Em 1865, uma jovem baleia azul nadou muito perto da costa na Suécia e acabou encalhando em Askim Bay, ao sul de Gotemburgo, costa oeste da Suécia. A enorme criatura com 16,41 metros de comprimento e pesando 25 toneladas, lutou até a exaustão para se libertar, mas não conseguiu sair. Dois pescadores locais a encontraram e desejando ganhar algum dinheiro com ela, acabaram desferindo muitos golpes de facão e arpão por dois dias seguidos, até finalmente a baleia morrer.
August Wilhelm Malm, taxidermista e futuro curador do Museu de Gotemburgo, soube da baleia e comprou a carcaça dos pescadores para incorporá-la ao acervo de um futuro museu, pois taxidermizar uma baleia inteira era o sonho de muitos empalhadores, e seria um espécime única no mundo e traria muitos visitantes, que pagariam um bom dinheiro para ver o animal em toda a sua magnitude.
August contratou cinco barcos a vapor para reboca-la até um estaleiro em Gotemburgo. Sem perder tempo, o taxidermista começou a medir e fotografar o animal, antes que certas partes começassem a inchar, como resultado da decomposição. Uma semana depois, August conseguiu que alguns pescadores o ajudassem a cortar a baleia em quatro partes, tirar sua pele, dar o devido tratamento e secá-la e desossar a baleia, que seria exposto em separado, em troca de bebidas grátis.
A baleia despertou a curiosidade da população e apesar da cena sangrenta e do mau cheiro, uma multidão apareceu para inspecionar os trabalhos e a polícia teve que intervir para não gerar tumulto, sem resultado. August cercou o local e começou a cobrar uma pequena taxa, para que as pessoas pudessem acompanhar os trabalhos e ao mesmo tempo ajudar nos custos da operação.
As pessoas não queriam ficar atrás da cerca, e sim se aproximar do animal, e muitas delas, curiosas sobre o tamanho da garganta do bicho, imaginando se era possível uma pessoa passar por ali, como dizia a história de Jonas, na Bíblia, que foi engolido por um peixe grande, que muitos acreditam ter sido uma baleia. Isso inspirou August a planejar a montagem da baleia para que as pessoas pudessem entrar dentro de seu ventre.
A cobrança da taxa não foi muito bem recebida pela população que começou a roubar pedaços de carne e ossos da baleia como lembranças, fazendo com que August acelerasse os trabalhos. Para preservar o coração, intestinos, olhos, pulmões e outros, foram mergulhados numa mistura de glicerina e álcool.
Foi removido 3.400 quilos de pele em tiras, que foram penduradas sobre armação de madeira e escovadas para remover a gordura, até que a mesma ficasse com uma espessura de um centímetro. Enquanto muitas pessoas trabalhavam na pele, outros limpavam o esqueleto, fervendo os ossos e depois, cada parte era etiquetado com plaquetas de latão para posteriormente ser montado no lugar certo.
Foi construído uma grande estrutura em madeira em forma da baleia, para que a pele fosse esticada sobre ela, processo semelhante é usado para revestir sofás em couro e algumas partes do animal tiveram ser ser esculpida, como partes da mandíbulas e nadadeira caudal, partes essas perdidas ou danificadas no transporte e depredadas pela população. A cabeça da baleia foi montada de forma que se pudesse abrir a parte de cima (maxila) para acessar seu interior, que foi todo revestido em tecido e equipado com bancos confortáveis e tapetes.
Após meses de trabalho, a baleia azul finalmente estava pronta em quatro seções e para pagar o empréstimo feito na compra do animal e os custos de sua reconstrução, ela viajou para muitos países da Europa, antes de ser exposta definitivamente no Museu Natural de Gotemburgo.
E nesse trajeto muito coisa aconteceu. Em Estocolmo, o ventre da baleia foi adaptado para ser um café, sendo seu interior revestido de tecido azul com estrelas douradas, e decorado com bancos e mesinhas. Após passar por Hamburgo, Berlim, Paris e Londres, problemas financeiras fizeram a baleia ser confiscada e ficou meses armazenada num galpão, até que os devidos impostos fossem pagos.
Após voltar para a Suécia, ela ficou novamente guardada em caixas por uns dois anos, pois não tinha um lugar para exibi-la, até ser colocada no Museu de História Natural em Slottskogen, em 1918, e para isso, teve que ser aberto um buraco na parede do prédio, para conseguir entrar com o animal.
Pessoas vinham visitar a baleia azul de toda parte, especialmente para entrar dentro dela e a maxila da baleia era aberto frequentemente para ter acesso ao seu interior, mas em algum momento na década de 1930, um casal foi flagrado fazendo sexo dentro da criatura e desde então, o museu decidiu dar acesso ao seu interior só em ocasiões especial. Em 2015, a baleia completou 150 anos, e passou por muita coisa, desde os fatídicos dias em que encalhou na costa em 1865.
August após estudar detalhadamente a sua baleia azul, escreveu um livro (Monographie illustrée du baleinoptère trouvé le 29 Octobre 1865 sur la côte occidentale de Suède) sobre o animal. Nele, ele descreveu o mamífero como pertencente a uma nova espécie de baleia, batizando-a Balaenoptera carolinae em homenagem a sua esposa.
O que ele não sabia na época, era que não se tratava de uma espécie desconhecida de baleia, mas simplesmente de uma baleia azul jovem (Balaenoptera musculus), cujo corpo e esqueleto ainda não tinham sido submetidos as mudanças que ocorrem com a maturidade. August se confundiu sobre a baleia, mas ao mesmo tempo, ele se tornou o criador de um exemplar único no mundo.
Artigo publicado originalmente em maio de 2016
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