Animais & Natureza

Bummer e Lazarus: os amados cães de São Francisco

A corrida do ouro na Califórnia atraiu não apenas pessoas em busca de ouro, mas também uma grande quantidade de cães. Esses animais desempenharam diversos papéis, servindo como companheiros para os mineiros e também como animais de carga, puxando trenós e carroças carregados de minérios. No entanto, quando a corrida do ouro chegou ao fim, muitos desses cães foram abandonados por seus donos e passaram a vagar pelas ruas, causando transtornos.

Esses cães abandonados perturbavam os cavalos, ameaçavam mulheres e crianças, brigavam entre si e enchiam o ar com seus uivos e latidos. Em algumas cidades, como Los Angeles, sua população superava em quase duas vezes a de humanos. Para lidar com esse problema, os cães eram frequentemente envenenados. Os municípios ofereciam recompensas pela captura desses animais, resultando em muitos deles sendo mortos e seus couros transformados em luvas e cintos.

Bummer e Lazarus passeando pela Montgomery Street. 
Ilustração de Edward Jump.

A única maneira de um cão escapar desse destino cruel era se tornando um caçador de ratos. Os ratos eram tão problemáticos quanto os cães, e muitos moradores pagavam caro por terriers especializados em matar essas pragas. Quando soltos nas ruas da cidade em busca de ratos, esses cães atraíam uma multidão de espectadores. Também participavam de competições organizadas em bares para ver quem conseguia matar a maior quantidade de ratos em um determinado período de tempo. São Francisco, assim como outras cidades da Califórnia, também enfrentava um terrível problema com os cães. Em 1860, o jornal Daily Alta Califórnia descreveu a situação da seguinte forma:

“A cidade está infestada por milhares de cães sarnentos e inúteis, cujo número finalmente se tornou insuportável… Nunca vimos uma cidade na América tão afligida pelo incômodo causado pelos cães como São Francisco. Às vezes, durante a noite, seus uivos são o suficiente para distrair qualquer um.”

Em um dia de 1860, um cão de porte grande e pelagem preta e branca surgiu em frente ao bar Frederick Martin’s, um local conhecido por suas bebidas baratas. O estabelecimento era frequentado por muitos jornalistas e repórteres que, mais tarde, tornariam o cachorro famoso. Os frequentadores do bar o apelidaram de Bummer (Que Chatice, em tradução livre), em referência ao fato de ele mendigar regularmente por comida. Bummer possuía um talento impressionante para caçar ratos, o que o salvou do destino trágico do antigo dono da área, um cão chamado Bruno, envenenado com estricnina pouco antes da chegada de Bummer.

Bummer e Lazarus implorando por restos do Imperador Norton. 
Ilustração de Edward Jump.

Um ano depois, Bummer salvou outro cachorro de um ataque de um oponente canino maior, que quase o mordeu na perna. Os espectadores não acreditavam que o cachorro ferido sobreviveria, mas Bummer cuidou dele até sua recuperação, alimentando-o com restos de comida coletados em suas incursões de limpeza e mantendo-o aquecido à noite. Em algumas semanas, o cachorro estava recuperado e a dupla começou a patrulhar a Montgomery Street juntos. O novo cachorro foi batizado de Lazarus, em referência à sua notável recuperação.

Lazarus mostrou-se um cão ainda mais impressionante do que Bummer. Segundo relatos, a dupla eliminou 85 ratos em apenas vinte minutos em uma ocasião. Em uma competição de caça a ratos, eles superaram todos os outros competidores, incluindo cães de raça pura. A amizade entre Bummer e Lazarus conquistou os corações dos californianos e ganhou destaque nos jornais de São Francisco. Certa vez, Lazarus invadiu uma papelaria e ficou preso durante a noite.

Ele tentou escapar da prisão, mas não teve sucesso“, relatou o jornal Daily Alta California. “Ele bateu a cabeça várias vezes no vidro espesso, quebrando-o em vários lugares, e depois pulou em caixas, destruindo itens delicados e valiosos com total imprudência.

Um funeral imaginário de Lazarus. 
Ilustração de Edward Jump.

Em 1861, o jornal San Francisco Mirror relatou que um policial estava cumprindo um mandado de prisão contra um homem acusado de agressão, quando Bummer e Lazarus surgiram para ajudar. Eles “atacaram”, rasgando as roupas do homem e “mordendo” suas pernas até que ele caísse no chão.

Em 1862, um novo funcionário encarregado de capturar cães foi nomeado na cidade, sem conhecimento da reputação dos dois cachorros. Infelizmente, Lazarus foi capturado por engano, e a legislação local estipulava um prazo de 48 horas para que o cão fosse reclamado antes de ser sacrificado. Quando a notícia de sua apreensão se espalhou entre os cidadãos, uma multidão marchou até o canil exigindo sua libertação. Com bom senso, o responsável pela captura liberou Lazarus sob a custódia dos moradores.

Para proteger esses amados cães de possíveis capturas futuras pelos caçadores de cães, os cidadãos redigiram uma petição solicitando proteção permanente para Bummer e Lazarus. Centenas de pessoas assinaram a petição e a apresentaram ao Conselho de Supervisores. O Conselho concordou e aprovou um decreto concedendo aos dois cães um passe livre pela cidade pelo resto de suas vidas.

A morte de Bummer. 
Ilustração de Edward Jump.

Apesar de receberem proteção oficial da cidade, a vida de cães vira-latas ainda estava repleta de perigos. Em outubro de 1863, alguém deliberadamente alimentou Lazarus com carne misturada com veneno. Moradores furiosos ofereceram uma recompensa de $50 pela captura do responsável pelo envenenamento.

A cidade lamentou a morte de Lazarus. O jornal Daily Evening Bulletin publicou um longo obituário intitulado “Lament for Lazarus“, no qual elogiava as virtudes de ambos os cães e relatava suas várias aventuras juntos. O jornal Red Bluff Independent relatou: “Bummer viu o corpo, mas partiu com lágrimas nos olhos e caminhou pela Montgomery Street por horas a fio. Em breve, poderemos contar a história da morte desse amigo fiel e inconsolável“.

Alguém sugeriu que Lazarus fosse enterrado em um lugar de honra ao lado de outros grandes nomes da cidade, mas, em vez disso, ele foi empalhado por um taxidermista e exibido atrás do bar no salão de Martin. Sem seu leal companheiro, Bummer ficou taciturno, mas continuou trabalhando duro por mais alguns anos.

Em certo momento, parecia que ele havia encontrado um novo amigo sob sua proteção, mas nunca estabeleceu a mesma conexão que teve com Lazarus. Infelizmente, Bummer também encontrou uma morte cruel quando foi chutado escada abaixo por um bêbado em novembro de 1865. A cidade rapidamente prendeu o agressor e o colocou na prisão. Quando seu colega de cela descobriu sobre seu crime, ele aparentemente “o puniu”.

Uma placa comemorativa dos cachorros Bummer e Lazarus no Transamerica Redwood Park em San Francisco. 
Foto: 
BrokenSphere/Wikimedia

Após a morte de Bummer, Mark Twain, então um jovem repórter do jornal Territorial Enterprise de Virginia City (Nevada), escreveu um obituário caracteristicamente sarcástico, afirmando que Bummer “deveria ter morrido antes: houve um tempo em que sua morte teria deixado um legado duradouro de fama para o nome dele. Agora, porém, ele será esquecido em poucos dias“. O jornal se referiu a eles como “dois cachorros com um único latido, duas caudas que abanavam um só rabo“.

Após a morte de Bummer, seu corpo também foi taxidermizado e exposto no Martin’s Saloon, ao lado de Lazarus, onde permaneceram por quatro décadas. Em 1906, ambos os espécimes foram doados ao museu Golden Gate Park, onde foram armazenados até serem destruídos em 1910. Em 1992, uma placa foi instalada no Transamerica Redwood Park, na Montgomery Street, em homenagem aos dois cachorros. A placa diz: “Eles não pertenciam a ninguém. Pertenciam a São Francisco“.

Fontes: 1 2

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Movido por uma curiosidade insaciável, ansiava por um espaço onde pudesse preservar as curiosidades singulares que encontrava em livros e na internet. Dessa busca, surgiu o Magnus Mundi em 2015. Julio Cesar, nascido em Blumenau e residindo em Porto Belo, litoral de Santa Catarina, viu seu desejo de compartilhar maravilhas peculiares tomar forma nesse site.

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