Histórias

Painless Parker, um dentista mais que excêntrico

No museu dentário da Universidade de Temple, localizado na Filadélfia nos Estados Unidos, encontra-se uma pequena seção dedicada a um dos dentistas mais notórios da América: o famoso “Painless Parker“. Esse dentista afirmava que seu procedimento de extração dentária era completamente indolor, chegando ao ponto de prometer reembolsar seus honorários em dez vezes caso houvesse qualquer dor durante a operação. No entanto, a verdade por trás desse apelido era bastante diferente. Parker havia até mesmo mudado legalmente seu nome para Painless Parker, mas a realidade era bem distante dessa promessa de indoloridade.

Painless Parker com seu colar de dentes; o colar no Museu Dentário da Universidade de Temple.

Painless Parker, cujo nome de nascimento era Edgar Randolph Parker, nasceu em Tynemouth Creek, New Brunswick, em 1872. Desde jovem, Edgar já mostrava habilidades como vendedor. Aos 7 anos, ele vendeu o parquinho da escola para um colega por 20 centavos. Aos 9 anos, negociou com um vizinho para adquirir uma galinha, ovos e um galinheiro, planejando se tornar um criador de galinhas. Edgar era um garoto rebelde e travesso, frequentemente simulando doenças para faltar à escola. Em certo momento, ele adquiriu uma carroça e um cavalo e se tornou um mascate de rua, vendendo bijuterias. No entanto, seu pai desaprovou essa atividade e vendeu a carroça. Em protesto, Edgar deixou sua casa e embarcou em um dos navios de seu tio com destino a Barbados.

Um colar de dentes extraídos que Painless Parker usava quando ia trabalhar.

Durante sua viagem marítima, Edgar sofreu um ferimento e foi parar em um hospital em Buenos Aires. Passando um verão inteiro no hospital, ele começou a admirar o trabalho dos médicos e decidiu se tornar um profissional da área. No entanto, como sua mãe era uma cristã devota e não acreditava na medicina, Edgar optou pela carreira de odontologia. Ele gostava da ideia de poder aliviar as pessoas da dor, algo que sua mãe havia experimentado durante um período de tempo com um dente do siso incluso.

Parker vendia toda uma linha de produtos para cuidados dentários, como este antisséptico bucal. 

Em 1889, Parker se matriculou no New York College of Dentistry. Para se sustentar financeiramente, ele realizava atendimentos odontológicos de porta em porta e até montou seu próprio consultório logo após entrar na faculdade. No entanto, essa conduta violava as políticas da instituição, resultando na sua expulsão. No mesmo ano, ele ingressou no Philadelphia Dental College (agora Escola de Odontologia Maurice H. Kornberg da Universidade de Temple) e se formou em 1892, aos vinte anos de idade. Parker era um aluno com dificuldades financeiras e só conseguiu se graduar porque suplicou ao reitor para ser aprovado. Após obter a aprovação, Parker se mudou para o Canadá para começar a trabalhar como dentista.

Um grande concerto gratuito ao ar livre às 15h e 19h todos os dias, consistindo de música vocal e instrumental. Dentes extraídos gratuitamente, sem dor (Painless Parker)

Naquela época, era considerado antiético solicitar pacientes diretamente na profissão. Os dentistas podiam se envolver em clubes e atividades comunitárias, mas não eram permitidos a buscar diretamente a clientela. Após seis semanas sem atender nenhum paciente, Parker decidiu deixar de lado essas diretrizes éticas e iniciou uma campanha publicitária. Desesperado por conseguir novos clientes, ele fez um acordo com um fabricante de cartazes, trocando um novo conjunto de dentaduras por um cartaz que o promovia como “Painless Parker”.

Após abrir uma loja em uma esquina, Parker adotou uma abordagem direta para atrair clientes, destacando os horrores da cárie dentária. Ele prometia realizar extrações totalmente indolores e até oferecia um reembolso de US$ 5 caso o paciente não ficasse satisfeito. Para mitigar a dor, ele utilizava uma solução de cocaína e água, que chamava de “hidrocaína”. Surpreendentemente, o narcótico tinha um efeito analgésico eficaz, e logo Parker começou a ganhar dinheiro como um dentista itinerante, realizando extrações dentárias por apenas 50 centavos.

Um de seus cartões promocionais

Após alguns anos, Parker e sua família se mudaram para Nova York, onde ele teve a oportunidade de conhecer William Beebe, um ex-funcionário do circo PT Barnum. Beebe aconselhou Parker a levar seu ato para a estrada, seguindo o exemplo de Barnum. Assim, Parker lançou o Parker Dental Circus, um espetáculo itinerante de odontologia.

No show, Parker começava com uma apresentação sobre higiene bucal, compartilhando informações com o público. Em seguida, ele convidava um voluntário da plateia para subir ao palco. No entanto, um cúmplice disfarçado no meio da multidão se aproximava e Parker fingia extrair um dente do suposto voluntário, que confirmava que a operação era indolor. Era uma encenação elaborada para impressionar a audiência.

Um dos cartões publicitários da Painless Parker

Quando um paciente real subia na carroça de Parker, puxada por cavalos, para realizar um procedimento dentário, uma banda de músicos começava a tocar seus instrumentos em alto volume, abafando qualquer grito ou ruído de dor do paciente. Essa estratégia era utilizada para criar a ilusão de que os tratamentos eram realmente indolores, mantendo a reputação de “Painless Parker” intacta.

Parker enfrentou várias ações judiciais devido às suas alegações falsas e falta de ética, travando batalhas legais nos tribunais. Em 1930, o conselho odontológico da Califórnia proibiu Parker de se autodenominar “Painless Parker” e suspendeu sua licença por propaganda enganosa. Diante disso, Parker tomou a decisão de mudar legalmente seu nome de “Edgar” para “Painless”. Seus colegas de profissão também o desaprovavam, e a American Dental Association chegou a considerá-lo “uma ameaça à dignidade da profissão”.

Anúncio de jornal de página inteira para a prática odontológica da Costa Oeste de Painless Parker, 1916.

No entanto, mesmo enfrentando controvérsias, os negócios de Parker prosperaram. Em um dia notável, ele alegou ter extraído 357 dentes em um único dia, os quais ele usava em um colar como uma espécie de exibição. Além disso, ele contratou assistentes e estabeleceu uma rede de clínicas odontológicas. No auge de sua carreira, Parker administrava 28 consultórios na Costa Oeste, empregando mais de 70 dentistas e faturando US$ 3 milhões por ano. Suas clínicas ofereciam serviços odontológicos e também vendiam uma linha de produtos, como enxaguantes bucais, cremes dentais e pós para escovar os dentes em casa.

Painless Parker se apresentou em várias cidades e transformou o ato de arrancar dentes em um show, prometendo pagar US $ 5 caso os pacientes sentissem alguma dor.

Apesar de suas práticas questionáveis, é inegável que Parker deixou uma contribuição no campo da odontologia. Ele acreditava em tornar os cuidados de saúde acessíveis e não cobrava por avaliações preliminares. Ele distribuía vales, permitindo que pacientes sem recursos utilizassem crédito para obter tratamento, além de educar o público sobre a importância da higiene bucal.

O Dr. Amid Ismail, reitor da Escola de Odontologia Maurice H. Kornberg da Universidade de Temple, afirmou que o legado mais inegável de Parker para a odontologia foi sua influência no desenvolvimento da ética profissional. Suas ações questionáveis e seu comportamento de charlatanismo levaram a uma reflexão dentro da profissão, impulsionando o aprimoramento das práticas éticas e a defesa dos interesses dos pacientes.

Anúncio que apareceu no 
AJO-DO em 1931 sobre Painless Parker e o ER Parker System.

Embora sua abordagem tenha sido controversa, não se pode negar que Painless Parker teve um impacto significativo no campo da odontologia, levando a uma maior conscientização sobre a importância dos cuidados dentários e contribuindo para a evolução da ética profissional na área.

Atualmente, uma seção das exposições no museu da Universidade de Temple é dedicada a Painless Parker. Nessa seção, os visitantes têm a oportunidade de observar uma seleção de ferramentas odontológicas que Parker usou em sua prática, incluindo o famoso colar feito com dentes extraídos e um balde contendo os dentes que Parker extraiu ao longo de sua carreira.

Uma demonstração da Painless Parker no Brooklyn, Nova York, ca. 
1910-1915

Esses artefatos proporcionam aos visitantes uma perspectiva fascinante sobre as técnicas e instrumentos odontológicos do passado, além de oferecer um vislumbre da notoriedade e da abordagem única de Painless Parker em relação à extração dentária. Ao explorar essa seção do museu, os visitantes podem obter um entendimento mais aprofundado da história da odontologia e da figura intrigante que foi Painless Parker, cuja vida e práticas deixaram uma marca duradoura no campo odontológico.

Um balde cheio de dentes extraídos no museu da Universidade de Temple
O império Painless Parker de 1917, com um escritório em Santa Cruz
Uma demonstração do Painless Parker na Times Square de Nova York

Fontes: 1 2

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