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Gbadolite, a Versalhes da Selva

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Mobutu Sese Seko

Nas profundezas da floresta da República Democrática do Congo, a cerca de 1.100 quilômetros da capital, Kinshasa, se localiza a decadente cidade de Gbadolite ou Gebadolite, lar de quase duzentas mil pessoas. Cinquenta anos atrás, Gbadolite era uma pequena vila de 1.500 habitantes de um país chamado Zaire e nem constava em mapas.

Gbadolite foi a casa e residência ancestral de Joseph-Désiré Modutu, mais tarde autodenominado como Mobutu Sese Seko, que após de tornar presidente do país, transformou a pequena vila num cidade próspera.

Em uma década, num programa de modernização idealizado pelo então presidente, foram construídos um aeroporto, que poderia receber um concorde, hotéis cinco estrelas, supermercados, shoppings, faculdades, hospitais com instalações de alta tecnologia e vários palácios para Mobutu. Todos eles estão atualmente em ruínas, sendo engolidos pela selva.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Palácio de Mobutu. Em seu apogeu, empregava mais de 700 funcionários – incluindo motoristas, chefs e criados – bem como 300 soldados

O governante despótico do DROC (então chamado Zaire) Mobutu Sese Seko sitiou o poder em 1965 em um golpe militar sem derramamento de sangue e se estabeleceu como o ditador militar do país. Durante seu regime totalitário que durou três décadas, Mobutu acumulou vasta riqueza pessoal por meio de exploração e da corrupção, e solidificou seu domínio sobre o país com um sistema de patrocínio econômico e político que o tornou um queridinho dos Estados Unidos.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Uma fonte com estátuas de leões. Apenas dois dos quatro originais permanecem

Capitalizando as tensões da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, ele ganhou apoio significativo do Ocidente e de suas organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, que estava mais do que disposto a bancá-lo apesar das violações generalizadas dos direitos humanos e da inflação descontrolada em que o país estava mergulhado.

O nível de corrupção era tão alucinante, que de acordo com as estimativas mais conservadores, ele roubou cinco bilhões de dólares dos cofres de seu país, mas algumas fontes estimam que o número chega a quinze bilhões de dólares.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Uma ponte inacabada em Gbadolite

Ele possuía mansões luxuosas ao redor do mundo, gostava de viajar em férias prolongadas para destinos como Disneylândia ou Paris com um grande número de parentes e cortesãs em jatos Boeing 747 ou Concordes especialmente fretados.

Entre suas posses estavam um castelo do século 16 na Espanha, um palácio de 32 quartos na Suíça e residências em Paris, Riviera Francesa, Bélgica, Itália, Costa do Marfim e Portugal. No entanto, o principal exemplo de seus excessos, estava perto de casa, em sua cidade natal Gbadolite.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Dentro do quarto de Mobutu. Todo o telhado do palácio desapareceu, deixando apenas um esqueleto de vigas de aço vermelho

Essa remota aldeia no interior da África foi transformada em uma cidade luxuosa, muitas vezes apelidada de “Versalhes da Selva“. Mobutu construiu três grandes palácios revestidos de mármore, um motel com 100 quartos administrado pela família Mobutu, um aeroporto com uma extensa de pista longa o suficiente para acomodar um Concorde, bem como um bunker nuclear que poderia abrigar mais de 500 pessoas.

Uma estação de comunicação por antena parabólica fornecia televisão em cores e serviço telefônico. Os cuidados de saúde eram prestados por um hospital gerido pela Alemanha e havia até uma fábrica de engarrafamento da Coca-Cola.

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Dentro dos jardins do palácio. Lentamente, mas com segurança, o palácio está sendo reivindicado pela selva

David Smith, escrevendo para o jornal The Guardian descreve uma das opulentas residências de Mobutu:

Seu palácio particular, a onze quilômetros da cidade de Kawele, era repleto de pinturas, esculturas, vitrais, móveis franceses estilo Luís XIV, mármore de Carrara da Itália e duas piscinas cercadas por alto-falantes tocando constantemente seus adorados cantos gregorianos ou música clássica. Recebeu inúmeras noites vistosas com champanhe Taittinger, salmão e outras comidas servidas em esteiras rolantes por chefes congoleses e europeus.

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Caminhando entre as ruínas. Palácio particular de Mobutu, a 11 km da cidade em Kawele

Mobutu recebeu muitos dignitários internacionais em seu residência, incluindo o Papa João Paulo II, o rei da Bélgica, o presidente francês Valéry Giscard d’Estaing, o secretário-geral da ONU Boutros Boutros Ghali, o auto-declarado imperador Jean-Bédel Bokassa da República Centro-Africana, O televangelista americano Pat Robertson, o barão do petróleo David Rockefeller, o empresário Maurice Tempelsman e o diretor da CIA, William Casey.

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O portão de entrada e a estrada para o complexo do palácio principal

Durante o período da Guerra Fria, Mobutu ajudou a manter a União Soviética longe das fabulosas riquezas naturais da África. Mas depois que a Guerra Fria acabou e a União Soviética foi dissolvida, os EUA e as potências ocidentais não estavam mais dispostos a financiar Mobutu. Em vez disso, começaram a pressionar Mobutu para democratizar o regime. O governo Bush, até negou o visto quando ele tentou visitar Washington DC.

Mobutu teria lamentado “Eu sou a última vítima da Guerra Fria, não somos mais necessários para os EUA. A lição é que que meu apoio à política americana não conta mais para nada“.

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Uma fonte com estátuas de leões. Apenas dois dos quatro originais permanecem

Em 1996, sofrendo de câncer na próstata. Mobutu foi à Suíça para se tratar. De volta ao seu país, os rebeldes pegaram em armas e com a ajuda das forças do governo vizinho, derrubaram Mobutu. Seu exército quase não ofereceu resistência. Mobutu fugiu do país indo para o Togo e depois ao Marrocos onde veio a falecer aos 66 anos.

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François Kosia Ngama, cuja avó era professora da mãe de Mobutu, está na piscina abandonada

Os palácios de Mobutu em Gbadolite foram saqueados e destruídos pelos rebeldes. Eles quebraram móveis, arrancaram cortinas de seda e roubaram tudo o que tinha valor. Muitas das estruturas nem têm telhado agora. A fábrica de engarrafamento da Coca-Cola, que antes fornecia empregos a 7.000 pessoas fechou e foi transformada em uma base logística da ONU. O prédio do Ministério da Água, que nunca foi concluído, tornou-se uma escola improvisada.

Gbadolite é agora uma sombra do que era. “A selva retomou a terra. Colunas de estilo romano agora se projetam através das árvores, enormes vasos que revestem um lago ornamental foram envolvidos por videiras e as piscinas de vários níveis estão cheias de larvas de mosquitos“, observou o documentarista Robin Barnwell.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Assento de cinema rasgado dentro do Motel Nzekele

O Motel Nzekele de cinco estrelas agora está decadente, mas ainda aberto, recebendo hóspedes ocasionais. O cinema apesar de ser uma construção moderna, está abandonado, com seus assentos rasgados e se deteriorando. A sala onde o projetor costumava ficar, está vazia e com o teto desabando. O aeroporto continua também funcionando, mas com apenas duas ou três aeronaves pequenas da ONU utilizando a pista, algumas vezes por mês.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
A torre de controle de tráfego aéreo do aeroporto internacional de Gbadolite, cuja pista é longa o suficiente para acomodar o Concorde

O ex presidente, apesar de morto ainda tem muitos apoiadores que continuam cuidando de suas casas em ruínas, e oferecem aos visitantes um passeio pelo lugar em troca de alguns trocados. “Eu cuido deste lugar porque é de um dos novos. Embora Mobutu tenha morrido, ele o deixou para nós“, disse um dos auto-intitulados zeladores.

François Kosia Ngama, cuja avô ensinou a mãe de Mobutu, relembra os dias de glória do passado de Gbadolite, quando o palácio empregava 700 a 800 pessoas, entre motoristas, criados, chefes de cozinha e outros funcionários, além de mais de 300 soldados. “Quando eu vinha para cá, sentia que estava no paraíso. Foi maravilhoso. Todos comiam de acordo com seu desejo“, disse ele ao The Guardian.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
O Motel Nzekele, construído por Mobutu, tinha cinco estrelas quando foi inaugurado em 1979

As pessoas eram pobres, mas não conseguíamos ver isso“, continuou François. “Nós pensamos que todos estavam bem. O exército era organizado e bem pago. Havia roupas vinda da Holanda e as mulheres tinham dinheiro para comprá-las. Na educação, os professores ganhavam bons salários e não podiam reclamar muito. Alguns precisavam de bolsos grandes para carregar todo o dinheiro cada vez que eram pagos. A maioria dos professores tinham seu próprio meio de transporte, bem diferente da realidade de agora.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
Dentro da escola

Elias Mulungula, ex ministro e devoto de Mobutu, disse: “O presidente Mobutu foi um ditador positivo, não negativo. Ele sabia quais métodos usar para preservar a unidade, a segurança e a paz de seu povo. Você poderia se sentir em casa em qualquer lugar do Congo sob o regime de Mobutu. Não há liberdade sem segurança. Ele entendeu o que as pessoas precisavam na época.

Até mesmo os inimigos do ex presidente concordam que Mobutu foi mais útil do que alguns de seus sucessores. “Com Mobutu tínhamos um estado, mas ele era um ditador. Hoje não temos um Estado – é uma selva“, disse Joseph Olenghankoy, que foi preso 45 vezes pelo regime de Mobutu.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
O terminal de desembarque do aeroporto

Também há muitos que lamentam a destruição gratuita de Gbadolite. Joseph Olenghankoy, presidente do partido de oposição Forças pela União e Solidariedade, expressou pesar pelo declínio de Gbadolite:

Mobutu é um homem, ele se foi, mas todas essas coisas deveriam permanecer propriedade do Estado. O erro deste país é que destruíram e saquearam tudo. Eles estavam fazendo isso para apagar a memória de Mobutu, mas a história deveria ser preservada. A história pode ser positiva ou negativa, mas continua a ser a nossa história e devemos passá-la de uma geração para outra.

Gbadolite, a Versalhes da Selva
O prédio do Ministério da Água nunca foi concluído e agora é usado como uma escola
Gbadolite, a Versalhes da Selva
O terminal principal do aeroporto de Gbadolite
Gbadolite, a Versalhes da Selva
Dentro do terminal principal do aeroporto
Gbadolite, a Versalhes da Selva
Dentro da torre de controle abandonada
Gbadolite, a Versalhes da Selva
Um mural do ex-presidente Mobutu na frente do gabinete do prefeito em Gbadolite.

Fotos de Sean Smith (The Guardian)

Fontes: 1 2 3

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