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Ámbar-gris, o raro e valorizado ‘vômito de baleia’

O mar é uma fonte inesgotável de mistérios, carregando consigo uma infinidade de objetos curiosos, como carcaças de baleias, lulas gigantes, fósseis e naufrágios antigos. No entanto, nenhum deles se compara à preciosidade do âmbar-gris, também conhecido como Âmbar cinza, âmbar-cinzento, âmbar-branco ou até mesmo “vômito de baleia”. Essa substância sólida, gordurosa e inflamável possui uma coloração geralmente cinza fosca ou enegrecida, podendo apresentar também tons de castanho escuro ou até mesmo ser esbranquiçada, lembrando uma aparência marmórea.

Seu odor original é descrito como fecal quando está fresco. No entanto, ao ser exposto ao ar e à luz, ele adquire um aroma peculiar, doce e terroso, com algumas semelhanças ao do álcool isopropílico. Devido a esse aroma distintivo, o âmbar-gris é altamente valorizado na indústria de perfumaria, alcançando preços elevados. É importante mencionar que, embora tenha sido utilizado no passado, o âmbar-gris é hoje raramente empregado, uma vez que foi substituído por um sucedâneo sintético. Além disso, o seu uso pode configurar uma violação à Convenção CITES, um acordo internacional para a proteção de espécies ameaçadas de extinção.

Ao longo da história, civilizações antigas, como os egípcios, queimavam a massa seca do âmbar-gris como incenso, enquanto os egípcios modernos fumavam essa substância. Além disso, ela era utilizada para dar sabor a alimentos e bebidas.

É fascinante pensar em como uma substância tão extraordinária pode ser encontrada no vasto e imprevisível oceano, proporcionando inúmeras curiosidades e histórias ao longo do tempo. Mesmo que hoje não seja tão comumente utilizada, o âmbar-gris permanece como uma lembrança valiosa de como a natureza pode nos surpreender com suas maravilhas.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

O âmbar-gris, uma substância tão enigmática e valiosa, era apreciado por figuras históricas proeminentes. O rei Carlos II da Inglaterra tinha como prato favorito uma porção de ovos acompanhada de âmbar-gris, enquanto os europeus do século 18 adicionavam esse tesouro aromático ao café turco e ao chocolate quente.

Na Idade Média, o âmbar cinza era usado como medicamento para aliviar dores de cabeça, resfriados, epilepsia e outras doenças. A própria rainha Maria Antonieta desfrutava de seu chocolate quente diariamente, preparado com cacau, baunilha, âmbar e água. A dúvida permanece se esses hábitos exóticos foram motivados pelo simples prazer culinário ou pelo gosto pela ostentação, considerando o preço proibitivo desse precioso item. Além de ser utilizado em pratos e bebidas, o âmbar-gris também era um componente essencial em seus perfumes.

Curiosamente, durante séculos, a origem dessa rara substância cerosa era desconhecida, exceto pelo fato de ser encontrada nas praias. Os antigos chineses a chamavam de “Lóng xián xiang”, que significa “perfume da baba do dragão”, imaginando que ela vinha de dragões que dormiam em ilhotas e babavam no oceano. Por outro lado, Avicena, um médico árabe, acreditava que o âmbar-gris tinha uma fonte submersa. O próprio nome “âmbar-gris” tem origem no árabe “Anbar”.

A história fascinante do âmbar-gris é repleta de intrigas e mistérios, com sua ampla utilização ao longo do tempo por figuras importantes da história e suas múltiplas teorias sobre sua origem. Essa substância única continua a encantar e desafiar nossa compreensão até os dias de hoje.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

O âmbar-gris, além de sua presença em hábitos culinários e perfumaria, também tem uma rica história nas tradições literárias e medicinais, especialmente na cultura árabe. Ele é mencionado em contos populares como “As Mil e Uma Noites”, onde Sinbad o encontra em uma ilha deserta após um naufrágio. Além disso, tratados médicos, como “The Pillow Book”, escrito por Ibn Wafid no século XI em Toledo, fazem referência ao “âmbar de Medina Sidonia”, coletado na costa atlântica de Cádiz e famoso na época.

Na medicina árabe, o âmbar-gris era usado como remédio e até como afrodisíaco. Narrativas árabes descrevem como os moradores do Oceano Índico utilizavam camelos para localizar o âmbar. A busca acontecia à noite durante a lua cheia. Quando o camelo avistava o âmbar, ele se ajoelhava, permitindo que seu cavaleiro pegasse os pedaços dessa preciosa substância na areia.

Essas histórias e tradições enriquecem ainda mais o mistério e a aura de fascinação em torno do âmbar-gris. Sua presença em diferentes culturas e sua utilização diversificada ao longo dos séculos destacam sua importância histórica e sua significância como uma substância valiosa e versátil. Até hoje, o âmbar-gris continua a ser uma preciosidade cobiçada, tanto por sua raridade quanto por sua conexão com narrativas tão ricas e lendárias.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

Ao longo da história, várias teorias foram propostas para explicar a origem do âmbar-gris, o que demonstra o mistério que envolvia essa substância valiosa. Algumas pessoas acreditavam que fosse cocô de aves marinhas ou algum tipo de fungo marinho. Havia até mesmo quem afirmasse com convicção que eram favos de mel feitos por abelhas em grandes rochas à beira-mar, que depois acabavam caindo no oceano.

Além de sua presença nas tradições literárias e históricas, o âmbar-gris também é mencionado nas páginas de “Moby Dick”, o famoso romance de Herman Melville. Especificamente, no nonagésimo primeiro capítulo, o autor narra como Stubb, um dos personagens, engana a tripulação de um navio francês chamado com más intenções de “Rosebud”. Essa embarcação estava tentando pescar um cachalote encontrado morto no meio do oceano.

Essas referências literárias adicionam ainda mais interesse e intriga à história do âmbar-gris, destacando seu papel não apenas na realidade, mas também na imaginação dos autores e das culturas ao longo do tempo. A complexidade de suas origens e usos proporcionou um fascínio contínuo, inspirando narrativas envolventes que ecoam sua misteriosa natureza.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

A descrição do âmbar-gris no romance “Moby Dick” de Herman Melville, onde o segundo oficial do Pequod engana os gauleses sobre a verdadeira natureza da substância, adiciona um toque de mistério e intriga à história. Ao cavar o corpo do cetáceo, ele encontra o âmbar-gris, que é comparado a sabão de Windsor macio ou um rico queijo velho mosqueado, uma substância untuosa e agradável, de cor entre amarelo e cinza. Ele destaca o alto valor do âmbar-gris, que, para qualquer farmacêutico, vale um guinéu de ouro por onça.

Embora na narrativa de “Moby Dick” a verdadeira natureza do âmbar-gris seja ocultada, em 1724, Zabdiel Boylston, um médico de Boston nos Estados Unidos, finalmente revelou a realidade sobre a substância. Ele descobriu que o âmbar-gris era, na verdade, fezes de baleia (ou vômito), ou mais precisamente, uma substância que se forma no aparelho digestivo dos cachalotes (Physeter macrocephalus) em condições especiais, a partir dos alimentos que o animal não consegue digerir.

Essa descoberta científica esclareceu o mistério em torno da origem do âmbar-gris, e seu valor continuou a ser apreciado na indústria de perfumaria e medicina, apesar de sua peculiar origem. O âmbar-gris permanece como uma substância preciosa e enigmática, tendo desempenhado um papel significativo ao longo da história em várias culturas e tradições.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

A especulação sobre a origem do âmbar-gris relacionada ao consumo de lulas e chocos por parte das baleias acrescenta mais detalhes interessantes sobre essa misteriosa substância. Acredita-se que as baleias secretam uma substância protetora e gordurosa que engloba os bicos duros e indigestos desses cefalópodes, evitando que eles machuquem suas entranhas e órgãos. Essa substância é então expelida do corpo da baleia, embora os pesquisadores ainda não tenham certeza de qual lado ela sai.

Quando liberado das entranhas, o âmbar-gris possui uma cor branca pálida, é macio e gorduroso, com um forte cheiro fecal inicial. À medida que flutua até a superfície do oceano e é exposto ao sol e à água salgada, gradualmente vai endurecendo, adquirindo uma cor cinza escura ou preta, textura crocante e cerosa, e um odor peculiar que é ao mesmo tempo doce, terroso, marinho e animalesco.

Um detalhe interessante é que o âmbar-gris, ao permanecer no mar por mais tempo, incorpora os aromas do ambiente marinho, semelhante ao que acontece quando a manteiga na geladeira absorve outros cheiros. Essa característica única contribui para a complexidade e cobiça em torno dessa substância.

Combinando essas informações, fica claro por que o âmbar-gris é tão valorizado na indústria de perfumaria e por que sua origem e propriedades despertaram tanta curiosidade ao longo da história. Sua história e processo de formação continuam a nos intrigar, tornando-o verdadeiramente uma substância especial e enigmática.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

As informações fornecidas pelo site ambergris.eu adicionam mais detalhes interessantes sobre a formação do âmbar-gris e sua relação com as lulas gigantes “Architeuthis”, das quais os cachalotes gostam muito. Esse processo de formação envolve uma interação entre os sucos digestivos do cachalote, as bactérias “Spirillum recti physeteris” presentes em seu aparelho digestivo e substâncias contidas em certos órgãos da lula.

Um aspecto fascinante é que o âmbar-gris muitas vezes incorpora bicos negros e partes brilhantes das lulas em sua massa cinza, dando uma ideia das refeições das baleias. A raridade do âmbar-gris é outro fator importante que contribui para seu alto preço no mercado. De acordo com Christopher Kemp, autor de “Ouro flutuante: uma história natural (e não natural) do âmbar-gris“, apenas cerca de um por cento dos 350.000 cachalotes no mundo produzem essa substância, o que torna sua descoberta valiosa e cobiçada.

A busca por âmbar-gris pode ser um processo arriscado e desafiador. Enquanto alguns esperam que os caroços cheguem às praias para coletá-los, outros pescadores se aventuram a procurar nas carcaças de baleias. No entanto, o âmbar-gris encontrado diretamente nos ventres de cachalotes mortos não possui as mesmas propriedades daquele que amadureceu por muito tempo na superfície da água.

A história do pescador da Tasmânia, que supostamente entrou na carcaça de uma baleia para procurar uma bolha de âmbar-gris, é um exemplo impressionante da intensidade da busca por essa substância valiosa. O âmbar-gris continua a cativar nossa imaginação e a despertar interesse por suas origens intrigantes, tornando-o um tesouro enigmático da natureza.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

Âmbar-gris geralmente vem em pequenos pedaços de menos de 15 gramas até 50 quilos, mas um pedaço encontrado nas Índias Orientais Holandesas pesava cerca de 635 quilos. A substância é difícil de identificar. Um teste que pode ser feito é de espetar a massa cinzenta com uma agulha quente e esperar um líquido escorrer, exalando um cheiro almiscarado. 

É esse cheiro que cativou a indústria de perfumes. Mas até o cheiro é difícil de descrever. “Quando você finalmente segura um pedaço dele e cheira, sente um estranho odor de buquê de flores, madeira velha, terra, composto e esterco, e de lugares abertos. Nesse momento você entende que nenhuma das outras coisas que você suspeitava ser âmbar-gris era parecida com isso”, diz Christopher Kemp.

Minhas primeiras impressões do perfume foram que ele era levemente ceroso, vagamente marinho, doce e um pouquinho fecal”, lembra Saskia Wilson-Brown, do Institute for Art and Olfaction com sede em Los Angeles na Califórnia. “Foi um pouco decepcionante, para ser honesto, não correspondeu ao hype. Mas é muito melhor na pele, eu aprendi. O cheiro, na pele, é sutil e de alguma forma radiante. É notável, é puro e é super sexy.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

De fato, a escassez e a qualidade variável do âmbar-gris impulsionaram a busca por alternativas sintéticas na indústria de perfumes. Desde a década de 1940, os químicos têm desenvolvido compostos como ambrox e cetalox, que imitam o aroma característico do âmbar-gris.

Em 2012, pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica identificaram um gene em abetos de bálsamo que produz um composto com cheiro semelhante ao âmbar. Essas descobertas têm estimulado a pesquisa em busca de fontes alternativas de aromas semelhantes ao âmbar-gris.

No entanto, embora algumas alternativas sintéticas se aproximem do aroma do âmbar-gris, muitos especialistas ainda sentem que falta algo essencial e indefinido que apenas o âmbar-gris real pode proporcionar. Comparando a situação a assistir a uma banda cover dos Beatles em vez de experimentar a autenticidade da banda original, a percepção é de que a experiência com alternativas sintéticas pode não ser completamente satisfatória.

Enquanto alguns especialistas, como Christopher Kemp, acreditam que muitas grandes casas de perfumes ainda compram âmbar-gris real, Saskia Wilson-Brown tem uma perspectiva diferente. Ela duvida que muitas pessoas, incluindo casas de perfumes, utilizem âmbar-gris real devido à falta de confiabilidade na cadeia de suprimentos. A raridade e a dificuldade de obter o âmbar-gris tornam sua disponibilidade incerta e tornam as alternativas sintéticas mais atraentes para algumas empresas.

Essa dinâmica entre a busca por autenticidade e a conveniência das alternativas sintéticas destaca o valor singular e a complexidade do âmbar-gris como um ingrediente precioso na perfumaria, mantendo seu lugar como um dos materiais mais cobiçados e misteriosos do mundo da fragrância.

A origem dos compradores e o destino final da maioria do âmbar-gris continuam envoltos em mistério, deixando até mesmo especialistas como Christopher Kemp incertos sobre o assunto. O âmbar-gris é um produto extremamente valioso, com um preço de cerca de US$ 10.000 por quilo, e pessoas estão dispostas a gastar somas exorbitantes por ele. No entanto, sua disponibilidade é escassa e muitas vezes desaparece rapidamente após ser encontrado.

Embora acredita-se que o âmbar-gris seja principalmente usado na indústria de fragrâncias, também há indícios de que ele seja queimado em cerimônias religiosas e possivelmente consumido na Ásia como um tipo de remédio herbal.

Um exemplo impressionante do valor do âmbar-gris ocorreu em 2021, quando uma equipe de 35 pescadores na costa do Iêmen capturou uma amostra de 126 quilos, que foi vendida a um comprador dos Emirados Árabes Unidos por mais de 7 milhões de reais. Os lucros foram compartilhados igualmente entre os membros da tripulação de pesca, resultando em sorte inesperada e mudança de vida para muitos deles. O fato de que o cheiro da amostra não era muito agradável não diminuiu o valor significativo dessa substância cobiçada.

Essas histórias reforçam a natureza enigmática e valiosa do âmbar-gris, que continua a despertar interesse e fascínio em todo o mundo. Sua raridade e o mistério em torno de sua origem tornam esse material um tesouro precioso na indústria de perfumes e um símbolo de sorte para aqueles que têm a fortuna de encontrá-lo.

Âmbargris, o raro e valorizado vômito de baleia

Correto, o cachalote (Physeter macrocephalus) é uma espécie de baleia que habita todos os oceanos e quase todos os mares do mundo, incluindo o Mediterrâneo. Embora ele possa ser encontrado em várias regiões, o cachalote prefere águas abertas e profundas, geralmente com mais de 1000 metros de profundidade.

Devido à distribuição geográfica dos cachalotes e ao fato de que eles frequentam áreas mais profundas, é possível encontrar âmbar-gris em todas as praias do mundo. A substância pode ser expelida pelos cachalotes e, eventualmente, chegar às costas através das correntes oceânicas. Isso contribui para a sua presença em praias de várias partes do mundo, onde muitas vezes é encontrado por colecionadores ou pescadores.

O âmbar-gris continua a intrigar e encantar as pessoas, sendo considerado um tesouro precioso que tem sido usado ao longo da história em diferentes culturas e indústrias. Sua ocorrência nas praias de todo o mundo adiciona um toque de mistério e fascínio, tornando-o verdadeiramente uma substância única e enigmática.

Fontes: 1 2 3

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Magnus Mundi

Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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