Antigos ‘zoológicos humanos’, também conhecidos como ‘exibições etnológicas’, ‘exibições humanas’ ou ‘aldeias negras’ aparecerem em vários países ditos civilizados. Pessoas de culturas consideradas ‘primitivas’ eram mantidas em espaços fechados, servindo como atração para europeus e americanos, que viam nisso uma confirmação de sua própria superioridade.
A prática dos “zoológicos humanos” foi um fenômeno perturbador no final do século XIX e início do século XX, impulsionado pela curiosidade do mundo ocidental em relação a povos considerados “selvagens” e “primitivos”. Exploradores e aventureiros, buscando novas terras para colonizar, descreviam esses grupos de maneira exótica e isso alimentava o interesse público.
Essas exibições eram realizadas em várias cidades, como Paris, Hamburgo, Antuérpia, Barcelona, Londres, Milão e Nova York. Carl Hagenbeck, um comerciante de vida selvagem que posteriormente se tornou proprietário de muitos zoológicos na Europa, foi um dos pioneiros nesse tipo de espetáculo. Em 1874, ele apresentou os Samoanos e os Sami como exemplos de populações “puramente naturais”. Mais tarde, em 1876, sua Exposição Núbia, que exibia pessoas do Sudão egípcio, foi um sucesso em várias cidades europeias, como Paris, Londres e Berlim.
Hagenbeck continuou suas empreitadas, enviando um agente para Labrador em 1880 para secretamente trazer de volta esquimós e inuítes da missão da Morávia em Hebron. Esses grupos foram então exibidos em seu Tierpark em Hamburgo. Além disso, outras exibições incluíram tribos egípcias, beduínos e várias tribos e povos, onde Hagenbeck contratava agentes para participar das exposições etnológicas, buscando apresentar ao público modos de vida variados.
É importante reconhecer que essas práticas eram profundamente problemáticas, explorando e exibindo culturas como se fossem simples atrações, sem respeitar a dignidade e a humanidade desses povos.
O século XIX e início do século XX testemunharam a presença chocante de exibições humanas em eventos de grande destaque, como as Exposições Universais de Paris, Feira Mundial de St. Louis e outras exibições coloniais. Nessas ocasiões, pessoas de diferentes tribos e origens foram expostas como atrações para o público.
Na Exposição Universal de Paris em 1878 e 1889, a “Aldeia Negra” foi apresentada, com 400 pessoas de diversas tribos exibidas para os 28 milhões de visitantes. A Exposição de 1900 incluiu um famoso diorama retratando o povo de Madagascar. As exposições coloniais em Marselha (1906 e 1922) e Paris (1907 e 1931) também expuseram pessoas, frequentemente em jaulas e muitas vezes vestidas de forma inadequada.
Em eventos como a Feira Mundial de St. Louis em 1904, os Apaches e Igorots das Filipinas foram apresentados, coincidindo com os Jogos Olímpicos de Verão. Os EUA, após a Guerra Hispano-Americana, adquiriram novos territórios como Guam, Filipinas e Porto Rico, o que levou à exibição de alguns povos indígenas.
Uma situação particularmente indignante ocorreu em 1906 no Zoológico do Bronx, em Nova York, quando o pigmeu congolês Ota Benga foi exibido em uma jaula junto com macacos e outros animais. Essa exibição foi organizada por Madison Grant, que, como chefe da Sociedade Zoológica de Nova York, defendia teorias eugenistas. Benga foi retratado como o “Elo Perdido”, insinuando uma proximidade evolutiva entre africanos e macacos. Apesar dos protestos, a exibição atraiu grande público, demonstrando o nível de aceitação equivocada que esses espetáculos tiveram na época.
O caso de Ota Benga no Zoológico do Bronx em 1906 foi repleto de controvérsias. Benga, além de ser exibido em uma jaula com macacos, realizava atividades como tiro com arco, tecelagem de cestos e até mesmo lutava com um orangotango, criando um espetáculo perturbador.
Inicialmente, o público parecia aceitar essa exibição, conforme relatado pelo New York Times, que mencionou a falta de objeções claras à presença de um homem em uma jaula com macacos. No entanto, quando líderes religiosos afro-americanos, como o reverendo James H. Gordon, expressaram seu descontentamento, o debate ganhou força.
Gordon, que dirigia um orfanato no Brooklyn, afirmou que ver um membro da raça negra em tal situação era uma humilhação adicional para uma comunidade já marginalizada. Ele enfatizou a necessidade de serem vistos como pessoas com alma e dignidade. Essa indignação ecoou e, em apenas dois dias após o pronunciamento de Gordon, os diretores do zoológico optaram por encerrar a exposição.
Após o encerramento da exibição, Benga foi visto vagando pelo zoológico, seguido por uma multidão que o observava com curiosidade e, infelizmente, em alguns casos, com atitudes hostis devido às circunstâncias que cercavam sua presença no local.
Os zoológicos humanos do início do século 20 enfrentaram uma série de problemas graves. As pessoas pertencentes a tribos africanas eram obrigadas a vestir roupas tradicionais, mesmo em condições climáticas adversas, como os dias gelados de dezembro. Além disso, os aldeões filipinos eram constrangidos a realizar repetidamente um ritual sazonal de comer carne de cachorro para chocar o público.
As condições de vida eram precárias, com falta de acesso a água potável e saneamento inadequado. Essas condições de higiene insatisfatórias resultaram em surtos de doenças, como a dissenteria, que se espalhavam rapidamente entre os indivíduos expostos. Essas circunstâncias demonstram o descaso e a falta de respeito pelas condições humanas desses indivíduos, que eram tratados como meras atrações ao invés de seres humanos com necessidades básicas e direitos.
Essa prática chocante nos jardins zoológicos do passado frequentemente não incluía medidas de segurança para impedir a fuga das pessoas expostas, embora a maioria delas, especialmente aquelas trazidas de outros continentes, não tivesse para onde escapar. Esses indivíduos, enquanto estavam nessas chamadas “aldeias étnicas”, eram incentivados a representar atividades cotidianas, demonstrar habilidades consideradas “primitivas” aos olhos do público, como a confecção de ferramentas de pedra, danças e rituais simples. Em alguns casos, eram coagidos a participar de lutas encenadas ou cerimônias de iniciação, tudo como parte do espetáculo.
Essas atividades eram encenadas para satisfazer a curiosidade do público ocidental, que via esses povos como exóticos e inferiores. No entanto, essas representações eram extremamente desumanizantes, reduzindo culturas inteiras a estereótipos simplificados, sem respeitar a riqueza de suas tradições e identidades.
É surpreendente ver que não foi a indignação generalizada que encerrou esses zoológicos humanos. Nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, o foco do público estava voltado para o conflito geopolítico iminente e a crise econômica, o que desviou a atenção de questões humanitárias urgentes.
No decorrer do século 20, houve uma mudança nas preferências de entretenimento. A televisão gradualmente substituiu os circos e os zoológicos itinerantes, seja com seres humanos ou animais, como a forma dominante de entretenimento. A exposição de nativos ou grupos étnicos como forma de entretenimento caiu em desuso à medida que os gostos do público mudaram e esses espetáculos se tornaram considerados socialmente inaceitáveis e desatualizados.
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