscada continua sendo uma importante fonte de renda para muitos habitantes de Banda, porém a prosperidade econômica outrora experimentada já não existe mais. A especiaria agora é cultivada em vários outros países e, embora a Indonésia ainda lidere o comércio, os habitantes de Banda já não têm controle sobre ela.

A ilha se transformou em um tranquilo refúgio tropical, com uma população de menos de vinte mil habitantes. Aqueles que não estão envolvidos no negócio da noz-moscada encontram sustento na pesca nas águas costeiras intocadas. O turismo surge como uma alternativa para a economia local.

Vista aérea da Banda Neira com o Forte Belgica em primeiro plano
Vista aérea da Banda Neira com o Forte Belgica em primeiro plano. Foto: farhankudosan/Shutterstock.com

Valorização ambiental e biodiversidade marinha

As Ilhas Banda são agora reconhecidas e valorizadas por seu ambiente marinho, que inclui um recife de coral resiliente e uma rica biodiversidade. Acredita-se que o Mar de Banda, que as circunda, atue como um escudo protetor, mitigando os impactos das temperaturas equatoriais extremas e das mudanças climáticas nas ilhas. Além disso, os ventos marítimos e as chuvas salgadas desempenham um papel crucial na influência do sabor e da qualidade da noz-moscada, que continua sendo considerada a melhor do mundo.

Fonte: 1

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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