Histórias

Guerra dos Ossos, a disputa na descoberta de fósseis

Guerra dos Ossos refere-se a um período de intensa especulação e descoberta de fósseis durante a chamada Gilded Age na história dos Estados Unidos, marcada por uma acalorada rivalidade entre Edward Drinker Cope (1840-1897), da Academy of Natural Sciences da Filadélfia, e Othniel Charles Marsh (1831-1899), do Museu Peabody de História Natural na Universidade de Yale. Os dois paleontólogos recorreram a métodos desonestos para se superarem, como roubos, subornos e destruição de fósseis. Eles também se atacaram em trabalhos científicos, tentando arruinar a credibilidade do seu rival para deixá-lo sem financiamento para suas pesquisas.

Guerra dos Ossos, a disputa na descoberta de fósseis
A rivalidade entre Othniel Charles Marsh (esquerda) e Edward Drinker Cope (direita) deflagrou a Guerra dos Ossos.

As suas buscas por fósseis os levaram para o oeste em direção aos ricos depósitos de ossos no Colorado, Nebraska e Wyoming. Entre 1877 e 1892, ambos usaram a sua riqueza e influência para financiar suas próprias expedições e obter serviços e ossos de dinossauros de caçadores de fósseis. No final da Guerra dos Ossos, ambos esgotaram os seus recursos na busca de supremacia paleontológica.

Cope e Marsh foram economicamente e socialmente arruinados por seus esforços em desonrar um ao outro, mas as suas contribuições para a ciência e para a disciplina da paleontologia foram imensas e proveram material substancial para trabalhos futuros – ambos os cientistas deixaram muitas caixas fechadas de fósseis após suas mortes.

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Apatosaurus. no Dinosaur Museum Aatal (subúrbio de Zurique, Suíça).

A disputa entre os dois levou à descoberta e descrição de mais de 136 novas espécies de dinossauros. A Guerra dos Ossos teve como resultado uma maior compreensão da vida pré-histórica e despertou o interesse público nos dinossauros, levando a uma investigação mais aprofundada dos fósseis na América do Norte durante as décadas seguintes. Foi publicada uma considerável quantidade de livros históricos e adaptações de ficção sobre este período de intensa atividade paleontológica.

Aparentemente, Cope e Marsh se conheceram em Berlim, em 1864, enquanto Marsh estava estudando lá. Embora existam poucos detalhes sobre o relacionamento inicial, é evidente que eles se respeitavam ou até eram amigos. Cope nomeou um fóssil de anfíbio Pytonius marshii depois que Marsh retribuíram a honra ao nomear uma espécie de serpente recém-descoberta, Mosasaurus copeanus.

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Marsh (em pé, no centro), cercado por assistentes armados em sua expedição de 1872. Marsh gastou pouco tempo no campo, geralmente delegando esta tarefa aos seus agentes.

No entanto, a relação entre eles piorou com o tempo, devido em parte à natureza temperamental de ambos. Cope era conhecido por ser agressivo e tinha um temperamento explosivo, Marsh era mais lento, metódico e introvertido. Ambos eram briguentos e desconfiados. 

Suas diferenças também atingiram o nível científico: Cope era um forte defensor do neolamarquismo, enquanto que Marsh apoiava a teoria de Charles Darwin da evolução por seleção natural. Mesmo quando eles eram amigos, eles tinham uma tendência a desprezar-se sutilmente. Como um observador explicou: “O nobre Edward poderia ter considerado que Marsh não era exatamente um cavalheiro. O acadêmico Othniel provavelmente considerou que Cope como não era muito profissional”.

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Tiranossauro rex

Cope e Marsh tinham origens muito diferentes. Cope nasceu em uma família quaker rica e influente na Filadélfia. Embora seu pai quisesse que ele trabalhasse como agricultor, Cope distinguiu-se como naturalista. Em 1864, já como membro da Academy of Natural Sciences, tornou-se professor de zoologia na Haverford College e se juntou a Ferdinand Hayden em suas expedições ao oeste. Marsh, filho de uma família de poucos recursos de Lockport, Nova Iorque, teria crescido na pobreza se não fosse a ajuda de seu tio, o filantropo George Peabody. 

Marsh convenceu seu tio a construir o Museu Peabody de História Natural e obteve o cargo de diretor do museu. Isso, junto com a herança que recebeu de Peabody quando ele morreu em 1869, tornou sua vida financeiramente confortável, mas, devido em parte à inflexibilidade de seu tio sobre o casamento, Marsh permaneceu solteiro por toda a vida.

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Marsh e o líder sioux Nuvem Vermelha em New Haven, Connecticut, c. 1880

Em 1868, os dois cientistas tinham ido em uma expedição para coletar fósseis nos depósitos de marga, em Nova Jersey, onde William Parker Foulke tinha descoberto o holótipo do Hadrosaurus foulkii, descrito pelo paleontólogo Joseph Leidy (com base nos estudos que Cope realizou sobre anatomia comparada), esta foi uma das primeiras descobertas de dinossauros nos Estados Unidos e os poços ainda eram ricos em fósseis. Embora os dois partilhassem amigavelmente o local, Marsh secretamente subornou os trabalhadores para trazer-lhe os fósseis descobertos, ao invés de dar a Cope. 

Naquele mesmo ano, Cope mostrou a Marsh a montagem dos ossos do plesiossauro Elasmosaurus, um grande réptil marinho do período Cretáceo Superior, e Marsh apontou que as vértebras (espinhas dorsais) estavam orientadas para trás. Depois de uma forte troca de ideias, eles concordaram que o curador da Academia Joseph Leidy decidisse quem estava certo. Leidy prontamente removeu a cabeça de uma das pontas e a colocou no que Cope pensava ser a cauda. Posteriormente, Cope tentou freneticamente coletar todas as cópias de uma publicação impressa recentemente que continha sua reconstrução errônea. Leidy expôs o erro e tentou encobrir na próxima reunião da Academia de Ciências Naturais. Assim começou a infame rivalidade entre os dois cientistas.

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Nesta foto de 1934 à direita – o esqueleto de um Apatossauro com o crânio de outro dinossauro

Depois que a ferrovia transcontinental foi concluída em 1869, Cope e Marsh foram para o oeste em busca de fósseis. Eles encontraram tesouros com os quais outros só podiam sonhar. Com a ajuda de guias nativos americanos, Marsh fez várias descobertas historicamente significativas, incluindo pássaros antigos com dentes, considerados o elo perdido entre os dinossauros e os pássaros modernos.

Cope também encontrou achados importantes, mas Marsh negou com sucesso sua autenticidade, apontando que eles pertenciam a outras espécies conhecidas. Cope, indignado com esse comportamento, decidiu enviar telegramas para se adiantar a Marsh. Ele até adquiriu uma revista de boa reputação para que futuras publicações fossem imediatamente impressas. Marsh confiou apenas em sua sorte para estar na dianteira das descobertas.

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Esqueleto quase completo de Allosaurus descoberto por caçadores de fósseis a serviço de Cope em Como Bluff em 1879. O achado não foi desencaixotado até depois de sua morte

Em 1878, Marsh comprou uma promissora área para exploração em Como Bluff, Wyomin. Continha toneladas de restos mortais, incluindo quase todo o esqueleto de um enorme dinossauro, que Marsh chamou de Brontossauros. Nos dez anos seguintes, os homens de Marsh entregaram mais de 480 caixas de ossos de dinossauros encontrados em Como Bluff. A equipe descobriu dezenas de novas espécies. No entanto, os assessores de Marsh às vezes se comportavam de forma descuidada em relação às descobertas. Eles destruíram fósseis para evitar que caíssem nas mãos de Cope. Desesperado por não estar acompanhando Marsh, Cope decidiu investir sua fortuna cada vez menor na mineração de prata, no Novo México. O empreendimento fracassou e ele ficou sem um tostão.

Cope cogitou a ideia de vender sua preciosa coleção, e assim ter recursos para novas explorações. Enquanto isso, Marsh foi reconhecido como um dos principais paleontólogos do US Geological Survey. Esta organização governamental freqüentemente patrocinava expedições ao Ocidente, fornecendo à expedição ainda mais recursos para continuar as explorações. A Guerra dos Ossos ganhou atenção pública depois que Cope publicou um artigo em um tabloide que acusava Marsh de plágio, fraude e corrupção. Marsh revidou e os dois cientistas continuaram a estragar a reputação um do outro, nem mesmo pensando que era hora de se acalmarem.

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Como Bluff, em Wyoming nos Estados Unidos

Quando Cope faleceu em 1869, ele doou seu crânio para a ciência, na esperança de provar que seu cérebro era maior do que o do rival. No entanto, Marsh se negou a participar desta disputa. Embora Marsh tenha nomeado mais espécies do que Cope, ambos os cientistas expandiram muito a nossa compreensão da evolução. No entanto, essa busca pela supremacia exclusiva nos lembra que, apesar de todos os ideais, a ciência pode ser um assunto pessoal, e às vezes por pessoas gananciosas e mal intencionadas. Mas este não é o fim da história da Guerra dos Ossos…

Em 1877 em meio a “guerra dos ossos”, quando Marsh identificou o fóssil de um novo lagarto desconhecido da ciência, encontrados no Colorado (EUA), chamou de Apatossauro (do grego: lagarto falso). Dois anos depois, ele também encontrou o esqueleto de um outro dinossauro, que o paleontólogo chamou de Brontossauro (lagarto do trovão). Foi o primeiro esqueleto deste dinossauro do mundo, tão bem preservado até hoje: faltava apenas uma cabeça, um par de patas e a ponta de uma cauda. O Brontossauro foi exibido no Museu de História Natural de Yale.

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Ilustração de Marsh de 1896 do Stegosaurus, um dinossauro que ele descreveu e nomeou em 1877.

Mas em 1903, Elmer Riggs escreveu um artigo na Série Geológica do Museu de Campo Colombiano que partes do esqueleto de um Brontossauro lembram muito um Apatossauro. Não demorou muito para que os cientistas concordassem com Riggs; o primeiro esqueleto acabou por ser um indivíduo mais jovem. 

Muito mais tarde, foi encontrada a cabeça de um brontossauro (desculpe, apatossauro), que foi solenemente colocado em um outro esqueleto. Infelizmente, ocorreu um erro com isso. Descobriu-se que o apatossauro foi creditado com o crânio de outro lagarto – Kamarasaurus. Isso ficou claro quando eles encontraram o crânio real do apatossauro ao lado do esqueleto “nativo”, e isso aconteceu apenas em 1975.

A se julgar puramente pelos números, Marsh “venceu” Cope na “guerra”. Ambos os cientistas fizeram descobertas de valor científico incrível, mas enquanto Marsh descreveu um total de 80 novas espécies de dinossauros, Cope descreveu “apenas” 56. Nos últimos estágios do conflito, Marsh simplesmente tinha mais homens e mais dinheiro para a sua disposição que seu adversário. Cope também tinha um interesse paleontológico mais amplo, enquanto Marsh quase que exclusivamente perseguiu répteis e mamíferos fossilizados.

Várias das descobertas de Cope e Marsh são os dinossauros mais bem conhecidos, incluindo o TriceratopsAllosaurusDiplodocusStegosaurusCamarasaurus e Coelophysis. Suas descobertas acumuladas definiram o campo emergente da paleontologia; antes das descobertas de Cope e Marsh, havia apenas nove espécies de dinossauros descritos na América do Norte. Além disso, algumas de suas ideias – como o argumento de Marsh de que as aves são descendentes dos dinossauros – foram defendidas, enquanto outras – incluindo a Lei de Cope, que postula que as espécies tendem a crescer com o tempo – são vistas como tendo pouco ou nenhum mérito científico.

O conflito também levou à descoberta dos primeiros esqueletos completos e do aumento da popularidade dos dinossauros ao público em geral. Como disse o paleontólogo Robert Bakker, “os dinossauros que vieram [de Como Bluff] não só encheram museus, eles encheram periódicos, livros, eles encheram a mente das pessoas“.

Fontes: 1 2

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