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Dedos de Lúcifer, a iguaria perigosa de coletar

Os Dedos de Lúcifer (Pollicipes pollicipes), também conhecidos como percebes, são crustáceos cirrípedes com uma haste carnuda e curta, que vivem fixados nas rochas expostas às ondas do mar. Essas criaturas prosperam apenas em rochedos localizados na zona intertidal do oceano, entre as marés altas e baixas, onde se alimentam do plâncton trazido pelas ondas que quebram. No entanto, devido à natureza perigosa da colheita, seu crescimento e multiplicação são desafiadores.

O habitat dos Dedos de Lúcifer abrange as costas rochosas do nordeste do Oceano Atlântico, desde o Canal da Mancha até as Canárias e Cabo Verde. Essas deliciosas iguarias são altamente apreciadas como alimento na Península Ibérica, sendo consideradas uma especialidade das regiões costeiras de Portugal e da Galiza.

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Os Dedos de Lúcifer recebem esse nome devido à sua aparência peculiar e bizarra. Seu tronco, chamado de pedúnculo, é grosso e negro, assemelhando-se a dedos, enquanto seus “pés”, conhecidos como capítulo, possuem uma forma de diamante, lembrando garras. O capítulo consiste em uma concha composta por várias placas calcárias e abriga o que é considerado o corpo do percebe. Essa estrutura desempenha um papel crucial na proteção contra predadores e desidratação durante as marés baixas ou quando exposto ao ar temporariamente.

O pedúnculo é a parte inferior do percebe, uma estrutura alongada e flexível revestida por pequenas escamas, responsável por conectar o percebe ao substrato. Dentro do pedúnculo estão localizados os órgãos reprodutores femininos e a glândula adesiva, responsável pela produção da substância que permite ao percebe aderir firmemente ao substrato.

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Dedos de Lúcifer são considerados verdadeiras iguarias e, por isso, restaurantes em Portugal e Espanha podem cobrar até 100 euros por um prato contendo esses crustáceos. O preço elevado é justificado pela raridade dos Dedos de Lúcifer e pelos perigos enfrentados pelos pescadores durante sua colheita.

Esses pescadores arriscam suas vidas ao enfrentar as ondas quebrando, correndo o risco de serem esmagados ou até mesmo deixados inconscientes pelo impacto, o que pode resultar em afogamentos trágicos. Aqueles que têm mais sorte podem sofrer membros quebrados ou ferimentos graves.

Além dos perigos envolvidos, a baixa produtividade da espécie também contribui para o alto preço dos Dedos de Lúcifer. Esses crustáceos possuem um crescimento lento e suas exigências ecológicas são rigorosas, o que limita significativamente seu potencial de cultivo. Como resultado, eles são um recurso escasso e delicado para a exploração comercial, o que contribui para seu valor no mercado gastronômico.

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Os pescadores que se aventuram em busca dos Dedos de Lúcifer têm um provérbio antigo que os adverte sobre os perigos envolvidos: “Nunca dê as costas para Deus quando mergulhar em busca dos Dedos de Lúcifer”. Nesse contexto, “Deus” refere-se ao poder imprevisível do mar. O ditado sugere que, ao mergulhar para colher percebes, é crucial ter consciência da imprevisibilidade do oceano, pois ignorar essa realidade pode resultar em ferimentos graves ou até mesmo na morte.

Existem relatos de mergulhadores que perderam a vida ao baterem a cabeça e se afogarem durante a busca pelos percebes. Aqueles que têm mais sorte podem acabar sofrendo fraturas em um braço ou perna. Além disso, os mergulhadores também estão sujeitos a cortes provocados pelas pedras ao lidar com os Dedos de Lúcifer.

Esses relatos trágicos, compartilhados pelo mergulhador João Rosário à BBC, enfatizam os perigos reais associados à colheita dos Dedos de Lúcifer e a importância de respeitar e estar ciente dos desafios apresentados pelo oceano durante essa atividade.

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Costa Vicentina| Crédito da foto

Existem duas principais técnicas utilizadas para a colheita dos Dedos de Lúcifer: subir pelas falésias ou mergulhar de um barco. No entanto, não há um consenso claro sobre qual dessas abordagens é menos perigosa.

Aqueles que optam por descer pelas falésias, utilizando cordas para percorrer cerca de 100 metros até o local onde os crustáceos estão presentes durante a maré baixa, enfrentam riscos significativos. Eles correm o perigo de quedas perigosas ou de serem esmagados contra as rochas pelas ondas quebrando violentamente.

A alternativa é manter uma distância segura dos penhascos quando a maré está um pouco mais alta e, em seguida, nadar em direção aos rochedos, sincronizando seus movimentos com os das ondas. Geralmente, os mergulhadores trabalham em pares para garantir a segurança mútua.

Ambas as abordagens apresentam desafios e perigos, e a escolha da técnica depende da experiência e preferência de cada pescador. Independentemente do método escolhido, a colheita dos Dedos de Lúcifer requer habilidade, cuidado e respeito pelas condições do oceano.

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Em Portugal, a atividade de caça dos percebes é altamente regulamentada, com a cidade de Vila do Bispo desempenhando um papel central nesse controle. A Associação dos Marisqueiros da Vila do Bispo, sediada na região, é responsável por supervisionar e regular todas as atividades de mergulho relacionadas à colheita dos percebes. A fim de garantir uma gestão sustentável dos recursos, apenas oitenta licenças de mergulho são emitidas anualmente.

Cada mergulhador licenciado tem permissão para coletar até 15 quilos de percebes por dia. A venda desses crustáceos é restrita ao mercado de peixes da cidade de Sagres. Os preços pagos aos fornecedores podem variar entre 30 a 60 euros, dependendo da qualidade e tamanho dos percebes.

Essas medidas de regulamentação visam preservar a população de percebes e garantir a sustentabilidade da atividade de colheita. Ao controlar o número de mergulhadores e a quantidade de percebes coletados, busca-se manter um equilíbrio entre a exploração comercial e a conservação dessa espécie apreciada na gastronomia local.

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Aqueles que tiveram a oportunidade de provar os Dedos de Lúcifer, considerados uma iguaria requintada, afirmam que o sabor é excepcional, com um marcante aroma marinho em sua carne. De fato, muitos apelidam esses crustáceos de “trufas do mar”, devido à sua intensidade de sabor e valor gastronômico.

De acordo com a tradição portuguesa, existe apenas uma maneira adequada de cozinhar os Dedos de Lúcifer: fervê-los em água com sal. No entanto, é essencial ter cuidado para não passar do ponto, por isso é comum recitar uma breve oração, como o Pai Nosso, enquanto são cozidos. “Mesmo se você rezar lentamente, nunca vai demorar mais de um minuto”, comenta Adriano Lernes, chef do Marisqueira Azul.

Após o breve cozimento, os percebes devem ser retirados da água fervente e imediatamente colocados em um recipiente com gelo para interromper o processo de cocção. Nenhum tempero ou molho deve ser adicionado, pois o sabor natural dos Dedos de Lúcifer é considerado suficientemente delicioso por si só.

Essa técnica de preparo minimalista visa preservar a qualidade e o sabor autêntico dos percebes, permitindo que sua carne macia e saborosa seja apreciada em sua forma mais pura.

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