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Gigante de Cardiff, a farsa bíblica

Gigante de Cardiff, a farsa bíblica
Naqueles dias, havia nefilins (gigantes) na terra, e também posterior­mente, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens e elas lhes deram filhos; Estes eram os valentes que houve na antiguidade, os varões de fama….” Poucas interpretações de uma passagem na Bíblia provocaram tanta controvérsia, quando essa de Gênesis 6:4, do Antigo Testamento, a ponto de servir de brincadeira em 1869, que acabou sendo uma das maiores farsas da história norte americana.

George Hull, um rico fabricante de charutos de Binghamton, Nova York e ateu convicto, não suportava cristãos fundamentalistas que levavam a Bíblia ao pé da letra. Numa viagem a casa de sua irmã em Iowa, nos Estados Unidos começou uma discussão com um reverendo da igreja Metodista, que dizia que na Bíblia não havia metáforas e que gigantes realmente caminharam pela Terra.

A partir daí, George começou a bolar um plano para ganhar dinheiro com a histeria religiosa, e ao mesmo tempo zombar das crenças dos religiosos. Durante os próximos dois anos, ele gastou cerca de três mil dólares (em torno de 46.000 dólares atuais) mandando esculpir um falso gigante petrificado e posteriormente, deixando-o enterrado por um ano, para dar credibilidade a farsa.

Gigante de Cardiff, a farsa bíblica

George comprou um grande bloco de cinco toneladas de gipsita em Fort Dodge, em Iowa. Com grande dificuldade, conseguiu mover o pesado bloco até a estação ferroviária de Boone, afirmando que seria usado num monumento a Abraham Lincoln em Nova York, porém enviou a pedra para Chicago, onde contactou Edward Burghardt, um pedreiro alemão que trabalhava com bustos e estátuas funerárias para criar o gigante.

Edward havia concordado em participar da farsa, em troca de uma parte dos lucros e com a ajuda de Henry Salle e Fred Mohrmann, trabalharam três meses dando forma ao gigante. O projeto era que ficasse parecendo um homem petrificado e o próprio George serviu de modelo.

Em Iowa, ao ser movido a pedra até a estação ferroviária, o caminhão que a transportava havia quebrado o eixo, e não encontraram nenhum outro que pudesse ser bastante forte para suportar o peso, e assim, uma parte do bloco teve que ser cortado e por isso, o alemão e seus ajudantes acabaram criando a escultura com os membros inferiores semi dobrado, ficando menor que o planejado, porém com uma aparência surpreendentemente contraído e agonizante.

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Após o processo de esculpir, foi constatado que as feições do gigante estavam muito parecidas com às de George Hull, e então foi feito um trabalho de descaracterização e mais tarde, foi pulverizado ácido sulfúrico pela escultura para parecer erodida e envelhecido. Com uma agulha de aço, fizeram minúsculos furos por toda a superfície, num trabalho minucioso, para que parecessem os poros na pele de uma pessoa.

Enfim, uma estátua de um homem nu deitado de costas, com o braço direito em seu estômago e as pernas dobradas com 3,2 metros de altura, pés com tamanho de 53 centímetros e pesando mais de uma tonelada estava concluída. Agora só faltava um lugar para deixa-lo enterrado por algum tempo. George decidiu por Burned Over District, uma área do estado de New York conhecida pelo reavivamento e formação de novos movimentos religiosos e seu primo, William “Stub” Newell tinha uma fazenda em Cardiff, em Syracuse, próximo da área escolhida.

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Em novembro de 1868, o gigante foi transportado até a fazenda de seu primo, e em troca de uma quantia de dinheiro, ele o enterrou numa noite em sua propriedade. Para que tudo corresse como planejado, sua família saiu de viagem, para que não soubesse da farsa. Quase um ano depois, no dia 16 de outubro de 1869, William contratou Gideon Emmons e Henry Nichols para cavar um poço no exato local que ele sabia estar enterrado o gigante. Quando estavam cavando um buraco de aproximadamente 1,5 metros, eles encontraram a escultura.

O gigante foi a sensação da época, com vários jornais querendo cobrir a descoberta e milhares de pessoas querendo ver o tal homem petrificado. George imediatamente mandou instalar uma tenda sobre o local da descoberta e todo um circo foi armado em volta. Inicialmente, a entrada ao local custava 25 centavos por pessoa, mas passados uns dias, o valor da entrada aumentou para cinquenta centavos. Teorias de quem era o tal gigante começaram a surgir: Uns diziam que se tratava de Golias, relatado na Bíblia, outros que era um gigante enterrado por missionários jesuítas em 1500 para convencer e converter os indígenas.

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Nem mesmo uma carta, vinda de Chicago e entregue a um jornal de um escultor alemão desconhecido, alegando que esculpiu o gigante e tudo se tratava de uma brincadeira não convenceu ninguém, e foi dada como delírios de um louco. E para dar credibilidade ao tal gigante, teólogos, pesquisadores e pessoas renomadas, deram sua versão dos fatos, como um geólogo que afirmou numa reportagem de um jornal: “o gigante tem as marcas do tempo impressa em cada membro e de uma forma e precisão que nenhum homem conseguiria imitar“. Porém, muitos também não estavam convencidos disso, e alegavam que tudo não passava de uma grande mentira, como um paleontólogo famoso na época, Othniel Charles Marsh, que disse: “a origem é muito recente, é uma farsa“.

O Gigante de Cardiff que começou como uma chacota cara e elaborada, estava se tornando um grande negócio e George Hull depois de faturar bastante com entradas em seu “circo”, vendeu o gigante por 23.000 dólares (U$436.000 atuais) para um grupo de empresários liderados por David Hannum e o gigante foi transferido para Bestable Arcade em Syracuse, para tornar o gigante mais acessível ao público e o preço da entrada aumentou para U$ 1, aproximadamente 2,5 reais atualmente.

Gigante de Cardiff, a farsa bíblica

P.T. Barnum, famoso empresário circense, dono do Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus e criador da frase “Nasce um trouxa por minuto“, ofereceu 50.000 dólares pelo gigante, e quando os proprietários recusaram a oferta, ele contratou um escultor para fazer uma réplica do gigante e colocou-o em exibição em Manhattan, Nova York, alegando que o seu gigante era o verdadeiro e o de Cardiff uma farsa e também dizendo que havia comprado o verdadeiro gigante de George Hull. O gigante de Barnum fez muito sucesso também e gerando mais dinheiro que o de Cardiff, e algumas pessoas mais tarde, depois que a farsa foi revelada, e que viram os dois gigantes, disseram que o de Barnum era mais autentico que o de George Hull.

Os proprietários do Gigante de Cardiff processaram P.T.Barnum, reivindicando que só o gigante deles era o verdadeiro. No dia 10 de dezembro, George Hull foi chamado como testemunha e para surpresa de todos, disse no tribunal que o gigante de Cardiff era farsa e tudo não passava de uma brincadeira. A sentença do juiz foi que desde que o gigante de Cardiff era uma falsificação, o processo não tinha como prosseguir. Em fevereiro de 1870, ambos os gigantes foram revelados como falsos. Atualmente o gigante de Cardiff pertence ao New York Historical Association e está exposto no Farmer’s Museum in Cooperstown, em Nova York e o gigante de Barnum, está no museu Marvin’s Marvelous Mechanical Museum em Farmington Hills, Michigan.

Gigante de Cardiff, a farsa bíblica
Local onde foi desenterrado o falso gigante petrificado

O Gigante de Cardiff inspirou muitas outras falsificações: Em 1876, surgiu o Solid Muldoon em Beulah, Colorado, sendo exibido, cobrando-se 50 centavos de entrada. Um funcionário mais tarde revelou que também era criação de George Hull, auxiliado por Willian Conant e era feito de argila, ossos moídos, carne, pó de rocha e gesso.

Em 1877, proprietário do hotel Taughnnock House, em Cayuga Lake, New York contratou alguns homens para criar um homem petrificado e colocá-lo no local onde o hotel estava construindo uma expansão. Mais tarde, um dos homens que enterrou o gigante revelou a verdade quando estava bêbado. Em 1892, Jefferson Randolph “Soapy” Smith II, prefeito de Creedo, Colorado comprou um homem petrificado por 3.000 dólares e chamou-o de “McGinty” e lucrou com sua exibição. Este era feito com o corpo de um humano real e intencionalmente injetado com produtos químicos para preservação e petrificação.

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Cartaz oferecendo uma recompensa para quem trazer um pedaço do material de que foi feito o Gigante de Cardiff, e assim provando se tratar de uma fraude
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Cartaz promocional

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