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Tÿ Unnos: A casa de uma noite

Na região de Llanycefn, no pitoresco cenário de Pembrokeshire, no sudoeste do País de Gales, ergue-se uma modesta moradia de pedra. Segundo a lenda, esta casa surgiu em uma única noite, em conformidade com a tradição do tÿ unnos, ou “casa em uma noite”, como é conhecida em inglês.

De acordo com essa antiquíssima prática, qualquer indivíduo capaz de erguer uma habitação em terras desocupadas, do entardecer ao amanhecer, tinha o direito de reivindicar não só a casa, mas também o terreno onde ela se encontrava. Versões dessa tradição mencionavam a necessidade de um fogo aceso na lareira ao raiar do dia, com a fumaça a escapar pela chaminé como prova do feito realizado. Além disso, relatos sugeriam que o ocupante poderia estender os limites de suas terras a partir dos quatro cantos da casa, lançando um machado à distância máxima que alcançasse.

O Llainfadyn Cottage em Rhostryfan era originalmente uma casa de uma noite. Crédito da foto: museum.wales

A prática do tÿ unnos, embora não tivesse respaldo legal, tornou-se comum no País de Gales e na Grã-Bretanha entre os séculos XVII e XIX. Nesse período, muitos proprietários de terras delimitaram vastas propriedades privadas, expulsando aqueles que viviam e subsistiam nessas áreas. Empurrados para as margens, muitos camponeses adotaram a prática de construir casas sob o véu da escuridão, na esperança de burlar seus senhores gananciosos.

Nas zonas rurais da Grã-Bretanha, é possível encontrar várias aldeias onde residências são identificadas como casas de posseiros, construídas em uma única noite, de acordo com o folclore local. Originalmente, essas casas eram erguidas com uma mistura simples de barro, grama e palha, pois o uso de outros materiais exigiria mais esforço e tempo.

Casa de campo Penrhos em Pembrokeshire. Crédito da foto: Rory Pearce/Flickr

O processo iniciava-se com a família do ocupante e seus amigos reunindo materiais de construção e transportando-os para o local, prontos para iniciar assim que o sol se punha no horizonte. Trabalhando ao longo da noite, eles levantavam quatro paredes simples e adicionavam um telhado de palha. Detalhes não essenciais, como janelas, eram deixados para serem acrescentados posteriormente, mas uma porta era essencial para proteger a entrada. Com o nascer do dia, acendia-se o fogo na lareira, e a fumaça que saía da chaminé servia como comprovação de que a construção estava concluída e uma nova moradia estava estabelecida.

Depois de assegurar a reivindicação da família sobre a terra, a casa era gradualmente reconstruída com materiais mais duráveis, como pedra e ardósia. Por essa razão, apesar de haver muitas casas construídas sob a tradição do tÿ unnos, não existem exemplos originais preservados até os dias atuais.

A Casa Feia perto de Betws-Y-Coed — outro exemplo de ty unnos. Crédito da foto: Steve Daniels/Wikimedia Commons

Um exemplo notável de um edifício tÿ unnos é o Penrhos Cottage em Pembrokeshire. Este modesto lar de dois cômodos abrigou gerações de famílias antes de ser abandonado. Na década de 1970, foi adquirido pela administração local e convertido em um museu. Outra instância é a casa de campo Llainfadyn, construída em 1762 em Rhostryfan, Gwynedd, que funciona como museu desde 1962. O último tŷ unnos conhecido foi erguido em 1882 em Flintshire por quatro irmãos de Lancashire. Uma narrativa fictícia de sua empreitada é encontrada no romance “Cidade dos Cogumelos” de Oliver Onions, publicado em 1914.

A ideia da casa construída em uma noite não se restringe apenas ao País de Gales. Há costumes e folclores semelhantes na Irlanda, Itália, França e Turquia. No leste da França, por exemplo, era comum entender que todos tinham o direito de reivindicar uma parte das terras da comunidade para erguer uma casa entre o pôr e o nascer do sol. Às vezes, os membros mais jovens de famílias carentes passavam todo o inverno preparando a madeira para suas casas junto com familiares e amigos. Então, em uma noite especial, quando tudo estava pronto, a família se reunia em um terreno baldio e, com destreza, construía a casa, desde a base de madeira até o telhado de palha.

Casa de campo Llainfadyn em Rhostryfan. Crédito da foto: Ozymandias/Flickr

A tradição de construir habitações rapidamente durante a noite é também observada na Turquia. Em Istambul, a capital, quase metade da população vive em gecekondu, moradias temporárias erguidas rapidamente, muitas vezes ao longo de uma única noite. No livro “Cidades Sombrias”, o autor Robert Neuwirth descreve como esses ocupantes se aproveitam de uma lacuna legal: se a construção iniciar após o anoitecer e o ocupante se mudar para a casa pronta antes do amanhecer do dia seguinte sem chamar a atenção das autoridades, estas são proibidas de demolir a construção no dia seguinte. Em vez disso, devem iniciar um processo legal nos tribunais, aumentando as chances do ocupante manter a posse.

A origem dessa lenda amplamente difundida é desafiante de rastrear. Há uma lei tribal galesa que menciona que todo homem livre tinha direito, em seu casamento, “ao cultivo de vários pedaços de terra“, e que um ÿ-unnos era construído quando um jovem se casava. Da mesma forma, antigas leis nórdicas estipulavam que todo homem tinha o direito de construir para si uma cabana (moradia nas terras altas para uso no verão) e ocupar terras até onde pudesse lançar sua faca.

Diversos estudiosos sugerem que essa tradição pode ter origens na antiga lei germânica, na lei romana, na lei otomana ou até mesmo na lei indo-europeia. Na realidade, porém, ninguém sabe ao certo a origem desta antiga lenda subversiva.

Fontes: 1 2

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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