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Projeto Isabela: Cabras traindo cabras nas ilhas Galápagos

A ilha de Isabela com 458.812 hectares constitui mais da metade da área terrestre do arquipélago de Galápagos, na costa oeste do Equador, e contém mais espécies endêmicas do que qualquer outra ilha do arquipélago. Embora a maioria dessas espécies endêmicas também esteja presente em outras partes do arquipélago, Isabela possui uma maior concentração de espécie endêmicas (40% de vertebrados endêmicos e 66% de plantas endêmicas). Muitas dessas populações estão atualmente seriamente ameaçadas.

Os caprinos não são uma espécie nativa nas Ilhas Galápagos, que é um tesouro em espécimes ecológicos únicos. Eles foram abandonados em séculos anteriores por piratas, pescadores e baleeiros que os abandonaram para garantir um suprimentos de carne fresca nas ilhas, quando voltassem ao arquipélago e mais tarde, também foram introduzidos por colonizados.

Projeto Isabela: Cabras traindo cabras nas ilhas Galápagos
Crédito da foto

Como as cabras são capazes de se reproduzir duas vezes por ano e se adaptar facilmente a circunstâncias adversas, sua população cresceu incontrolavelmente em todas as principais ilhas – Floreana, Santa Fé, Santa Cruz, San Cristóbal, Isabela, Pinta e Marchena. Elas podem até beber água salgada quando a água doce é escassa. Duas das espécies invasoras mais comumente conhecidas das Ilhas Galápagos são a cabra-brava (Capra hircus) e a amora-preta (Rubus niveus), que tem a característica de subir arbusto e considerado também uma praga nas Ilhas Galápagos.

O norte da ilha de Isabela permaneceu livre de caprinos desde sua origem até meados de 1970. Não se sabe como eles chegaram naquela parte da ilha, de difícil acesso. Eles podem ter cruzado o istmo Perry, na parte meridional da ilha durante um ano especialmente chuvoso, ou talvez escapados de barcos de pescas que costumavam manter os caprinos vivos a bordo, como forma de ter leite e carne fresca durante as viagens de pesca. Em 1997, estimava-se que havia entre 100.000 a 150.000 caprinos no norte de Isabela, em uma área de cerca de 250.000 quilômetros quadrados.

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Vista do vulcão Alcedo na Ilha Isabela (esquerda) e Terras Altas na ilha Santiago (direita) antes e depois da remoção de cabras.

O isolamento extremo e o clima favorável das ilhas, devido à sua localização no equador, permitiram que várias espécies evoluíssem características peculiares adequadas aquele ambiente. A iguana, por exemplo, é um réptil terrestre. Mas as espécies de Galápagos aprenderam a nadar e agora também, podem procurar comida no mar. Já as aves cormorões que habitam as ilhas não voam, pois perderam a capacidade de voar e estão confinadas nas ilhas. Mais estranho ainda são os pinguins de Galápagos, que ao contrário de seus primos do sul, aprenderam a se adaptar aos verões sem fim neste paraíso tropical. E principalmente, as tartarugas gigantes, com suas carcaças cinzas e enorme expectativa de vida, são as estrelas do arquipélago.

No fim do século 20, a tartaruga gigante de Galápagos estava à beira da extinção. Sua população de mais de 250.000 indivíduos no século 16, caiu para apenas 3.000 na década de 1970. principalmente devido à caça maciça dos seres humanos. As tartarugas são relativamente lentas e indefesas e, portanto, fáceis de serem capturadas e armazenadas vivas a bordo dos navios, onde poderiam sobreviver por um ano sem comida, fornecendo um bom estoque de carne fresca aos marinheiros.

Quem já provou a carne da tartaruga gigante, descreve-a como a “comida mais deliciosa que já provou“. Um capitão da Marinha dos Estados Unidos declarou que “depois de provar as tartarugas de Galápagos, todos os outros alimentos de origem animal para mim se tornaram insonsos“. Até Charles Darwin achou a carne da tartaruga gigante “muito boa” e que as “tartarugas jovens davam excelentes sopas“.

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Quando às pessoas começaram a estabelecer colônias nas ilhas Galápagos, no início do século 19, a população de tartarugas gigantes caiu drasticamente. Além da caça indiscriminada, essas imigrantes introduziram espécies invasoras na ilha, como cabras, porcos, burros, gatos, etc, que prejudicaram o frágil ecossistema. Os maiores invasores de todos, foram as cabras. Estes herbívoros enganosamente inofensivos devoraram toda a vegetação disponível, incluindo algumas das plantas mais raras do mundo, e competiram com espécies nativas pelos parcos recursos da ilha. Enquanto as cabras desnudavam as ilhas, as tartarugas começaram a desaparecer.

As cabras comem tudo o que cruza seu caminho. Isso significa que as florestas em crescimento foram rapidamente transformadas em campos e que as mudas da planta endêmica não tiveram chance de sobrevivência. Elas eliminaram muitas plantas endêmicas das famílias de samambaias, ervas e arbustos e outras espécies conhecidas como acácias, opuntias e escalasias. Isso acabou sendo catastrófico para outras espécies animais que se alimentavam delas, como tartarugas, iguanas terrestres, passarinhos e tentilhões de cactos. Isso fez com que muitas dessas espécies começassem a desaparecer. As únicas áreas de vegetação que sobreviveram em ilhas infestadas foram aquelas inacessíveis aos caprinos.

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Em 1995, foi tomada a decisão de erradicar as cabras de Galápagos pelo Parque Nacional de Galápagos e da Fundação Charles Darwin, para salvar a flora e a fauna nativas da ilha. Entendia-se que era necessária uma abordagem agressiva. Dois anos depois, foi elaborado um esboço do Projeto Isabela, segundo o qual, cabras e burros deveriam ser erradicados da ilha Isabela, porcos, cabras e jumentos da Ilha de Santiago, e cabras da Ilha Pinta.

O trabalho começou em 1999, com uma equipe de atiradores especializados vasculhando as três ilhas a pé e depois em helicópteros, atirando nas cabras do ar. Foi um dos programas de erradicação mais avançados da época. Em poucos anos, 90% das cabras foram erradicas com relativa facilidade. Mas como as cabras se tornaram mais raras e também mais difíceis de serem achadas. “Tivemos que trazer helicópteros, rifles com miras telescópicas e munições para uma das partes mais remotas do mundo. Esta foi uma época em que o Departamento de Estados dos EUA estava tentando restringir essas coisas em qualquer lugar perto da Colômbia“, disse o dr. Karl Campbell, o gerente de campo que dirigiu as operações do Projeto Isabela.

Projeto Isabela: Cabras traindo cabras nas ilhas Galápagos
Mapa das Ilhas Galápagos por Peter Hermes Furian / Shutterstock.com

As cabras restantes aprenderam a ser cautelosas e muito esquivas e começaram a se esconderem em arbustos, cavernas ou túneis de lava. Os dez por cento restantes de cabras, tornaram-se cada vez mais difíceis de remover. Para alcançar os objetivos de erradicação total, os organizadores empregaram uma técnica chamada “cabra de Judas“.

Algumas centenas de cabras foram capturadas, esterilizadas e injetadas com hormônios para torná-las permanentemente em cio (estro), e assim se tornaram iscas irresistíveis. Também foram equipadas com coleiras de rastreamento por rádio e liberadas nas ilhas. Como as cabras são animais sociáveis, elas instintivamente procuraram as outras cabras e, seguindo eletronicamente as cabras de Judas, os caçadores conseguiram rastrear as cabras remanescentes nas ilhas. Uma vez que um rebanho era localizado, os caçadores matavam todos as cabras, exceto as traidoras, para que elas pudessem procurar mais caprinos esquivos.

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Os corpos das cabras mortas, eram deixados apodrecer na área para que os valiosos nutrientes que as cabras consumiam na ilha, retornassem ao solo. Extrair a carne das cabras, seria remover os nutrientes da ilha para sempre. “Pode ser muito destrutivo, como remover 10.000 árvores de uma floresta tropical“, comentou Karl Campbell. “É melhor deixar os corpos se decomporem no solo“. Um punhado de cabras, no entanto, serviu como alimentação da equipe de erradicação.

Mais de duzentas cabras de Jubas forma implantadas na ilha de Santiago, e cerca de 770 na ilha de Isabela ao longo de dois anos. Em 2006, elas eram as únicas cabras que ainda restavam nas ilhas. Tais cabras no fim, também foram abatidas, deixando apenas vinte ou trinta na ilha de Santiago e cerca de 260 na ilha de Isabela. Estas foram deixadas viverem nas ilhas para fins de monitoramento.

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Restos de tartarugas mortas por caçadores nas Ilhas Galápagos, por volta de 1903. | Crédito da foto

Depois que o arquipélago se livrou das cabras, a vegetação sofreu uma recuperação surpreendente. Pequenas árvores começaram a se regenerar dos tocos deixados pelas cabras. Espécies de arbustos das terras altas, mudas de árvores florestais, cactus opuntia e outras espécies endêmicas aumentaram em número. A população de pássaros conhecidos como Sanã-dos-galápagos (Laterallus spilonota), que quase não tem asas aumentou e, graças a outros esforços de conservação, como a criação em cativeiro, a população de tartarugas gigantes também se recuperou.

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O Projeto Isabela foi o maior esforço de recuperação do mundo até o momento. Em sete anos, mais de 140.000 cabras foram erradicadas de meio milhão de hectares de terra a um custo de 10,5 milhões de dólares. As últimas centenas de cabras foram as mais difíceis e as mais caras para serem mortas. O sucesso do projeto levou os conservacionistas a lançar o programa de erradicação das cabras em mais de três ilhas. Juntamente com a caça aérea, caça ao solo com cães e as cabras de Judas, mais dez mil cabras foram eliminadas entre 2006 e 2009.

A técnica de utilizar cabras de Judas têm sido usadas nas últimas décadas em mais de 80 projetos de erradicação de cabras em ilhas e outros projetos de controle de caprinos na Austrália, Nova Zelândia, França e Estados Unidos. As técnicas foram aperfeiçoadas para serem mais humanas e eficazes, garantindo que o processo de caça seja concluído de maneira rápida e eficaz.

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Fontes: 1 2

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