Histórias

Isblokkekspedisjonen, a viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo

Em fevereiro de 1959, um bloco de gelo de três toneladas iniciou uma viagem de 8.500 quilômetros na traseira de um caminhão, saindo da aldeia de Mo i Rana no Círculo Ártico com destino a Libreville, na África Central, na linha do Equador. A jornada que levou quatro semanas para serem completadas envolveu cruzar o vasto deserto do Saara, em um calor de cinquenta graus. Durante todo esse tempo nenhuma refrigeração foi usada para preservar a integridade do bloco de gelo.

A expedição do bloco de gelo (norueguês : isblokkekspedisjonen) foi um golpe de publicidade realizado pela empresa norueguesa de material de isolamento Glassvatt (atualmente chamada Glava AS). Respondendo a um desafio da estação francesa de rádio RTL (Rádio Luxembourg), a Glassvatt decidiu equipar um caminhão para levar o bloco de gelo até a linha do Equador. A empresa que fabricava lã de vidro, pretendia mostrar a eficiência do material utilizado na expedição como isolante.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Removendo o gelo da geleira de Svartisen, no Círculo Ártico

A ideia para a expedição do bloco de gelo foi semeada no outono de 1958 pela Rádio Luxemburgo, quando eles desafiaram qualquer um a transportar três toneladas de gelo do Círculo Ártico até a linha do Equador. A condição era que nenhuma forma de refrigeração deveria ser usada. Confiante de que ninguém seria capaz de tal proeza, a estação anunciou um recompensa de 100.000 francos (850 reais na época) para cada quilograma de gelo que chegasse no destino. Isso equivalia a cerca 68 mil reais por quilo em 2019.

Birger Natvik, diretor-gerente da empresa Glassvatt viu o anúncio e sugeriu que a empresa aceitasse o desafio. Birger imaginou que, se isolando o gelo com lã de vidro (glassvatt, em norueguês) feito de fibra de vidro, poderia minimizar o derretimento do gelo, e a empresa poderia ganhar algumas centenas de milhões de francos.

Quando a empresa Glassvatt declarou que tinham aceitado o desafio, imediatamente houve um furor por todo o país. As pessoas discutiam quanto de gelo seria perdido na jornada, e a mídia especulou quanto dinheiro a empresa estava apostando para fazer tal expedição. Quando a Rádio Luxemburgo percebeu sua loucura e a potencial perda que enfrentariam, eles retiraram a oferta.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Trajeto da viagem

A essa altura, no entanto, a expedição planejada recebera tanta atenção que a Glassvatt resolveu continuar com ela de qualquer maneira. Entre os outros patrocinadores estavam a Shell, que forneceria o combustível e a Scania, que forneceria o caminhão. Ao todo, patrocinadores de oito países financiaram a expedição, incluindo a empresa matriz francesa da Glassvatt, a corporação Saint-Gobain.

Os patrocinadores franceses queriam que um caminhão francês fosse usado, mas os noruegueses insistiram em um caminhão escandinavo. A última posição venceu e um Scania-Vabis foi selecionado para a tarefa. O líder da expedição admitiu mais tarde que um caminhão francês provavelmente teria sido mais adequado para dirigir no deserto. Em 22 de fevereiro de 1959, às 9:15 da manhã, a expedição deixou Mo i Rana.

A responsabilidade pela expedição foi dada a Sivert Klevan, engenheiro com um bom instinto de relações públicas. O gelo deveria ser adquirido da geleira Svartisen, e um glaciologista foi trazido para dar sugestões. Logo ficou claro que todo o bloco de três toneladas não poderia ser levado de uma só vez. Em vez disso, blocos de 200 quilos foram cortados com uma motosserra, colocados em trenós e levados de helicóptero até o centro da cidade.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Expedição pronta para partir em 1959

Lá eles foram derretidos juntos para fazer um bloco de gelo pesando 3.050 quilos. O bloco foi colocado em um contêiner de ferro especialmente construído, que foi isolado com madeira e lã de vidro. O contêiner foi colocado em cima do caminhão que o levaria até o Equador, acompanhado por uma kombi que transportava equipamento e um outro veículo com uma equipe de filmagem.

Através da Europa, a expedição foi recebida com cerimônias onde quer que eles parassem. Em Oslo, o caminhão foi carregado com 300 quilos de remédios para serem entregues no hospital humanitário Albert Schweitzer em Lambaréné, perto do destino final de Libreville, a capital do Gabão. O caminhão passou por Helsingbord na Suécia e Copenhague na Dinamarca, onde mais remédios foram embarcados. Para fins de relações públicas, a expedição percorreu várias cidades europeias – incluindo Hamburgo, Colônia, Haia e Bruxelas. Em Paris, a expedição foi escoltada pela polícia pelas ruas e os membros da expedição foram convidados a jantar com o prefeito.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Membros da equipe e espectadores

Em Marselha, o caminhão foi içado a bordo do cargueiro Sidi Mabrouk e navegou pelo Mediterrâneo, até o porto de Argel. No porto um guindaste especial teve que ser trazido para tirar o caminhão do navio, que pesava um total de dezesseis toneladas. O contêiner foi drenado para ver quanto do gelo havia derretido. Apesar do clima europeu excepcionalmente quente naquela estação, apenas quatro litros de água haviam sido descartados.

A primeira etapa da expedição pela Europa havia sido fácil. O que viria pela frente era considerada a mais difícil – as vastas areias do Saara. Para piorar a situação, a Argélia estava no meio de uma guerra violenta, a guerra pela independência, contra os colonizadores franceses. Sob essas circunstâncias, era imprudente uma expedição europeia fazer uma travessia através de uma nação africana. Os remédios transportados pelo caminhão seriam vistos como valiosos pelas forças guerrilheiras escondidas nas montanhas. Então a expedição foi acompanhada pela Legião Estrangeira Francesa.

A instrução que os tripulantes da expedição receberam foi: “Não pare, dirija por suas vidas, mesmo que algum pneu fure“. A expedição passou sem incidentes violentes, no entanto, foram os elementos da natureza que representavam os maiores riscos. Não havia estradas no deserto e o caminhão estava muito carregado e não estava adaptado às condições. Várias vezes ficou preso na areia do deserto; a tripulação teve que colocar placas de aço por baixo das rodas e passar horas cavando sob um sol abrasador.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Sivert Klevan com membros da expedição removendo areia do caminho para o caminhão passar

Isso teve um grande impacto sobre os homens que tinham um suprimento limitado de água, em temperaturas que muitas vezes subia para cinquenta graus durante o dia. A tripulação passou a maior parte das noites em oásis ao longo do caminho, mas de vez em quando também dormia em sacos de dormir na areia.

Em um ponto a expedição encontrou uma tribo de tuaregs e os cumprimentou oferecendo a água derretida do gelo. De acordo com o comentário no documentário, os camelos nunca provaram nada tão delicioso quanto a água da geleira norueguesa. Isso não era inteiramente verdade; a água estava contaminada com lã de vidro e papel de alcatrão, e era pouco potável. A expedição chegou às Montanhas Hoggar perto do Trópico de Câncer depois de catorze dias de viagem. Uma medição nesse ponto mostrou uma perda de 96 litros de água. Uma vez que o Saara foi atravessado, depois de 7.500 quilômetros, 177 litros tinham derretido. Em média quinze litros derretiam a cada dia no deserto.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Gelo sendo distribuído em Libreville

A expedição chegou ao destino final de Libreville no dia 21 de março, depois de vinte e sete dias. O bloco de gelo pesava 2.714 quilos; tinha perdido apenas 336 quilos ao longo do trajeto, ou onze por cento do peso inicial. Um representante francês da empresa e amigo pessoal do presidente Charles de Gaulle ofereceu a eles que levassem o caminhão de volta a Paris. Se a tripulação aceitasse a oferta, o próprio presidente receberia a expedição sob o Arco do Triunfo.

Os homens, no entanto, estavam exaustos demais para aceitar a oferta. Em vez disso, foram feitos arranjos para que os veículos fossem trazidos de volta por navio, enquanto a tripulação voaria para casa. O gelo foi cortado e dividido entre os cidadãos de Libreville, para quem esta era uma mercadoria rara. Sivert Klevan, sempre consciente das oportunidades promocionais, trouxe uma parte do gelo de volta para casa com ele. Este gelo foi posteriormente usado em bebidas servidas a jornalistas na estreia do documentário da expedição em Oslo.

A viagem de 8.500 quilômetros de um bloco de gelo em 1959
Encontro em Lambaréné com o médico Albert Schweitzer para a entrega dos remédios

A expedição tinha sido um enorme sucesso, tanto na realização do objetivo, como na divulgação pela imprensa mundial, originando um tremendo marketing para a empresa e seu produto. A façanha foi divulgada em lugares tão distantes quanto a Índia. Em 1979, a Associação de Marketing de Oslo comemorou a expedição do bloco de gelo com um evento especial intitulado “O maior golpe publicitário do mundo“. Para comemorar o 50º aniversário do evento em 2009, a Glava AS disponibilizou online o documentário original da expedição. Eles também lançaram uma entrevista recém gravada com Sivert Klevan, que na época tinha 84 anos de idade.

Resumo do vídeo original da expedição (em norueguês)

Fontes: 1 2

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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