Há mais de dois mil anos atrás, o imperador Calígula (Gaius Julius Caesar Augustus Germanicus, apelidado Calígula – “botinhas“), também conhecido como o “imperador louco” ordenou a construção de duas grandes barcaças flutuantes para ficarem estacionadas no pequeno lago Nemi, com o objetivo de serem usados como locais de rituais e prazeres mundanos.
O lago Nemi é um lago raso nas colinas de Albânia, próximo a cidade de mesmo nome, localizado na região metropolitana de Lácio, a cerca de trinta quilômetros a sudeste de Roma. O lago desde os tempos romanos é um refúgio de férias para os italianos. O imperador Calígula, como seu antecessor, Tibério, gostava de passar o verão navegando no lago Nemi.
O nome Nemi, vem da palavra latina ‘nemus’, que significa “árvore sagrada”. Nos tempos antigos, não havia povoados nesta área, mas o bosque nas adjacências do lago era o local dos cultos romanos a divindade italiana Diana Nemorense, a deusa Diana, que no século IV a.C. começou a ser identificada como a deusa da caça, da lua e da fertilidade.
Ela é o equivalente romano da deusa grega Ártemis. Acreditasse que o santuário de Diana se localizava na margem norte do lago, e o próprio lago também era chamado de “espelho da deusa Diana”. Naquele tempo, as mulheres que queriam engravidar, faziam peregrinações aquela área, com a esperança que a deusa Diana lhe concebesse tal desejo.
A história conta que o insano imperador Calígula, teria dito que seu amado cavalo Incitat era cidadão e senador de Roma e depois o colocou na lista de candidato a cônsul, costumava passar longos períodos no lago, não muito longe de onde havia uma estátua dele, que revelava suas inclinações sexuais. Calígula encomendou os dois grandes navios, com mais de setenta metros de comprimento, que pretendia usar durante os verões ensolarados.
Um dos navios seria um templo flutuante dedicado à deusa Diana, com colunas de mármore, piso de mosaico e azulejos de bronze dourados. A outra embarcação era uma espécie de palácio flutuante projetado especialmente para o imperador, que incluía salas de banhos com água quente e aquecimento interno.
Tal navio também era decorados com pisos de mosaicos, com detalhes em pedras preciosas, estátuas, colunas de mármores, telhas de cobre dourado e jardins com árvores frutíferas. Inscrições encontradas em tubos de chumbo mostram que haviam sido fabricados para o imperador Calígula. Ambos os navios eram quase do mesmo tamanho, um ligeiramente maior que o outro. O maior foi denominado Prima Nave (primeiro navio) e o menor era chamado Seconda Nave (segundo navio).
Um estaleiro foi construído nas proximidades e os melhores engenheiros da época participaram da elaboração e construção das embarcações. Os requisitos para os navios eram extremamente complexos: baixo calado e, ao mesmo tempo, deveriam ser amplos o suficiente para manter o equilíbrio sob uma superestrutura pesada.
A tecnologia de construção foi a mais avançada. Uma característica especial era uma série de cabeças de animais feitas de bronze com grandes argolas – pequenas embarcações eram amarradas nas argolas, nas quais o imperador chegava com amigos.
Os navios foram feitos para serem ancorados no local e, portanto, não tinham meios de propulsão, como velas, embora tivessem grandes estações de remos longos que eram usados para guiar os barcos. O casco foi protegido por uma camada de óleo de linhaça e depois revestido com uma composição de lã impregnada de breu, betume e resina.
O conjunto foi reforçado com pregos de cobre selados com chumbo, o qual deu uma boa proteção contra ataque de organismos, tais como moluscos bivalves (brocas). Esses ataques na madeira dificilmente se dariam em água doce do lago, portanto, tal ação levanta a hipóteses que esses navios desempenharam o papel de protótipos, para testar técnicas de uso militar aplicáveis a embarcações de alto mar.
Os navios foram equipados com muitos detalhes de uma técnica elaborada, como âncoras com hastes móveis, bombas e válvulas para bombeamento de água, e até mesmo um sistema de rolamentos de esferas feitos de bronze atravessados por pequenos eixos do mesmo metal, talvez da base giratória de uma estátua ou outra maquinaria.
Apesar do imenso custo em que foram construídos, esses palácios opulentos ficaram à tona apenas por um breve período, provavelmente um ano ou dois, antes do fim do reinado de quatros anos de Calígula (37-41 d.C.). Ele foi assassinado em seu palácio no Monte Palatino, em Roma, pelos seus próprios guardas. Uma aliança entre a Guarda Pretoriana, senadores e cortesãs em 41 d.C, conspiraram para a sua morte.
Logo após, os navios foram afundados intencionalmente, em águas rasas, a uma curta distância da área da costa onde foram construídos. Os navios imperiais foram inundados como parte do damnatio memoriae (lat. “Maldição da memória” – uma forma especial de punição póstuma na Roma antiga para criminosos do estado).
Os navios de Calígula se foram, mas não foram esquecidos. Durante o período medieval, os pescadores locais usaram ganchos para puxar pedaços dos navios e pequenos artefatos que vendiam aos turistas. A primeira tentativa de recuperar os navios foi encomendada pelo Papa Prospero Colonna, em 1444.
Uma plataforma flutuante foi construída e mergulhadores especializados trazidos de Gênova foram enviados até os destroços no fundo do lago. Mas os navios eram grandes demais para serem trazidos à superfície. Tudo o que conseguiram foi arrancar algumas tábuas e alguns tubos de chumbo.
A segunda tentativa ocorreu em 1535, pelo senador Francesco de Marchi. Ele pessoalmente mergulhou no lago usando um sino de mergulho e recuperou muitos itens de mármore, bronze, cobre e chumbo. Muitos pedaços de madeira que trouxe a tona, foram esculpidos e viraram bengalas e caixas decorativas. Mas Francesco também acabou se tornando uma das primeiras pessoas a experimentar a doença descompressiva.
Em 1827, foi feita outra tentativa, com Annesio Fusoni como protagonista. Ele e sua equipe conseguiram extrair muitas peças, como mosaicos, pedaços de colunas e tubos de terracota. Quando tentaram extrair pedaços maiores por meio de um guincho e cordas, o equipamento quebrou.
Por causa do mau tempo, os trabalhos não foram concluídos e, infelizmente, essa aventura causou mais danos do que a passagem do tempo em si e se tivesse sido continuado, o navio inteiro teria sido cortado peça por peça. Além disso, os objetos recuperados desapareceram sem deixar rastro.
Em 1885-1889, o embaixador britânico na Itália, Lord Sayvayl, organizou uma expedição ao lago Nemi e livrou os navios afundados dos mais valiosos materiais. Com ganchos, quase todos os ornamentos de bronze, mosaicos, jóias de ouro e mármore foram extraídos dos dois navios. Posteriormente, todos esses itens se tornaram propriedade de museus e coleções particulares britânicos.
Em 1895, Eliseo Borghi iniciou uma investigação sistemática da área. Desta vez, os resultados foram melhores: um dos navios foi localizado, a cabeça de um dos lemes e várias esculturas de animais em bronze foram recuperadas. Nessa pesquisa, se descobriu dados importantes dos navios, tais como:
O Prima nave estava a cinquenta metros da costa ao lado do porto, a uma profundidade de cinco a doze metros. O comprimento de seu casco era de 71,3 metros com uma largura de 20 metros, com 1,9 metros de calado. A madeira do casco cobertas de lama estavam bem preservadas, mas onde havia sido exposto em trabalhos de recuperações anteriores, estavam muito danificadas.
O segundo navio estava numa distância de 200 metros do primeiro navio, entre 15 a 20 metros de profundidade. Seu comprimento era de 65 metros por 23,6 metros de largura. Mas seriam necessários mais uns trinta anos e a audácia de um ditador fascista para tentar recuperar os navios. Em 1928, Benito Mussolini ordenou que todo o lago Nemi fosse drenado para que os navios pudessem ser recuperados.
Os engenheiros levaram dois anos para reativaram um antigo canal romano de água subterrânea, com mais de 1.600 metros que ligava Nemi ao lago Albano, no outro lado da montanha e de lá, até o mar, a 23 quilômetros de distância e começaram a bombear a água. Tal canal foi considerado uma proeza de engenharia romana.
Em março de 1929, quando a água atingiu o nível de -5,52 metros em relação ao nível original, as primeiras partes do Prima Nave surgiram das águas. Em junho de 1931, o segundo navio emergiu completamente das águas. O casco do segundo navio estava extremamente conservado, devido aos sedimentos. 40 milhões de metros cúbicos de água haviam sidos removidos do lago.
Um mês depois, uma movimentação de terra no antigo leito, causou um aumento de meio metro no nível do lago. Os trabalhos foram suspensos por quase um ano. A segunda tentativa de drenar o lago foi bem sucedida e os dois navios foram libertados da lama e cuidadosamente transportados para terra firme por meio de trilhos, onde foi utilizado um alcatrão vegetal diluído em solventes para proteger a madeira de se decompor em contato com o ar. Um museu foi construído para abriga-los e inaugurado em 1936.
Na noite de 31 de maio de 1944, menos de quatro anos após a Itália entrar na Segunda Guerra Mundial, o museu e os dois navios foram incendiados. Não se sabe se os incêndios foram iniciados por causa dos bombardeios dos Estados Unidos ou incêndio criminoso pelas tropas alemãs em retirada ante os avanços dos aliados em direção a Roma. Ambas as partes culpam a outra. Os navios foram quase totalmente destruídos. Apenas alguns bronzes e materiais que foram transferidos para museus em Roma que não foram afetados pela guerra.
Hoje, apenas réplicas em escala dos navios, e artefatos sobreviventes existem no Museu Nacional dos Navios Romanos, mas margens do lago Nemi. Na ala direita do museu, é dedicado aos locais de culto das montanhas de Albânia (antigos assentamentos romanos) Ardea e Satricum, com atenção especial ao santuário-templo de Diana Nemorense, como evidenciado pelos materiais de escavação feitos nos anos 20, bem como no período recente, de 1989 a 2013.
O museu também conta com uma colossal estátua de mármore de Calígula no trono, restaurada pela guarda financeira da polícia em 2011, descoberta na cidade de Cavalleria, na zona de Nemi Velletri.
Só para se ter uma ideia das dimensões excepcionais desses navios, não se tem mais nada maior no passado, que navegasse para comparar. No tempo das descobertas, os maiores navios tinham cerca de sessenta metros de comprimento. O Santíssima Trindade (Nuestra Señora de la Santísima Trinidad) que levava 960 homens e 120 canhões, construído em 1767 e afundado em 1805 na Batalha de Trafalgar tinha apenas 61,3 metros.
Uma descoberta interessante nesses navios era uma âncora com os braços em movimento. Esse projeto foi introduzido na Marinha Real por Horatio Nelson no século 18, e chamada “âncora romana”. Também todos os metais e ligas utilizadas nos navios foram perfeitamente adaptados aos atuais padrões de qualidade DIN alemães.
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