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O Homem-Peixe de Liérganes

Na pequena cidade de Liérganes, localizada na Cantábria, região norte da Espanha, existe uma antiga lenda que remonta ao final do século 17. Segundo essa lenda, um jovem afogou-se no mar e, anos depois, reapareceu como uma criatura híbrida, metade peixe e metade humano. Relatos descreviam que ele possuía guelras e barbatanas, mas, ao contrário das sereias, mantinha suas pernas e tinha dificuldade em falar.

O fato de a história do homem-peixe ter sido detalhadamente relatada por Benito Jerónimo Feijoo, um monge que era conhecido por promover o pensamento científico e racional, além de desmascarar mitos e superstições, deu algum crédito à veracidade dessa história. No entanto, se Feijoo não estava mentindo, o que exatamente seria essa criatura?

O Homem-Peixe de Liérganes
Escultura do Homem Peixe  (em espanhol: El hombre pez ) criada por Javier Anievas e inaugurada em 2009

A narrativa apresentada pelo padre Feijoo é a seguinte: por volta de 1650, viviam em Liérganes um casal chamado Francisco de la Vega e María del Casar, os quais tiveram quatro filhos. Após a morte do pai, a mãe, incapaz de pagar as despesas, enviou um dos filhos para a cidade de Bilbao, onde ele aprenderia a profissão de carpinteiro. O jovem viveu em Bilbao como carpinteiro até o ano de 1674, quando, na véspera do dia de São João, ele foi nadar no estuário de Bilbau com alguns amigos. Apesar de ser um bom nadador, as correntezas do rio o arrastaram para o mar, e ele provavelmente acabou se afogando.

Cinco anos após esse incidente, em 1679, pescadores navegando na baía de Cádiz avistaram uma criatura de aparência estranha presa em suas redes, mas antes que pudessem recolhê-la, ela conseguiu escapar. Nas semanas seguintes, os pescadores avistaram a criatura diversas vezes, até que, um dia, conseguiram capturá-la atraindo-a com pedaços de pão.

Ao colocarem a criatura a bordo, ficaram surpresos ao perceberem que ela possuía forma humana, embora não fosse exatamente humana. Sua pele era branca e seus cabelos ruivos eram escassos. Uma linha de escamas descia de sua garganta até o estômago, enquanto outra cobria sua espinha dorsal. Além disso, parecia possuir guelras ao redor do pescoço.

O Homem-Peixe de Liérganes
Uma estátua do homem-peixe em Liérganes, Espanha. 
Foto: 
Alex J. Judkins/Twitter

Os pescadores levaram a criatura para um convento próximo, onde o pastor tentou exorcizá-la e depois a interrogou em várias línguas, mas sem sucesso. Após vários dias de questionamento, a criatura finalmente conseguiu articular uma única palavra: “Liérganes”. Ninguém sabia o que aquilo significava até que um marinheiro do norte da Espanha reconheceu a palavra como o nome de uma cidade próxima à sua cidade natal. A notícia sobre a criatura encontrada foi enviada a Liérganes e uma resposta surpreendente veio: cinco anos antes, o filho de Francisco de la Vega havia desaparecido e ele era ruivo.

Para testar a teoria de que a criatura era, de fato, o menino desaparecido, foi decidido levar a criatura de volta a Liérganes, em direção à suposta casa do menino. O frade que a acompanhava relatou que a criatura reconheceu o caminho e foi capaz de guiar o frade até a casa de Maria del Casar, que imediatamente reconheceu a criatura como seu falecido filho, Francisco.

Com Maria reivindicando Francisco como seu filho, o padre decidiu deixá-los em paz com a família. Francisco vivia uma vida tranquila e pacífica, mas tinha hábitos peculiares. Ele sempre andava descalço e, a menos que lhe dessem roupas, preferia ficar nu. Ele nunca proferiu palavras suficientes para formar uma frase completa, limitando-se apenas a murmurar palavras isoladas, como pão, vinho ou tabaco, embora nunca parecesse relacioná-las com as ações de comer, beber ou fumar.

Embora comesse com entusiasmo quando estava de bom humor, frequentemente passava longos períodos sem comer novamente. Era sempre amável e afetuoso e, quando lhe pediam para realizar uma tarefa, ele a realizava prontamente, com rapidez e eficiência, embora sem demonstrar entusiasmo. Depois de passar nove anos com sua mãe, um dia ele saiu para nadar no mar e nunca mais voltou.

O Homem-Peixe de Liérganes
Crédito da foto

Benito Feijoo inicialmente recusou-se a acreditar na história do homem-peixe quando a ouviu pela primeira vez no início do século 18. No entanto, após coletar depoimentos e entrevistar diversas pessoas que supostamente testemunharam a aparição do homem-peixe, Feijoo chegou à conclusão de que, de fato, um homem-peixe havia aparecido em Cádiz e sido levado para Liérganes, onde viveu por algum tempo antes de desaparecer novamente. Como um escritor extremamente rigoroso, conhecido por criticar duramente a superstição e as fraudes, é improvável que Feijoo apoiasse essa lenda sem bons motivos para fazê-lo.

Gregorio Marañón, renomado estudioso e médico espanhol do século 20, argumentou que a história do homem-peixe era, sem dúvida, falsa. No entanto, a quantidade de testemunhos oferecidos por Feijoo e outros relacionados ao homem-peixe de Liérganes não poderia ser facilmente descartada.

O Homem-Peixe de Liérganes

Marañón sugeriu que vários elementos do relato, como a criatura quase muda e incapaz de pronunciar uma palavra, a pele branca, os cabelos ruivos, a pele escamosa e os hábitos como roer as unhas ou vagar sem rumo, são sintomas típicos do cretinismo, uma doença endêmica nas regiões montanhosas e bastante comum na região de Santander naquela época. O cretinismo é causado pela falta de ingestão adequada de iodo pela mãe durante a gravidez e seus sintomas incluem baixo crescimento, espessamento da pele e bócio ao redor do pescoço, que poderiam ser confundidos com brânquias.

Marañón propôs a possibilidade de que o homem tenha se perdido de alguma forma e acabado em Cádiz, onde sua aparência peculiar despertou curiosidade e deu origem à estranha lenda.

Fonte: 1 2

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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