Santa Helena, a ilha do exílio de Napoleão Bonaparte
A ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, entrou para a História como o último exílio do militar e imperador francês Napoleão Bonaparte. Até 1994, o lugar era esquecido e isolado do mundo, e somente naquele ano a ilha-prisão recebeu sinal de televisão e até então a população só assistiam a filmes em videocassete e não sabia nada o que acontecia no resto do mundo.
Não foi por acaso que o então primeiro-ministro inglês, Lord Liverpool, ao sugerir um castigo alternativo à pena de morte para o ex-imperador francês, escolheu a ilha de Santa Helena. A despeito da paisagem verdejante e do clima tropical, Santa Helena invoca degredo, exílio, prisão e esquecimento. Perdida no meio do Atlântico Sul, a 1.850 quilômetros da costa africana e a 3.500 quilômetros do Brasil, a ilha tem cerca de seis mil habitantes e, apesar de ser mantida como uma colônia da Grã-Bretanha, o acesso a ela é dificílimo.
Fora da rota dos navios e um pequeno aeroporto construído apenas em 2016 onde devido aos ventos, só um tipo de aeronave consegue pousar, a maneira mais usada para se chegar a ilha é por meio do cargueiro inglês RMS Saint Helena, que faz uma rota passando por Inglaterra, Irlanda, Ilhas Canárias, Ascensão, Santa Helena, África do Sul e Namíbia, a cada seis semanas. O trajeto leva catorze dias (bem menos que os dois meses gastos por Napoleão em 1815). Mas, como no tempo do imperador, o navio não chega à ilha e os visitantes são obrigados a tomar pequenos barcos para chegar a terra.

A ilha de Santa Helena. Um pequeno ponto no meio do Atlântico Sul
Com apenas 122 quilômetros quadrados, Santa Helena, descoberta em 1502 pelo navegante português João de Nova Castella, é de origem vulcânica, o que explica mas não justifica o fato de um pedaço tão pequeno de terra ter brotado no meio do oceano. Graças a essa característica geológica, de longe o viajante enxerga suas enormes muralhas de basalto avermelhadas, com 300 metros de altura, que acentuam ainda mais a ideia de uma “
ilha-prisão”. Por uma bizarra coincidência, seu primeiro habitante, o português Fernando Lopes, chegou à ilha em exílio voluntário.
Talvez a fama e o quase absoluto isolamento de Santa Helena explicam a estranha impressão dos viajantes, que mesmo depois de passarem mais de catorze dias no mar não sentem alegria em ver terra firme. “
A visão de sua massa sombria provoca um sentimento de intimidação, uma mistura de medo, de excitação e de compaixão“, descreveu o jornalista francês Jean Paul Kauffmann quando visitou a ilha na década de 90. Napoleão, também não teve impressão diferente: “
Seria melhor ter ficado no Egito”, teria comentado o ex-imperador da França ao ver o perfil da ilha envolto na bruma cinza, em 1815.

Mapa de Santa Helena e os lugares onde Napoleão viveu e foi enterrado por 19 anos
Pouco mudou por lá desde que seu morador mais ilustre aportou em Jamestown, a principal cidade da ilha, com 1.500 habitantes. A população é o resultado da mistura de raças e povos como o chinês, o malásio, o africano e o europeu, faz questão de manter naquele pedaço de terra tropical todos os hábitos e tradições ingleses. Isto é, tomar o chá das cinco, comparecer ao
happy-hour no bar do hotel Consulate e ir ao baile sábado à noite. “
Santa Helena é um museu. O mundo parou por aqui. Não temos indústrias, nem poluição. É um pequeno paraíso, só que às vezes um pouco limitado” afirmou uma mulher de um alto funcionário do governo britânico em missão na ilha, inconformada com a indolência local.

Imagem da ilha de Santa Helena feita pela Expedição 19 da NASA | Crédito da foto
Santa Helena é um mundo híbrido, privado de horizonte pela sua própria geografia. Como qualquer cidadezinha inglesa, Jamestown tem sua igreja (anglicana), o posto de polícia, o correio, a prisão e até mesmo uma Constituição local. Tudo isso, no entanto, está espremido entre duas montanhas. De tão estreita, a cidade acabou crescendo em seu comprimento, de cerca de 1,5 quilômetros. Quem quiser ver o mar, que suba os 699 vertiginosos degraus da escada construída pelos ingleses em 1829, que leva ao Forte Ladder’s Hill – com canhões de antes de Napoleão. “
Nós somos como que prisioneiros da nossa própria ilha“, queixou-se um dia um diretor da rádio local.
Apesar de serem cidadãos de uma colônia inglesa, os
saints são considerados “visitantes” em Londres. Eles não têm o direito de morar por mais de seis meses na Inglaterra, a menos que consigam uma difícil permissão de trabalho. A colônia recebe subsídios anuais de 10 milhões de libras, aparentemente um desencargo de consciência da metrópole com seus aldeões, que importam tudo o que consomem da Inglaterra e África do Sul. Abandonada, Santa Helena não recebe há anos a visita de qualquer membro da família real. Graças mesmo a Napoleão que a ilha não seja completamente desconhecida e assim, tem uma identidade no mundo exterior.
São justas as homenagens a Napoleão. Ele, no entanto, jamais reconheceu um “
pequeno paraíso” em Santa Helena. O primeiro imperador da França simplesmente detestou Longwood, o acampamento em um platô a nordeste da ilha, a cerca de seis quilômetros de Jamestown, onde ficou confinado até o dia de sua morte, em 1821. A 500 metros de altitude, o local é fustigado pelo vento sudoeste, que carrega chuva e neblina. Úmido, frio, ventoso, Longwood é o lugar mais “
impossível” da ilha. Anteriormente, a cabana de Napoleão que foi construída em 1743 era um celeiro de armazenamento, e foi escolhida para abrigar o imperador porque era um lugar fácil de proteger.

Santa Helena vista de um drone | Crédito da foto
Ao visitar a casa do imperador, o visitante chega até a pensar que, “
afinal, sua estadia não foi tão má assim“. Com meio hectare de terreno, que inclui a antiga sepultura onde Napoleão esteve enterrado por dezenove anos, a casa de madeira é confortável, bem iluminada e razoavelmente mobiliada. O jardim é bem cuidado e muito florido. Mas não era assim em outubro de 1815.
Quando Napoleão chegou a Longwood, depois de percorrer um trilha estreita e árida, a casa era uma espécie de grande cabana, do tipo bangalô. “
Era um aglomerado de barracas construídas para servir de abrigo para o gado“, teria definido Lord Rosebery, que levou o prisioneiro à ilha. Napoleão chegou a ilha com uma comitiva de vinte e quatro pessoas. Onze eram seus empregados pessoais, incluindo um cozinheiro, provador, lacaio, manobrista e dois cavalariços e o restante eram militares, esposas e filhos.

Crédito da foto
O governo britânico ordenou que Napoleão fosse tratado como general e tivesse uma casa equivalente à da residência rural de um cavalheiro inglês. No entanto, não foi bem assim, e houve muitos transtornos e aborrecimentos na adaptação com a nova vida de exilado e houve um certo conflito quando as despesas do imperador, pois Londres não enviava o dinheiro suficiente para cobrir todas as despesas com a compra de suprimentos.
Tiveram que plantar e criar pequenos animais para suplementar a falta de comida. Um galinheiro foi construído ao lado dos estábulos, mas os ratos acabaram comendo 140 galinhas em apenas três semanas. Napoleão reclamava que o vinho servido era de péssima qualidade e lhe dava cólicas e estava convencido de que havia sido adulterado com chumbo, para envenená-lo. Muitos franceses ao saberem das dificuldades do imperador, lhe enviavam doações de suprimentos, livros e outros artigos. Até 1818, Napoleão recebia muitas visitas, mas posteriormente houve certas restrições da parte da Inglaterra e Napoleão viveu como um recluso, em companhia de seus empregados.
Após a morte de Napoleão, Longwood voltou para a Companhia das Índias Orientais e depois para a Coroa Inglesa, que a alugou a um fazendeiro que usava como depósito agrícola. A sala de estar do ex-imperador era ocupada por uma colheitadeira e seu quarto de dormir por ovelhas. Relatos da negligência chegaram ao seu neto, Napoleão III, que em 1854 negociou com o governo britânico a compra da casa, juntamente com o terreno onde estava o túmulo de Napoleão.
Em 1858, um veterano da Batalha de Waterloo tomou posse da propriedade em nome da França. Desde então, o local virou um museu e esta sob o controle do Ministério das Relações Exteriores da França e um representante do governo mora na ilha, sendo o responsáveis pelas propriedades. Em 1959, a Briars Pavilion, onde Napoleão passou os dois primeiros meses enquanto Longwood estava sendo reformada, foi entregue ao governo francês pelo sua ex-proprietária.
A casa, móveis, quadros e objetos que pertenceram a Napoleão foram restaurados e continuam lá. Longwood, no entanto, não se parece com um museu. É muito mais do que isso. O tempo parou e a sensação é a de se estar entrando, de fato, na casa do imperador francês. Napoleão imagina o visitante, está passeando no jardim que ele mesmo desenhou e pode voltar a qualquer instante. Que não se espere, no entanto, encontrar um palácio. A casa é composta de cinco peças minúsculas: vestíbulo, salão, sala de jantar, escritório e quarto de dormir. Tudo muito simples e úmido, pequeno e insignificante em se tratando da moradia de um homem que criou para si um museu no Louvre de Paris.
“
Quando eu não estiver mais aqui“, teria dito o imperador a seu companheiro de exílio Bertrand, “
os visitantes ingleses virão até aqui percorrer o jardim desenhado por Napoleão e conhecer a sua última casa“. A profecia é cumprida anualmente por cerca de sete mil turistas (15% deles, franceses), que chegam até a ilha atraídos pela imagem do mito. A reprodução de sua máscara mortuária e uma placa com a hora exata de sua morte estão no salão onde deu o último suspiro, e até hoje exercem uma estranha fascinação nos visitantes. Muitos visitantes são surpreendidos deitados no chão exatamente no mesmo local em que o imperador deixou o mundo.
Santa Helena foi o exílio de Napoleão e também o local onde ele pôde arquitetar e ganhar a sua última batalha – a posteridade. Ao dizer adeus aos seus soldados, Napoleão havia prometido escrever “as grandes coisas que nós fizemos juntos”. Antes mesmo de chegar a terra do exílio, ele passou a ditar suas memórias aos companheiros de banimento.
A ilha, que jamais teve vocação de aldeia global, se transformou em uma usina de produção literária e tudo o que chegava de lá era devorado em Paris e em outras cidades da Europa. Foi nesse ponto perdido no Atlântico Sul que Napoleão construiu sua legenda de republicano, democrata e liberal, que só recorreu à ditadura por causa das circunstâncias de guerra. O marketing foi tão bom que, anos depois, seu neto, Luís Napoleão, é eleito presidente e coroado imperador.
Da Glória ao abandono

Napoleão Bonaparte | Clique para ampliar
Quem conhece bem os franceses demora a entender como um corso foi capaz de se fazer coroar imperador da França. Mais do que um excelente estrategista, o general Napoleão Bonaparte soube oferecer ao povo francês o que ele mais queria: glória. Filhote da Revolução Francesa, com 24 anos, Napoleão era o mais jovem general do Exército francês. Bastou-lhe reprimir um levante em Paris para ser nomeado, em 1796, comandante-em-chefe do Exército na Itália. Bom de briga e melhor de guerra, Napoleão foi conquistando territórios por onde passava. Tomou pedaços da Itália, da Áustria, da Bélgica e ocupou o Egito expulsando os ingleses.
Com toda essa moral e um pequeno império em construção, ele não teve qualquer problema para dar o golpe de 18 Brumário, em 11 de novembro de 1779. O general põe um ponto final na revolução e se faz eleger primeiro cônsul. O seu governo já é ditatorial, mas o estadista não abre mão de promulgar uma Constituição, reorganizar o Judiciário, as finanças, a educação e sociedade francesas. Autoritário sem ser déspota, com o Código Napoleão, de 1804, o futuro imperador garantiu a liberdade individual, a igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada, o matrimônio civil e até o divórcio.
Adorado por uns, odiado por outros, Bonaparte não teve receio de convocar um plebiscito em 1804, através do qual, com 3.572.000 votos a favor e 2.579 contra, coroou-se imperador com o título de Napoleão I. O general fez jus ao título. Em 1812, por exemplo, o seu império tinha 50 dos 175 milhões de habitantes da Europa continental. Por duas vezes, a ambição e o desejo de ser ainda maior reduziram Napoleão a um prisioneiro de sua cobiça. Na campanha da Rússia, o seu poderoso Exército foi derrotado pelo inverno e reduzido a mil homens famintos, sessenta cavalos e nove canhões. Napoleão não resistiu ao fracasso, abdicou do seu império e foi exilado em 1814 na ilha de Elba.
A arbitrariedade e a incompetência do seu sucessor, o rei Luís XVIII, proporcionaram a Napoleão mais 100 dias de glória. Ele escapou de Elba, retomou o poder e após algumas vitórias iniciais foi definitivamente derrotado pelo duque de Wellington na famosa batalha de Waterloo, em junho de 1815. A condenação à morte parecia inevitável, mas os ingleses decidiram que castigo pior seria a prisão, para sempre, na ilha de Santa Helena. Lá, em 5 de maio de 1821, aos 52 anos, Napoleão morreu de câncer no estômago. Já tinha, há muito tempo, entrado para a História.

Ilustração de como seria Longwood na época do Napoleão Bonaparte

Aeroporto inaugurado em 2016, porém utilizado apenas por pequenas aeronaves, e chamado o “aeroporto mais inútil do mundo” | Crédito da foto

Escada Jacob’s em Jamestown
Para saber mais:
www.sthelenatourism.com
Fonte: Adaptado da revista Caminhos da Terra, nº 10, edição 30, escrito originalmente por Cláudia Giudice.
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