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Monte Testácio, o depósito de lixo com 2.000 anos

Ao sul do monte Aventino, as margens do rio Tibre, encontra-se uma área em Roma chamada Testácio. Desde os tempos antigos, era uma área de classe trabalhadora, onde todos os tipos de mercadorias eram descarregados de barcaças e armazenados em enormes armazéns ao longo do rio, chamados Hórreos de Galba. O recipiente preferido para os produtos a granel era a ânfora (da palavra grega ânforavem, que significa jarro de dois cabos) feito de cerâmica, que era produzida em todo o Mediterrâneo numa variedade de formas.

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Crédito da foto

A fim de manter a popularidade, os imperadores romanos forneciam cereais e azeite gratuitos aos cidadãos, bem como a defesa pelas forças armadas. Os grãos vinham principalmente do Egito, e cerca de seis bilhões de litros de azeite de oliva vieram da Espanha.

As ânforas, quando usadas para produtos secos, como grãos ou até mesmo para líquidos, como o vinho ou água, após estarem vazias eram lavadas e reutilizadas ou quebradas e usadas como material de construção. Mas as que eram usadas no transporte de azeite não podiam ser recicladas, pois estavam impregnadas de óleo deixando-as pegajosas e, com o tempo, elas exalavam um cheiro desagradável, e assim, eram despejadas em aterros sanitários.

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Monte Testácio, também conhecido como Monte dei cocci (Monte de cacos), é um enorme monte coberto de grama e pequenos arbustos. A primeira vista pode parecer uma colina comum, mas é, na verdade, um antigo aterro da época romana e um dos maiores aterros do mundo antigo.

O aterro tem a circunferência de quase um quilômetro em sua base, cobrindo uma área de 20.000 metros quadrados, com quarenta metros de altura, embora tenha sido provavelmente muito mais alto nos tempos antigos. A colina é feita inteiramente de testae, fragmentos de ânforas descartadas, que foram utilizadas no transporte de azeite. Estima-se que a colina contenha os restos de até 54 milhões de ânforas.

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A colina artificial não era um lixão casual, mas um local de coleta altamente organizado e cuidadosamente projetado. As escavações revelaram que o monte havia sido erguido como um série de terraços planos com muros de contenção também feitos de pedaços de cerâmica.

Pode-se estabelecer três fases na construção desta estrutura ao longo dos anos: a primeira abrangeria de 74 a.C. a 149 d.C.; a segunda prolongou-se até 230 d.C., e a terceira está sendo investigada ainda. Ânforas vazias eram provavelmente levadas até o monte intactas nas costas de burros ou mulas e depois quebradas no local, com os fragmentos dispostos em um padrão organizado. Cal era então espalhado sobre os frascos quebrados para neutralizar o cheiro de óleo podre.

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O grande número de ânforas quebradas em Monte Testácio ilustra a enorme demanda por óleo da Roma imperial, que na época era a maior cidade do mundo, com uma população de pelo menos um milhão de pessoas. As ânforas depositado no monte eram muitas vezes marcadas com tituli picti, inscrições pintadas ou estampadas que registravam informações como o peso do azeite contido, os nomes das pessoas que pesaram e o local onde o óleo fora originalmente engarrafado.

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Os picti tituli das ânforas do Monte Testácio tendem a seguir um padrão e indicam um rigoroso sistema para controlar o comércio e impedir a fraude. As ânforas eram primeiro pesadas vazias, e o seu peso marcado na parte externa. O nome do exportador era, seguido por uma linha que dá o peso do óleo contido na ânfora (subtraindo o peso previamente determinado do navio propriamente dito).

Os responsáveis pela execução e acompanhamento da pesagem, em seguida, assinavam seus nomes na ânfora. Também era anotado o local de origem do azeite. O criador da ânfora era frequentemente identificado por um selo na asa da vasilha.

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As inscrições também fornecem dados sobre a estrutura do negócio de exportação do óleo. Além de nomes simples, há muitas inscrições como “os dois aurelii Heraclae, pai e filho“, “o Fadii“, “Celsianus Cutius e Galaticus Fabius“, “os dois Junii, Melisso e Melissa“, “os parceiros Jacinto, Isidoro e Pollio“, “L. Phoebus Marius e Vibii Viator, e Retitutus“. Isso sugere que muitos dos envolvidos fossem membros de sociedades mistas, talvez pequenas oficinas que envolviam parceiros de negócios, equipes de pai e filho e libertos qualificados.

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Isto permitiu que os arqueólogos determinassem que o azeite nos navios era importado sob a autoridade do Estado e destinado para a urbis Annona (para o povo de Roma) ou a militaris Annona (para o exército). Estudos sobre a inscrição e a composição do monte sugerem que as importações de azeite de oliva de Roma atingiram um pico no final do século 2 d.C., quando cerca de 130.000 ânforas estavam sendo depositadas no local a cada ano.

Calcula-se que Roma importasse pelo menos 7,5 milhões de litros de azeite por ano. A primeira investigação arqueológica do monte começou em janeiro de 1872 pelo arqueólogo alemão Heinrich Dressel, que publicou seus resultados em um estudo pioneiro em 1878. Outros trabalhos importantes foram realizados na década de 1980 pelos arqueólogos espanhóis Emilio Rodríguez Almeida e José Remesal Almeida, que observaram uma presença muito grande de cerâmicas originadas da província romana de Bética no que hoje é a Espanha.

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Algumas das formas encontradas de ânforas romanas

Pelas pesquisas foi determinado que 80% das ânforas eram do tipo que ficou conhecido como Dressel 20 da Bética. Tais ânforas eram produzidas na província espanhola dos assentamentos romanos entre Hispalis (atual Sevilha), Corduva (Cordova) e Astigu (Ecija), e pesavam cerca de 30 quilos e tinham entre 70 e 80 centímetros de altura, com cerca de 60 centímetros de diâmetro. As ânforas deste tipo eram ideais para o transporte por mar, por serem fortes e de grande capacidade, qualidades essas, não encontradas em todos os tipos de ânforas.

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Menos frequentes na colina há fragmentos de ânforas, trazidas do Norte da África, principalmente da Tripolitânia (atual Líbia) e Bisacena (moderna Tunísia), também usadas para transportar azeite de oliva. As ânforas africanas constituem 15-17% de todas as ânforas encontradas na área da colina, os restantes 3-5% são de navios de vinho gálico ou italiano e também do espanhol Garum e de ânforas das províncias orientais. As ânforas africanas são muito diferentes das de Bética em sua forma e tamanho, uma vez que foram feitas em diferentes regiões e províncias.

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Antes das pesquisas científicas no monte, havia inúmeras suposições sobre a origem da antiga colina, incluindo a lenda de que a colina era supostamente um monte de entulhos dos edifícios da cidade que tinham sido destruídos pelo fogo a mando do Imperador Nero, ou eram fragmentos de urnas funerárias com restos cremados dos mortos, desde mesmo incêndio. Outra lenda muito difundida, era que se originou a partir de cacos de amphora Testaccio, que eram trazidas a Roma com os impostos recolhidos nas províncias.

O uso de Monte Testácio como depósito de ânfora parece ter cessado depois dos anos 260, talvez devido ao fato de o cais da cidade ter sido transferido para outro lugar. Um novo tipo de ânfora também foi introduzido por volta dessa época para transportar o azeite. A área ao redor da colina foi largamente abandonada após a queda de Roma.

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Como eram carregadas as ânforas dentro dos navios | Crédito da foto

Uma gravura de 1625 retrata Monte Testácio em isolamento em uma área de terreno baldio dentro das antigas muralhas da cidade, e mesmo em meados do século 19, a área ao redor era pouco mais do que um “deserto romântico” no qual estava situado apenas “algumas casas surradas”. Foi palco de torneios durante a Idade Média, quando monte foi palco da celebração da Quaresma.

Como parte das festividades, duas carroças cheias de porcos eram levadas até o topo da colina, depois soltavam-nas morro de volta pela encosta íngreme, até serem destruídas na base, acompanhadas com seus passageiros suínos. Os espectadores então, desmembrariam os porcos no local e levavam a carne para serem assadas e comidas.

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Picti tituli como eram chamados as inscrições nas ânforas | Crédito da foto

A colina foi usada militarmente por um breve período em 1849, quando foi instalada uma bateria de armas italiana, sob o comando de Giuseppe Garibaldi, na bem sucedida defesa de Roma contra um exército francês.

Seu significado econômico foi um pouco maior, pois descobriu-se que o interior do morro tinha propriedades incomuns de resfriamento que os investigadores atribuíam à ventilação produzida por sua estrutura porosa. Isso a tornou ideal para o armazenamento de vinho e cavernas foram escavadas para manter o vinho fresco no calor do verão romano.

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Monte Testácio também teve um significado religioso; antigamente era usada na Sexta-feira Santa para representar a colina do Gólgota em Jerusalém, quando o papa liderava uma procissão até o cume e colocava cruzes para representar as de Jesus e os dois ladrões crucificados ao lado dele. No cume do morro existe uma cruz permanente em comemoração ao evento. Não foi até depois da Segunda Guerra Mundial que a área ao redor da colina foi reconstruída como um bairro da classe trabalhadora.

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Vista do monte Testácio do início do século 20 | Crédito da foto
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Uma ânfora de azeite intacta preservada no Museu da Cidade de Winchester | Crédito da foto
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Simulação de como as ânforas eram transportadas dentro dos navios
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Fontana Delle Anfore, fonte situada próximo a um dos acessos ao monte Testácio | Crédito da foto

Fontes: 1 2 3 4

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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